Violência policial contra negros aumenta

Dados da edição deste ano do Atlas da Violência de 2018, do Ipea, destacam a desigualdade das mortes violentas por raça ou cor

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“É como se, em relação à violência letal, negros e não negros vivessem em países completamente distintos”, aponta o relatório do mais recente Atlas da Violência de 2018, lançado em junho deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O documento destaca a desigualdade das mortes violentas por raça ou cor que vem se acentuando nos últimos dez anos. Enquanto a taxa de homicídio de não negros diminuiu 6,8%, a taxa de vitimização da população negra aumentou 23,1%, e a taxa de homicídio de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras.

 

Em 2016, o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517 homicídios, isso equivale a 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes, em particular contra jovens; homicídios respondem por 56,5% da causa de óbitos de homens entre 15 e 19 anos.

 

Em relação à população negra, os números foram os seguintes: a taxa de homicídio de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16% contra 40,2%), o que implica dizer que 71,5% das pessoas assassinadas no país a cada ano são pretas ou pardas.

 

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública analisou 5.896 boletins de ocorrência de mortes decorrentes de intervenções policiais entre 2015 e 2016, o que representa 75% do universo de mortes no período: identificou que 76,1% das vítimas de atuação da polícia são negros. “Os negros, especialmente jovens negros, são o perfil mais frequente do homicídio no Brasil, sendo muito mais vulneráveis à violência do que os jovens não negros”, diz o estudo.

 

Genocídio – O número de elucidação de casos de homicídio decorrente de intervenção policial é, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito (de 2016) sobre o assassinato de jovens em 2016, baixo e as maiores vítimas da ação policial são jovens negros. Segundo especialistas, 99% dos casos são arquivados e a conclusão é: “o Estado brasileiro, direta ou indiretamente, provoca o genocídio da população jovem e negra”.

 

Quem algemou Valéria Santos?

 

Uma negra acorrentada num fórum no Brasil, hoje, sendo essa advogada, é o retrato da normatização da escrotidão sobre uma etnia e nos põe a todos na mira do atraso, nos atola na triste conclusão de que a escravidão não acabou. Valéria não infringiu a lei, não é bandida e foi detida no trabalho ao defender sua cliente, a negra ré. Vemos a face de sua dignidade, a certeza de estar legalmente correta em pleno exercício da profissão e, para nosso enjoo e espanto, a indiferença, a omissão e a anuência de seus colegas com esta barbárie que é o racismo contemporâneo brasileiro. (Ó triste frase, ainda existe?) Escrevo em pensamento e caminho por dez minutos na Copacabana que me expõe doze moradores de rua (contei). Espalhados nas calçadas, nos quarteirões do bairro que amo. Todos corpos negros, mais da metade jovens em idade escolar. Doença, desamparo, alcoolismo, crack, abandono, humilhação, fome. Todos abaixo da linha da dignidade, chafurdados no cuspe da exclusão. Passeio entre refugiados, neste campo de concentração imenso no qual o Brasil se tornou. Muitos sobreviventes deste holocausto estão nas ruas, ou nas carceragens, ou na bandidagem. E quem repara?

 

Todo dia se mata na favela. Vidas negras importam? A quem? Nem reconhecemos como holocausto a tragédia carnificeira que comandou o tráfico de gente pelos oceanos durante quatro séculos! Algum mecanismo aconteceu em nossas cabeças que somos um país que não se comove diante do extermínio da nossa juventude negra, mas é capaz de chorar copiosamente vendo o diário de Anne Frank. Uma dor não é maior do que a outra. Porém afirmo que, por ignorância da nossa verdadeira história, não nos comovemos com a escravização (…).

 

(trecho de crônica de Elisa Lucinda publicado no Jornal do Brasil)

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