A decisão do ministro do STF, Edson Fachin, anulando todos os processos da Lava Jato contra o ex-presidente Lula, é uma vitória parcial da democracia brasileira.

Fachin reconheceu tardiamente que a Justiça Federal do Paraná não tinha competência para julgar os processos contra Lula. A sentença devolve os direitos políticos do ex-presidente, embora não devolva e nem repare os 580 dias de prisão injusta.

Em 2018, Sergio Moro fraudou o processo judicial para consolidar o golpe iniciado em 2016, com o impeachment da presidenta Dilma. A escalada de rupturas democráticas avançou com a prisão de Lula e seu impedimento de disputar as eleições, beneficiando a campanha de Bolsonaro, de quem Moro virou ministro.

A decisão de anular os processos contra Lula é um passo importante, mas incompleto, para o restabelecimento da democracia brasileira. Os vazamentos das conversas entre Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato revelam como a operação atuou como uma quadrilha para perseguir adversários, atropelar o Estado Democrático de Direito e atacar a democracia. É fundamental que os crimes da Lava Jato sejam julgados, assim como a suspeição do ex-juiz Moro.

Nas redes sociais, houve uma explosão de euforia com a decisão. No entanto, a crise nacional vivida pelo Brasil é aguda; o governo federal continua em marcha acelerada para destruir o Estado brasileiro – o SUS, as universidades, o serviço público, as empresas estatais, a assistência social, a pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológico, entre outros – ao mesmo tempo em que aumenta a presença de militares no governo e busca caminhos para fechar o regime, completando a “obra” do golpe de 2016.

Os movimentos organizados da classe trabalhadora precisam aproveitar a janela de diálogo que se abre com a anulação dos processos contra Lula para organizar a formação de um movimento amplo pelo impedimento democrático de Bolsonaro, estruturado na defesa da vida, da democracia e dos direitos sociais e trabalhistas.

Derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo é fundamental para reconstruir a democracia brasileira e reabrir o caminho da esperança, da superação da pandemia e trazer de novo a expectativa de uma vida digna.

 

 

O ministro reconheceu que a Justiça de Curitiba não tinha competência para julgar o ex-presidente

Matéria retirada do site da Revista Fórum. 

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, decidiu nesta segunda-feira (8) anular todas as condenações contra o ex-presidente Lula promovidas pela Justiça Federal de Curitiba.

Fachin atendeu a um habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente que dizia que alegava incompetência de Curitiba para o julgamento dos casos do Triplex do Guarujá, do Sítio de Atibaia e da Instituto Lula.

Na decisão, obtida pela Fórum na íntegra (confira no fim da matéria), o ministro declara a “incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais” de Atibaia, Guarujá e do Instituto Lula.

Com isso, esses processos vão para o Distrito Federal. No DF, Lula não foi condenado em nenhum processo.

A decisão de Fachin torna Lula novamente elegível. Pesquisa do Ipec divulgada no domingo mostra que o ex-presidente é quem possui maior potencial de votos e menor rejeição para as eleições de 2022.

A aceitação do recurso acontece em meio ao aumento dos questionamentos sobre a atuação dos procuradores da Operação Lava Jato e do ex-juiz federal Sergio Moro em razão das mensagens obtidas pela Operação Spoofing e dos diálogos da Vaza Jato.

 

No Dia Internacional da Mulher, homenageamos Lélia Gonzáles. Ela foi professora universitária, feminista negra, antropóloga e intelectual. Cunhou o termo pretuguês para afirmar a cultura brasileira como uma cultura negra por excelência, destacando a influência africana no idioma do país.

Foi co-fundadora do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras do Rio de Janeiro (IPCN-RJ), do Movimento Negro Unificado (MNU) e do Olodum. Faleceu em 10 de julho de 1994, aos 59 anos.

Neste 8 de março, a família de ativista lançou o acervo digital ‘Lélia Gonzalez Vive’. Na plataforma, estão disponíveis entrevistas, palestras e obras produzidas por ela. Além disso, a iniciativa conta com o depoimento de familiares, pesquisadores e outras personalidades que admiram a sua luta antirracista dentro e fora da academia. #21dias

 

Governo deve autorizar, pela segunda vez, patrões a adiarem o pagamento do FGTS. Medida aplicada no ano passado atendeu 800 mil empresas

Matéria retirada do site da CUT. 

Com o agravamento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), que impacta ainda mais a capenga economia do país, o governo está estudando mais um pacote de medidas para ajudar os empresários. O ministério da Economia quer reeditar a isenção temporária do pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), por um período de três a quatro meses. A medida que foi adotada durante três meses no ano passado, deverá ser anunciada oficialmente nesta semana.

direito ao depósito de 8% do salário na conta individual do trabalhador e da trabalhadora no FGTS não muda. Pela proposta que está sendo formatada, após os meses de suspensão, os empresários deverão voltar a fazer os depósitos mensais e os que deixaram de fazer. Os depósitos dos quatro meses de inseção poderão ser parcelados sem multas e encargos. 

Em caso de demissão, o trabalhador receberá o valor referente ao FGTS sem desconto algum, incluindo as parcelas suspensas temporariamente. 

No ano passado, 800 mil empresas foram beneficiadas a um custo de R$ 10,7 bilhões. Desde total, R$ 9,7 bilhões já voltaram ao caixa do FGTS – o valor representa 91% das parcelas pagas.

“O FGTS arrecadou mensalmente em 2020, em média, R$ 11 bilhões. Ou seja, o adiamento do pagamento foi menor do que a arrecadação mensal. Por isso, o impacto desta medida não foi grande no caixa do Fundo”, diz o economista do Departamento Intersindical e Estatística e de Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clóvis Scherer.

O economista não acredita que esta medida tenha um grande impacto nas contas das empresas. Segundo ele, “tem muitos setores que já voltaram, se não em pleno funcionamento, em patamares melhores do que o ano passado e como o empresário sabe que terá de pagar a conta mais adiante é melhor não ficar adiando a dívida”.  

Quem tem direito ao FGTS

Tem direito ao FGTS todo trabalhador da iniciativa privada com carteira assinada. Em 2020 eram 30,625 milhões de brasileiros com contratos em CLT, segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNDA Contínua) do IBGE.

O auge de trabalhadores com carteira assinada foi em 2014, durante o governo da presidenta Dilma Rousseff, do PT, quando o país registrou um total de 36,450 milhões de trabalhadores formais. Em apenas seis anos, o número de trabalhadores com carteira assinada caiu mais de 6 milhões – acima da média de 1 milhão ao ano. Na contramão, no mesmo período, a força de trabalho (pessoas em idade de trabalhar)  aumentou em 13 milhões, passando de 161 milhões para 174 milhões.

Leia Mais no site da CUT Nacional: : Um dos direitos mais sonegados pelos patrões é o FGTS, segundo balanço do TST

*Edição: Marize Muniz

 

 

 

 

Por Karen Luise, do Justificando

Mary Aguiar foi a primeira juíza negra do nossos país!

Nasceu na Bahia, no ano de 1925, filha de um taxista e de uma dona de casa. Em 1962 tomou posse no cargo de Juíza de Direito naquele Estado, na Comarca Remanso. Jurisdicionou até 1995, ano em que se aposentou aos 70 anos de idade.

Semana passada acordamos com a notícia de que ela se foi, aos 95 anos.

Eu somente soube de sua história faz muito pouco tempo. Queria ter falado a respeito de sua vida antes. Não foram poucas as vezes que abri meu computador e digitei algumas frases tentando dimensionar a proeza por ela operada. Ficava imaginando como teria sido o caminho percorrido para o ingresso na carreira, as situações pelas quais passou. Onde estudou? Quem eram seus familiares? Por que não se tornou desembargadora? Enfim, pensava sobre a invisibilização de sua história e sobre o tamanho do desafio que não apenas o Poder Judiciário, mas todo o Sistema de Justiça possui diante das realidades vividas por mulheres negras em nosso país: o da sua inclusão em todos os espaços e o da melhoria de suas condições de vida.

O Sistema de Justiça, aqui entendido como a Segurança Pública, o Ministério Público, a Advocacia e o Poder Judiciário foi, e é, direta e indiretamente implicado nesse estado de coisas, pois na mesma medida em que sustentou a escravidão, opera de modo a manter as desigualdades presentes, o que somente poderá ser revertido mediante um agir interseccional.

No que diz respeito a inclusão, para que se tenha uma ideia, comparativamente, apenas na década de 70 magistratura do Rio Grande do Sul deixou de ser composta unicamente por homens. As mulheres negras chegaram na carreira bem depois, nos anos 80, e talvez hoje não atinjam o número de dez dentre as que se encontram na ativa e aposentadas.

Passados quase 50 anos do ingresso de Mary Aguiar no Poder Judiciário brasileiro, os números demonstram que pouco se avançou.

Conclusões da Plataforma Justa , que examinou dados do IBGE em conjunto com as pesquisas do Conselho Nacional de Justiça, indicam que a população brasileira é composta por 25,5% de mulheres negras. Contudo, para cada juíza negra há 7,4 juízes brancos. Esta diferença ainda é maior quando se analisa a quantidade de magistrados no segundo grau de jurisdição, pois para cada desembargadora negra há 33,5 desembargadores brancos.

Analisando esses dados foi possível afirmar que homens brancos possuem 8,2 vezes mais chances que mulheres negras de se tornarem juízes. Na carreira, juízes brancos possuem 4,6 mais chances que mulheres negras de se tornarem desembargadores.

Pois bem, a pergunta que fica é: o que faz uma mulher negra não conseguir ocupar os cargos dentro da magistratura e dentro do Sistema de Justiça como um todo no Brasil?

Essa é uma provocação que exige uma resposta complexa, pois há diversos fatores envolvidos. Contudo, nada é possível de ser dito sem que se coloque em discussão o fator raça, que reflete diretamente no lugar social ocupado por mulheres negras na nossa sociedade.

Romper o ciclo do trabalho doméstico é um dos grandes desafios. Mulheres negras saíram da condição de escravidão, onde trabalhavam nas lavouras, na casa grande e como ganhadeiras, para recolocarem-se como cozinheiras, lavadeiras, auxiliares de serviços gerais em sua grande maioria. Não deixaram, portanto, de realizar serviços domésticos que até os dias de hoje sequer são remunerados, usufruindo de poucos direitos sociais. A resistência à aprovação da PEC das domésticas apenas em 2012 é um dos maiores exemplos disso (o emprego doméstico sempre foi exercido notoriamente por mulheres negras, assim entendidas como sujeitos de direitos de segunda categoria.).

Com suas vidas à margem da sociedade, percebe-se que a elas sequer é dado o direito de sonhar e pensar em outras possibilidades existenciais.

Não bastasse isso, é sabido que os senhores exerciam seu poder sobre as escravizadas, explorando sexualmente seus corpos, cultura que não foi rompida com a Lei Áurea.

Essa é uma das circunstâncias que pode explicar os números alarmantes quando se trata de feminicídios de mulheres negras. Assim também quando se problematiza a efetividade da Lei Maria da Penha com relação a esse grupo racial.

Segundo o Atlas da Violência de 2020 (IPEA) entre os anos de 2008 e 2018 a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, embora o percentual de mulheres negras assassinadas tenha aumentado em 12,4%. Ainda de acordo com a pesquisa, 68% das mulheres assassinadas em 2018 no Brasil eram negras. Enquanto entre as mulheres não negras a taxa de mortalidade por homicídios no último ano foi de 2,8 por 100 mil, entre as negras a taxa chegou a 5,2 por 100 mil, praticamente o dobro.

Todos esses dados revelam que aplicação do princípio da igualdade de modo universal não é suficiente, impondo-se ao Sistema de Justiça um novo olhar para a mulher negra, como sujeito de direitos, construindo estratégias para eliminar discriminações e desigualdades que se perpetuam ao longo dos tempos.

Por outro lado, necessário pensar sobre como mulheres negras estão em constante contato com o Sistema de Justiça, em razão de outra realidade que repercute diretamente em suas vidas. A juventude negra, maior vítima de assassinatos em nosso país, deixa mães, mulheres, irmãs, todas desassistidas e à mercê de um Estado que, de um modo geral, ainda é pouco dedicado à proteção das vítimas e seus familiares.

Compreender como o racismo estrutural e institucional manifestam-se em que práticas dos operadores do direito torna-se fundamental. Dar voz a mulheres que necessitam desses serviços, não apenas como vítimas diretas, mas também por acompanhar filhos, irmãos, esposos, companheiros, pais, réus e vítimas em diferentes circunstâncias, entendendo como são recebidas e tratadas, de que informações carecem, como são ouvidas e qual atenção lhes é dispensada tornam-se elementos imprescindíveis para um agir que pretenda convergir ideais de igualdade e justiça.

Mesmo estando constantemente nesses ambientes, mulheres negras estão totalmente invisibilizadas nas políticas de gestão e governança, não são aplicados protocolos de atendimento, tratamento e encaminhamento que lhes possibilitem a devida atenção. Portanto, abrir-lhes espaço é imprescindível para aperfeiçoamento e eliminação do racismo em uma perspectiva de proteção do cidadão diante do Estado, sendo também relevante a análise da situação daquelas que não são partes nos processos, mas definitivamente são usuárias dos serviços prestados.

De tudo isso conclui-se que não basta a inclusão de mulheres. Do mesmo modo, não basta a proteção de mulheres. O importante é voltarmos o olhar para aquelas que se encontram em maior condição de vulnerabilidade. Como refere Joaquim Herrera Flores, “A força de nomear as coisas, pode modificar a maneira de vê-las.” Marcar a raça, portanto, é imprescindível nesse processo.

Nisso consiste o duplo desafio do Sistema de Justiça: incluir Mulheres Negras nos espaços, e acima de tudo protegê-las, criando-se um círculo virtuoso capaz de transpor o quadro absurdo de desigualdades.

Com Mary Aguiar fica o exemplo de insubmissão e a inspiração para as meninas e mulheres negras – nutrir anseios e ambições que as afastem dos lugares sociais trazidos da escravidão é um desafio constante. Transformá-los em realidade é algo maior ainda.

Mary Aguiar não foi apenas uma pioneira. Foi destemida, pois resistiu em um lugar que não foi forjado para mulheres como ela, materializando na sua existência e no exercício da profissão a transmutação da mulher preta na condição de escravizada para a de cidadã, mesmo que a sociedade insista em não a reconhecer como tal.

*Karen Luise é Juíza de Direito na 1ª Vara do Júri de Porto Alegre/RS, Membra da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, do Instituto de Acesso à Justiça, da Associação dos Juízes para a Democracia, do Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, formadora da Enfam.

Karen Luise (Foto: Arquivo Pessoal)

 

 

Enfermeira, auxiliares e técnicas de enfermagem se desdobram em jornadas triplas para derrotar o vírus

Matéria retirada do site Brasil de Fato. 

 

“Ninguém sabia de nada, era tudo novo. Confesso que me desesperei. Tentei lidar, de todas as formas, com o medo, para continuar trabalhando”.

O relato da técnica de enfermagem Márcia de Assis, de 55 anos, retrata um sentimento compartilhado por milhares de profissionais de saúde que, de um dia para o outro, tornaram-se peças principais no combate a um vírus letal e, até então, desconhecido.

Cuidar de pacientes infectados por uma doença respiratória para a qual não havia protocolos criados, ministrar medicamentos em meio a um mar de incertezas, enfrentar colapsos do sistema de saúde, uma sobrecarga de trabalho com risco iminente de contaminação e notificar familiares sobre óbitos com uma frequência inédita.

Essa é a rotina vivida há mais de um ano pela tão citada linha de frente do combate ao coronavírus. Mas, ainda que a frase tenha sido muito falada e ouvida, não deixa claro um marcador social importante: a maioria dos profissionais que estão em contato direto com os pacientes da covid-19 são do gênero feminino.

A maior categoria da área da saúde, a enfermagem, é composta por 85% de mulheres. Os dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) mostram que são elas, as enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem, principalmente, que protagonizam o enfrentamento ao vírus cara a cara.

“A maioria dos nossos pacientes estão intubados. Damos banho, controle de 2h em 2h, medicação o tempo todo, mudança de decúbito porque ficam acamados. Esse contato que temos com o paciente é direto, nas 12 horas de trabalho”, conta Márcia de Assis, técnica de enfermagem da UTI-Covid do Hospital das Clínicas da Unicamp.

“É uma sobrecarga absurda. Para entrar em um quarto, tem que se paramentar inteirinha como astronauta”, completa.

Para poder entrar em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), ela leva de cinco a dez minutos com os preparativos de segurança.

“Se você sair do quarto e uma bomba ou outro aparelho apitar, tem que paramentar inteirinha de novo. Não estávamos acostumados com toda aquela paramentação, com a máscara N95 que é difícil de respirar. É realmente muito desgastante, fisicamente e emocionalmente”.

O sufoco vivido no início da pandemia se apaziguou conforme mais informações sobre o vírus chegaram e consolidaram protocolos de prevenção e atendimento.

São muitas mulheres que enfrentam o medo, deixam os filhos, a família em casa, e cuidam de pacientes, de pessoas que elas nem conhecem.

(Márcia de Assis)

Mãe de uma criança excepcional, Assis afirma que seu principal medo, sentido também pelas outras profissionais, é o de levar a covid-19 para dentro de casa e contaminar familiares. Um contexto que nunca havia imaginado enfrentar ao longo de seus 27 anos na profissão.

Se desdobrando para atender todas as demandas, em nível profissional e pessoal, ela explica que a solidariedade é essencial neste momento de crise sanitária.

“São muitas mulheres que enfrentam o medo, deixam os filhos, a família em casa, e cuidam de pacientes, de pessoas que elas nem conhecem”, conta.

“O que o vírus me ensinou foi proteger também o meu colega de trabalho porque se eu não protegesse, poderia contaminar a mim e a minha família. O cuidar do outro é muito importante”.


“São muitas mulheres que enfrentam o medo, deixam os filhos, a família em casa, e cuidam de pacientes, de pessoas que elas nem conhecem”, diz Márcia / Foto: Arquivo Pessoal

A pandemia do novo coronavírus também marcou a trajetória de Mônica Calazans, a primeira pessoa vacinada contra a covid-19 no Brasil.

Enfermeira do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, ela recebeu a Coronavac, produzida pelo Instituto Butatan, em 17 de janeiro, assim que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o uso emergencial do imunizante.

Mulher, negra, diabética e hipertensa, a enfermeira com décadas de atuação se tornou manchete dos principais jornais do país ao pedir que a população não tivesse medo de receber a vacina e confiasse na ciência.

“Me sinto extremamente orgulhosa porque minha categoria foi reconhecida. É uma representatividade, mas o mais importante é que sou brasileira, luto pela ciência e queria muito que isso [a pandemia] acabasse. Essa é a representatividade que fala mais alto nesse momento”, declara Mônica, de 54 anos.


Monica Calazans (54), enfermeira do hospital Emílio Ribas, em São Paulo é a primeira cidadã brasileira vacinada pela Coronavac / Nelson Almeida (AFP)

A profissional exalta a batalha das mulheres da enfermagem. Muitas, assim como ela, que também trabalha na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Mateus, conciliam dois empregos e ainda lidam com as tarefas domésticas.

“É uma correria. Doze horas de plantão nos dois lugares. Na linha de frente, a mulherada toca o terror, trabalhamos incessantemente”, diz a enfermeira.

“Estamos nos desdobrando. A maioria tem dois empregos. Não é nem jornada dupla, é jornada tripla. Além dos dois empregos, tem a casa, marido, filho, cuida dos pais”.

Na linha de frente, a mulherada toca o terror, trabalhamos incessantemente.

(Mônica Calazans)

Calazans afirma que a pandemia também lhe reforçou ensinamentos e explicitou como a humanização do atendimento é essencial em meio à pandemia.

“A humanização, a solidariedade e o acolhimento. O paciente quando te procura com sintoma de covid ou com covid positivo, vem buscar apoio. O acolhimento. E é isso que temos que dar. Essa humanização ficou mais aguçada em mim.”

Alvo da contaminação

Os profissionais de saúde estão no grupo prioritário para a imunização contra a covid-19, justamente por serem trabalhadores essencias e atuarem em ambientes de alto risco.

De acordo com o boletim epidemiológico nº44, publicado pelo Ministério da Saúde no fim de 2020, da primeira à última semana epidemiológica da pandemia no ano passado, 442.285 casos de síndrome gripal por covid-19 foram confirmados entre os profissionais de saúde.

Cerca de 148 mil dessas infecções se deram entre e técnicos e auxiliares de enfermagem, 33,5% do total.

Mais de 67 mil enfermeiros foram contaminados (15,2%) e 48 mil diagnósticos positivos entre médicos foram registrados (11%).

Cerca de 22 mil agentes comunitários de saúde também testaram positivo (5,1%) e mais de 17 mil recepcionistas de unidades de saúde foram infectados.

As técnicas e auxiliares de enfermagem também são maioria entre os pacientes que desenvolveram a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).

A categoria se destaca, novamente, como a mais vitimada pelo vírus entre os 452 óbitos registrados entre os profissionais de saúde até a última semana do ano passado, correspondendo a 33,3% das mortes.

Mais da metade (53,8%) dos profissionais de saúde que faleceram em decorrência da doença respiratória, considerando todas as categorias, eram do gênero feminino.

Diante da subnotificação dos casos de infecção do vírus em toda a população, o Cofen passou a receber e sistematizar as notificações de óbitos e contaminações, disponibilizando os dados no Observatório da Enfermagem.

As informações do Conselho apontam para 49.075 casos reportados apenas entre profissionais da categoria e um total de 648 óbitos.

Vale destacar que a notificação ao Cofen não é obrigatória, ou seja, é possível que o número seja ainda maior.

Dados: Conselho Federal de Enfermagem

Dessas 648 vítimas fatais, 434 eram mulheres, 66,9% do total. Entre as infecções, elas correspondem a 85% dos casos.

São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro são as unidades da federação onde os profissionais da enfermagem mais adoeceram, conforme monitoramento do Cofen.

Precarização

Alguns elementos justificam o fato das auxiliares e técnicas de enfermagem serem as mais infectadas pela covid.

Elas são maioria em número e também ocupam os postos mais precarizados, com remuneração mais baixa.

Somado a esses fatores, há ainda a defasagem na disponibilização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), algo que se deu de forma ampla no início da pandemia, expondo tais trabalhadoras ainda mais.

Segundo Alva Helena de Almeida, enfermeira aposentada, mestre em Saúde Pública e doutora em Ciências, o coronavírus evidenciou uma precarização crônica que vitima os profissionais da enfermagem.

Isso porque os serviços de saúde operam com o quadro da enfermagem subdimensionado, com uma “sobrecarga naturalizada”. Ela explica ainda que o setor de saúde vem mostrando uma feminilização da força de trabalho nas últimas décadas.

Dados: Conselho Federal de Enfermagem

“São mulheres na recepção, nos laboratórios, nos agentes de raio-x, agentes comunitárias de saúde, enfermagem, maioria absoluta de mulheres. A estrutura de ocupação dos serviços de saúde se apoia em uma certa lógica de exploração da força de trabalho feminina”, detalha Almeida.

“Se não fosse o salário insuficiente, a maioria absoluta das mulheres não seria levada a  buscar o segundo vínculo. Se as condições não fossem tão ruins, não chegaríamos a esse número de afastamento, adoecimento e mortes dessas profissionais”, ressalta.

“Veja que nesse processo da pandemia, pouca coisa mudou. Poucos são os locais, municípios, que estão contratando enfermeiras. O quadro já era deficitário, é um momento sofrido, marca muito”.

Racismo estrutural

Pesquisa realizada pelo Cofen em 2017 trouxe à tona a urgência do recorte racial quando se trata da análise de condições do trabalho na enfermagem.

Entre mais de 1,8 milhão de profissionais consultados, cerca de 53% do total de profissionais eram negros.

Quando o quantitativo é confrontado também com a raça e escolaridade, encontra-se o seguinte cenário: 57,4% são trabalhadoras negras de nível médio, ou seja, que atuam como auxiliar ou técnica de enfermagem, sob o comando de 57,9% de enfermeiras brancas, com ensino superior.

Logo, se a maior parte das infecções pela covid-19 se dá entre os cargos de nível médio, são as mulheres negras, novamente, as mais atingidas.

“Temos uma divisão hierárquica, de classe, de raça e de funções dentro da área da enfermagem. Essa racialização se mantém há quase 100 anos”, critica Almeida, também integrante da Articulação Nacional de Enfermagem Negra (Anem).

A especialista explica que, antes do processo de profissionalização da enfermagem, o cuidado à saúde era desenvolvido exclusivamente por mulheres negras, escravizadas e indígenas.

Depois, quando foi criada a graduação no início do século, essas mulheres não tiveram acesso à educação, ficando à margem da profissão da qual foram pioneiras. Uma estratificação que se reverbera até os dias atuais.


Alva Helena enquanto ainda estava na ativa; A enfermeira aposentada é integrante da Articulação Nacional de Enfermagem Negra (Anem) / Foto: Arquivo Pessoal

“Estamos falando de uma parcela de mulheres que mora na periferia, que usa o transporte público, que está em territórios com mais precariedade em termos de serviço de saúde. O baixo salário no setor da saúde é um desrespeito”, destaca.

“Precisamos mexer, transformar, mudar. Esse é o momento. Seja pela dor ou pelos aplausos, o valor da nossa atuação profissional deve ser reconhecido”.

“Do acolhimento ao cuidado do corpo pós morte, tudo que você imaginar, passa pelas mãos da enfermagem. Não existe atenção à saúde sem enfermagem”, completa, enfaticamente.

Nos hospitais e nas ruas

O gênero feminino não se faz presente no combate ao coronavírus somente nos corredores das unidades de saúde. Mesmo com a proliferação do vírus, milhares de agentes comunitárias continuaram indo para as ruas auxiliar a população.

O nosso trabalho é essencial nesse momento. O acompanhamento dessas mulheres nos territórios vai para além da ação enquanto educadora e profissional de saúde.

(Ana Regina Barbosa)

É o caso de Ana Regina Barbosa, que atua como agente de promoção e prevenção da saúde nos bairros da periferia de Fortaleza.

Ana acompanhava grupos com comorbidades crônicas antes mesmo da pandemia. Agora, as visitas são feitas com 1,5 metro de distância do portão da casa dos pacientes.

Mas, ainda que haja restrições, ela sabe da importância de manter esse contato próximo, conversar e dar orientações de prevenção para populações carentes.

“O nosso trabalho é essencial nesse momento. O acompanhamento dessas mulheres nos territórios vai para além da ação enquanto educadora e profissional de saúde”, exemplifica Barbosa.

“No território, encontramos mulheres em situação de violência, por exemplo. Então, tenho papel também de orientar, dizer a ela onde buscar ajuda agora na pandemia”.

“É um trabalho que dá dignidade para pessoas que vivem em situação muito difícil socioeconomicamente. Meu papel, enquanto profissional, ele é fundamental. É isso que me motiva”.


“O nosso trabalho é essencial nesse momento”, diz Ana Regina / Foto: Arquivo Pessoal

Temos que continuar tendo fé, esperança, que essa avalanche vai passar. Sei que nossas companheiras estão cansadas, mas não vamos abandonar o barco.

(Mônica Calazans)

Reconhecimento

Nas últimas semanas, o Brasil superou recordes consecutivos de números de óbitos diários e de novos casos, chegando ao pior momento da pandemia. Um contexto em que o trabalho das profissionais de saúde se faz ainda mais imprescindível, assim como o reconhecimento ao seu trabalho e dedicação.

“Quando os pacientes saem de alta, as famílias fazem cartas, levam bombom. Mas o importante pra mim é o paciente sair e ficar bem em casa. De uma forma, ou de outra, estou sendo agraciada”, ressalta Mônica Calazans.

Ela considera que é o amor à profissão que fortalece as profissionais nesse momento, assim como os bons resultados do trabalho bem feito.  “Só de eu saber, quando chego no plantão, que o paciente foi embora, dou graças a Deus. Isso é a melhor resposta que eu tenho, de todo o trabalho e de todo o empenho durante a pandemia”.

A enfermeira deixa ainda um recado de esperança para as demais profissionais, ainda que os tempos sejam difíceis:

“Temos que continuar tendo fé, esperança, que essa avalanche vai passar. Sei que nossas companheiras estão cansadas, mas não vamos abandonar o barco. Tudo isso vai passar uma hora”, finaliza Calazans.

 

 

As trabalhadoras foram as que mais sofreram com a precarização e a deterioração do mercado de trabalho em 2020, ano marcado pela retirada de direitos e pela pandemia. A informação foi divulgada pelo Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômica (Dieese), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad/IBGE).

Parcela expressiva de mulheres perdeu sua ocupação no período da pandemia e muitas nem buscaram uma nova inserção no. Entre o 3º trimestre de 2019 e 2020, o contingente de mulheres fora da força de trabalho aumentou 8,6 milhões, a ocupação feminina diminuiu 5,7 milhões e mais 504 mil mulheres passaram a ser desempregadas, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNADC).

A taxa de desemprego das mulheres negras e não negras cresceu 3,2 e 2,9 pontos percentuais, respectivamente, sendo que a das mulheres negras atingiu a alarmante taxa de 19,8%.

As trabalhadoras domésticas sentiram o forte efeito da pandemia em suas ocupações, uma vez que 1,6 milhões mulheres perderam seus trabalhos, sendo que 400 mil tinham carteira assinada e 1,2 milhões não tinham vínculo formal de trabalho.

Já o contingente de trabalhadoras informais, exceto das do emprego doméstico, passou de 13,5 milhões para 10,5 milhões, indicando outro grupo expressivo que perdeu o trabalho e a renda.

Os resultados para este contingente de mulheres negras e mais pobres refletiram um agravamento da situação de pobreza e de exclusão social. E, para muitas, foi necessário sair de casa para
buscar uma inserção, ou seja, escolher entre algum trabalho e renda ou a proteção de sua vida e da família.

Para o grupo de mulheres, com maior escolaridade, que foram realizar seu trabalho em casa, entre 2019 e 2020, o rendimento médio por hora aumentou: entre as negras passou de R$ 10,95 para R$ 11,55 e entre as não negras, de R$ 18,15 para R$ 20,79. Essa elevação se deu principalmente por efeito estatístico, quando da saída de mulheres com menores rendimentos do mercado de trabalho e a permanência daquelas com maiores salários. No entanto, a conciliação dos cuidados com os filhos fora da escola; a preocupação com os idosos sob sua responsabilidade; os afazeres domésticos e as longas jornadas tenderam a agravar problemas de saúde física e mental dessas mulheres.

Essa crise sanitária, econômica e social reforçou a distância salarial entre homens e mulheres, em 2020, elas seguiram ganhando menos, mesmo quando ocupavam cargos de gerência ou direção, para elas a hora paga foi de R$ 32,35 e para eles, de R$ 45,83 ou com a mesma escolaridade: elas ganhavam em média R$ 3.910 e eles, R$ 4.910.

Para a juventude feminina, este cenário de pandemia trouxe a desilusão em relação ao futuro e em muitos casos, o abandono dos estudos e da qualificação. Os efeitos para o país foram desastrosos e se essa situação permanecer em 2021, o desenvolvimento futuro do país estará seriamente comprometido.

Taxa de desocupação das mulheres no Brasil, entre o 3º trimestre de 2019 e de 2020: 13,9 (2019) e 16,8 (2020)

 

Na próxima quarta-feira, dia 10 de março, às 15h, o Sintufrj e o Sindicato dos Servidores do Judiciário Federal do Rio de Janeiro (Sisejufe) realizarão, em parceria, o debate “OS DIREITOS DAS MULHERES – História e Luta Feminista no Brasil”.

A atividade marca o mês das mulheres e a luta das mulheres trabalhadoras. O debate será coordenado por Maria Angélica Silva, assistente social e coordenadora do Sintufrj, e Lucena Pacheco Marins, diretora do Sisejufe-RJ e coordenadora de comunicação da Fenajufe, e contará com a presença da historiadora Glaucia Fraccaro, professora e pesquisadora da Universidade Estadual de Santa Catarina e autora de livros e artigos sobre feminismo, trabalho e história do movimento sindical. A transmissão ao vivo ocorrerá simultaneamente nas redes sociais das duas entidades.

 

 

A partir de hoje e nos próximos dias do mês de março, o Sintufrj divulgará vídeos com depoimentos de trabalhadoras (a maioria da UFRJ) que falam sobre a sua experiência de sobrecarga de jornada durante a pandemia, e também manifestam sua solidariedade a todas as mulheres que compartilham dessa realidade.  

 

 

 

As mulheres e os movimentos sociais fora às ruas em defesa da vida, contra o governo da morte, neste domingo, 7 de março,