Jornadas estafantes nas secretarias acadêmicas

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A universidade não é feita só de salas de aulas; é um organismo pulsante de produção de conhecimento em todas as áreas. E para que isso se dê com eficiência e qualidade, os três segmentos têm que atuar juntos e afinados. Mas, em várias situações, os servidores técnico-administrativos sozinhos são imprescindíveis.     

Durante a pandemia da Covid-19, um setor da UFRJ tem mostrado como seus trabalhadores são essenciais para o funcionamento da estrutura acadêmica da instituição: as secretarias acadêmicas. A casa desses servidores se transformou numa verdadeira loucura, mas as tarefas estão em dia.

Coração e pulmão  

As secretarias acadêmicas são o coração e o pulmão do cotidiano universitário alunos e docentes. Nelas, os servidores técnico-administrativos elaboram e fornecem toda documentação relativa às atividades acadêmicas, e zelam pelos arquivos dos milhares de alunos da UFRJ, atuais e ex.  

O primeiro contato com a instituição dos que chegam para iniciar seu primeiro semestre é pela secretaria acadêmica, onde fazem a  inscrição em disciplinas. Daí para frente, os servidores técnico-administrativos estabelecem uma relação de colaboração com os alunos no decorrer do curso. São eles que preparam e entregam declarações solicitadas, históricos, realizam trancamento e destrancamento de matrículas, fazem alteração de grau e frequência, atendem a solicitações de exclusão de disciplina, entre outras demandas dos estudantes. 

Voz da experiência

Por muitos anos, a dirigente do Sintufrj, Damires França, atuou na secretaria acadêmica do curso de Ciências Sociais, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), onde atualmente exerce a função de coordenadora técnica – as atividades são interligadas –, e ela fala sobre a rotina de trabalho do setor:   

“Na secretaria acadêmica a gente faz todo atendimento ao público: informa sobre o calendário acadêmico, prazos, faz trancamento e destrancamento de matrícula, inscrição de calouros, regularização de inscrições, colação de grau. Agora, durante a pandemia, as demandas chegam por e-mail, cerca de 40 por dia, que têm que ser respondidos. É muito trabalho. São quase 800 alunos dos cursos de bacharelado e licenciatura de Ciências Sociais”. 

Sobrecarga insuportável

O sistema home office adotado pela UFRJ por conta da pandemia, aumenta a sobrecarga de trabalho para o servidor técnico-administrativo, acrescenta Damires:

 “Fica uma loucura. Ao mesmo tempo em que estou no Siga (o sistema integrado de gestão acadêmica) estou fazendo almoço. Meu marido adoeceu e fiquei sozinha para cuidar de todos da casa, inclusive de uma idosa com Alzheimer. A minha sorte é que sou difícil de adoecer. Mas, no início da pandemia fiquei mal, porque a demanda era muita”. 

Outro problema enfrentado por Damires foi ter que dividir o computador com a filha de 17 anos, que se preparava para con1qusitar uma vaga na universidade, e o marido, em ensino remoto. A solução foi comprar um tablete para ela. 

Segundo a técnica-administrativa, “só não foi pior porque os coordenadores dos cursos também são super atuantes e os técnicos-administrativos da secretaria acadêmica conseguiram sobreviver ao período letivo especial (que a UFRJ adotou no início da pandemia) e ao primeiro período de 2020. Depois as coisas começaram a entrar no ritmo. Os alunos começaram a ficar mais independentes e hoje já consigo respirar um pouco mais. Mas foi uma luta”, disse.

Reivindicação da bancada

Por reivindicação da bancada técnico-administrativa no Conselho de Ensino de Graduação (CEG), foi ampliado de 15 dias para quatro semanas o intervalo entre os períodos. “Isso já dá um fôlego”, afirmou a servidora, acrescentando que “ainda tem a dor de cabeça diária pela exposição à tela por várias horas. Está complicado”, concluiu. 

“Falta valorização ao trabalho que realizamos”

Para Roberta Alfradique, da Coordenação da Direção Adjunta de Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs), o trabalho das secretarias acadêmicas nunca foi levado muito em conta diante da importância que tem. 

“No IFCS não é muito diferente. A gente continua com falta de funcionários (alguns se aposentaram e não foram substituídos) e agora com a implantação do SEI (Sistema Eletrônico de Informação, para gestão de processos e documentos eletrônicos), a secretaria acadêmica acabou assumindo determinadas tarefas que antes não era de sua competência, como dispensa de disciplina ou cancelamento de matrícula, entre outras demandas, e fica super sobrecarregada”, contou Roberta. 

Se por um lado o SEI agilizou o andamento da gestão de processos, por outro, segundo a servidora, aumentou ainda mais o trabalho por conta dos novos procedimentos introduzidos para a abertura de processos. Além disso, o sistema meio remoto aumentou o trabalho: “uma questão que se resolveria rapidamente pessoalmente na secretaria agora, por e-mail, demanda explicações detalhadas por escrito para não gerar dívidas”, observou Roberta. 

Sem noção de hora 

“A vida pessoal está uma loucura e é até difícil de equilibrar. Trabalhar de casa deixou a rotina louca. Tem dias que começo a trabalhar às 11horas da manhã e vou até às 11 horas da noite, porque uma coisa leva a outra, como uma resposta a um e-mail. E nos últimos dias, com o período de trancamento de matrículas e para pedidos de bolsa de monitoria, estou ficando direto”, garantiu a técnica-administrativa.  

“Praticamente tudo passa pela secretaria acadêmica: ela lida com os alunos, cuida da vida dos alunos. É totalmente essencial e totalmente desvalorizada. A gente meio que é a biografia do aluno na universidade. Por isso o trabalho que realizamos tem que ser mais valorizado. Alguma coisa tem que ser feita nesse sentido. Vai ser bom para todo mundo, inclusive para o público externo que precisa da universidade. O trabalho vai ficar mais bem feito”,  garantiu Roberta.

A espera de ascender na carreira 

Monica Teixeira Vairo, da secretaria acadêmica do Instituto de Psicologia, se ressente pela falta de perspectiva do servidor técnico-administrativo de ascender na carreira. “Considero também que tem sido muito injusta a forma de trabalho remoto adotada pela universidade, porque não recebemos nenhum ajuda de custo pelo uso da nossa luz, nosso papel. E ainda tivemos que  comprar equipamento para realizar o trabalho com qualidade”, pontuou a servidora técnica-administrativa.

Mônica teve que comprar uma impressora com scanner para realizar o seu trabalho em casa com eficiência. Ela também queixou-se do aumento da demanda do seu fazer, em consequência da escassez de servidores, maioria afastada por licença médica. 

“O curso de Psicologia é integral, tem cerca de mil alunos e tenho que administrar grades de horários nesse universo tão amplo e com particularidades. O início de semestre é sempre bem complicado para quem trabalha em secretaria acadêmica”, explicou a servidora.

Vida pessoas versus vida profissional 

 “Tudo se mistura: eu trabalho, paro e faço o almoço, volto para o trabalho; paro, dou atenção à minha filha e volto para o trabalho. Assim a gente vai lidando com as demandas de casa e do trabalho. A jornada, que era dupla, virou uma jornada contínua, que não acaba nunca”, constatou Mônica.

Ela conclui seu depomento, afirmando com desalento: “Acho que o técnico-administrativo não tem visibilidade na universidade. Servimos para apagar incêndios. Há uma desvalorização total do nosso plano de carreira e também ao reconhecimento do trabalho que realizamos por parte da comunidade acadêmica”.

 

 

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