Kabengele Munanga será homenageado pela UFRJ com o título de Doutor Honoris Causa

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Sessão solene do Conselho Universitário da UFRJ (Consuni) nesta terça-feira, 25, homenageará com a concessão do título de Doutor Honoris Causa, o antropólogo e professor brasileiro-congolês, Kabengele Munanga pela sua luta contra o racismo e as desigualdades sociais no país.  

Kabengele Munanga é um renomado intelectual e ativista. Ele é graduado pela Université Oficielle du Congo e doutor em Antropologia pela Universidade de São Paulo, autor de dezenas de artigos e livros, cujo foco são os temas identidades, raça, etnia e racismo, cidadania e políticas públicas. 

A sessão será realizada às 15h e transmitida pelo canal WebTVUFRJ, no Youtube. 

“Um pé na academia e outro na realidade social”

“Escolhi a linha de pensamento e a área das relações raciais e interétnica e, juntamente, a questão do negro. Como pesquisador, os resultados de minhas pesquisas deveriam contribuir na formação dos outros. Nesse sentido, muitos jovens, brancos e negros entraram na universidade e me procuraram como orientador. Muitos frequentaram minha disciplina Teoria sobre Racismo e Discurso Antirracista. Foi toda uma escola, uma visão diferente de quem está na academia mas que tem uma visão diferenciada, porque eu estava sempre com um pé na academia e outro na realidade social para aprender com as próprias vítimas, com o movimento negro. Como eu costumo dizer: o meu trabalho foi uma dança de valsa, um pé na frente, na academia, e o outro atrás, no movimento negro e com as bases sociais. E isso me ajudou a crescer e a corrigir o meu próprio pensamento e os conceitos que vinham da própria academia, a partir das experiências das próprias vítimas e de jovens do movimento negro com quem eu aprendi muito”, definiu sua trajetória Munanga em entrevista à TV USP (Programa Trajetória, 2012).

Apresentação 

Jadir Brito, professor do Núcleo de Políticas Públicas e Direitos Humanos (Nepp-DH) do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) foi quem propôs, com o apoio de outros intelectuais, a homenagem à Kabengele Munanga, e caberá a ele apresentar a trajetória brilhante do brasileiro-congolês. Formado em Direito pela PUC-SP, Brito atua na área de Direito e Políticas Públicas com foco em ações afirmativas. 

Jadir Brito, professor do Núcleo de Políticas Públicas e Direitos Humanos (Nepp-DH)

Inicialmente a outorga do título à Kabengele Munanga foi aprovada pelo NEPP-DH e posteriormente pelo Conselho de Coordenação do CFCH. A homenagem foi aprovada pelo Consuni em 2019, mas a entrega do título foi adiada em virtude da pandemia do novo coronavírus, e agora será feita realizada em cerimônia virtual.

Segundo Jadir, Kagengele Munanga, 980 anjos, é professor titular aposentado da USP, mas até há dois anos, atuou como professor visitante da UFRB, e segue produzindo pesquisas e artigos. 

A motivação para o título é pelo fato de o professor ser um intelectual importante, autor de mais de 150 artigos e clássicos da literatura antirracista, como Negritude, O negro no Brasil Hoje e Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil, entre outros títulos. 

“Ele formou uma geração de novos intelectuais e professores. É um grande ativista em várias causas”, diz Jadir, citando como exemplo suas contribuições para a aprovação da Lei 10.639/03, que obriga a inclusão no currículo do ensino fundamental, médio e superior da disciplina História e Cultura Afro-brasileira, e ao debate sobre a lei de cotas (Lei nº 12.711/12) nas universidades. 

Kabengele Munanga, destaca ainda Jadir, recebeu várias honrarias nos últimos anos, como o Prêmio Direitos Humanos da USP e da Associação Brasileira de Antropologia. É o primeiro professor negro da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP e  realizou pesquisas na Europa, onde seu trabalho é reconhecido em várias universidades.

Dia da África — O professor do Nepp-DH chama atenção também para a data em que o título será concedido, 25 de maio. “É o Dia Internacional da África, que tem um pouco da ideia do atlântico negro, expressão usada pelos movimentos afro-diaspóricos para expressar as pontes afetivas, intelectuais e políticas entre África e Brasil. Claro que o tema tem a ver com o processo do tráfico negreiro, mas hoje é uma ressignificação para se pensar que essas rotas eram de idas e vindas de saberes, conhecimento e lutas políticas”, afirma Brito,  lembrando que, na África, a data tem a ver com o debate do pan-africanismo e da unidade africana.

Atuação nas universidades — Jadir Brito destacou também a importância política de Munanga nas iniciativas antirracistas nas universidades. Por exemplo, no apoio ao Núcleo de Consciência Negra da USP, um dos primeiros coletivos negros criado em uma academia. E na UFRJ, em processos importantes, como a Câmara de Políticas Raciais e a Comissão de Heteroidentificação, que a partir da Lei nº 12.890, de 2014, que trata de cotas no serviço público, e da Lei 12.711, de 2012, das cotas para estudantes, tem sido fundamentais para garantir direitos conquistados com as leis. “Tem a ver com o legado de Kabengele Munanga porque ele lutou pelas ações afirmativas e isso expressa a continuidade desta luta”, aponta Brito.

Outro reflexo do legado de Munanga na UFRJ, segundo Brito, é o empenho de um grupo pela institucionalização do Núcleo de Estudos Afrobrasileiro e Indígenas (Neabi), que vem sendo debatido há 10 anosa na instituição, mas este ano tem ganhado força, que deverá resultar em um projeto a ser encaminhado aos colegiados.

O Sintufrj e a luta antirracista na UF

De acordo com Jadir Brito, a luta antirracista na UFRJ é muito antiga, começou na primeira década dos anos 2000 e o Sintufrj teve papel importante com o GT Antirracista e quando pôs em pauta a luta antirracista na academia.  

“Os técnicos-administrativos têm um protagonismo na luta antirracista na UFRJ e somente depois deles é que alguns tigres solitários docentes pautaram o debate das cotas antes da Lei 12.711 ser aprovada. O que hoje acontece é uma continuação de lutas passadas e envolvem os três segmentos”, avalia o professor e pesquisador.

O desafio à frente, segundo ele, é a manutenção das políticas de ações afirmativas em 2022, quando a Lei 12.711/12 vai ser revista pelo Congresso Nacional e pode não ser renovada. “O que significa dizer que podemos não ter a continuidade das ações afirmativas. Além disso, não há políticas de ações afirmativas possíveis com o sufocamento da universidade. A luta antirracista hoje é também a luta contra o corte de verbas”, concluiu.

 

O antropólogo e professor brasileiro-congolês, Kabengele Munanga. Foto: Marcos Santos / USP Imagens

 

 

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