Reforma administrativa traz a lógica da privatização para o serviço público

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“Os Impactos da Reforma Administrativa nas IFES” foi a live promovida pelo Sint-Ifesgo, com participação do especialista em serviço público e assessor da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, Vladimir Nepomuceno, o presidente do Sint-Ifesgo, Fernando Mota, e o diretor da Adufg Sindicato, Flávio Alves.

Aspectos importantes para as mudanças propostas pela PEC 32/2020 foram destacadas por Vladmir, como o retorno do Future-se com a autorização dos contratos de gestão. O programa Future-se, lançado em 2019 e rejeitado pela esmagadora maioria das universidades federais, propunha que as instituições de ensino buscassem recursos junto à iniciativa privada.

Ele alertou que se a reforma administrativa for aprovada, ainda que com algumas alterações, ela trará na sua essência a privatização direta e indireta nos órgãos e instituições públicas, com a inclusão de organizações sociais, entidades filantrópicas, oscips e empresas, nos órgãos e instituições, criando uma força de trabalho sem estabilidade, com salários mais baixos e sem investimento em sua capacitação.

Vladimir ressaltou que a PEC institui o princípio da subsidiariedade, isto é, cria a obrigação do Estado ceder serviços públicos para serem explorados pela iniciativa privada sempre que o setor privado quiser. Isso atinge, não só os órgãos da administração pública, atinge também as universidades e os institutos federais.

“A subsidiariedade é a subalternização. O Estado fica subalterno à iniciativa privada. É só ouvirmos o que o Paulo Guedes disse sobre a educação pública, as universidades e institutos federais. Ele diz que os governos Lula e Dilma criaram institutos federais demais, abriram campus demais e universidades para não dar lucro nenhum”, observa Vladimir. 

Nesta subsidiariedade o especialista diz que laboratórios de universidades e de institutos como Fiocruz e Vital Brasil, que fazem pesquisas e desenvolvem vacinas para atender as necessidades da sociedade, poderão ser utilizados pela iniciativa privada para desenvolver produtos voltados para a obtenção de lucro.

Mão de obra

Vladmir lembrou sobre o objetivo do governo Bolsonaro de formar mão de obra barata. “Lembro o acordo MEC/USAID (o MEC norte americano) feito na ditadura militar onde dizia que a função do Brasil e dos países periféricos do capitalismo não era formar cabeças pensantes questionadoras. Era formar bons executores de ordens. E o exemplo que Paulo Guedes usou foi o de que ele não quer um arquiteto que estude o ambiente e pense um projeto global. Eles querem no máximo um engenheiro civil para receber o projeto pronto e levantar a obra”.

Pesquisa

O assessor parlamentar cita a implicação da Ciência. “Entra aí a questão da ciência e da pesquisa de um modo geral. A intenção de privatizar não significa em transformar, por exemplo, o Instituto Oswaldo Cruz numa instituição privada que funcione aqui no Brasil. É acabar com a produção científica brasileira e pagar royalties, patentes e direitos aos proprietários da pesquisa na Europa, nos EUA ou na Ásia. É isso que eles querem”.

Como outro exemplo Vladimir informou que os insumos usados na saúde durante pandemia, inclusive máscaras, luvas e outros equipamentos de proteção individual que estão sendo importados, eram produzidos em quantidade suficiente aqui no Brasil. “Mas não são mais. A produção intelectual é o que estão querendo acabar principalmente”, afirma.

Contratos de gestão

Vladimir Nepomuceno sustenta que os contratos de gestão têm tudo a ver com o programa Future-se. “Tem tudo a ver com a história do Future-se, por que com os contratos novos eles vão poder contratar qualquer pessoa para qualquer atividade, ainda que tenha servidor concursado ocupante de cargo que tenha como lei atribuição naquela atividade”.

Ele dá como exemplo o cargo de professor e de médico. “Por exemplo, um cargo de professor, um cargo de médico. Existe o cargo público e as atribuições definidas em lei. Seguindo a norma atual é obrigação do Estado. Então, tem que ser aquilo ali e só pode ser feito porque a atividade fim de um órgão público não pode ser feita por ninguém da iniciativa privada. Mas pela atual regra da terceirização já pode. E com essa PEC aprovada os contratos de gestão não vão botar só organizações sociais, vão botar empresas e que buscam abertamente o lucro”.

Vladimir explica que essas empresas vão poder contratar pessoas para as atividades que hoje são exercidas por servidores efetivos. “A partir de agora o servidor poderá ser substituído por pessoa da iniciativa privada em várias áreas. É literalmente a privatização do setor público”.

“É voltar a 1920/30 onde o Estado estava na mão dos patrimonialistas. O poderoso político da região decide quem entra, quem sai, quem fica, quem é chefe ou não”, complementa.

Cargo de liderança e assessoramento

O cargo de liderança e assessoramento que está sendo criado pela PEC é um deleite político para quem está no poder. “Esse cargo pode fazer qualquer coisa. No texto da PEC diz que ele pode ter atribuições estratégicas – que são os cargos de direção – no caso das universidades entra a Reitoria; diz que vai poder exercer atribuições gerenciais, ou seja, todos os cargos de chefia em qualquer número, da mais complexa atividade a menos complexa, ou seja, posso ter uma pessoa por indicação política fazendo qualquer coisa, sendo dirigente máximo, chefe de qualquer setor e até substituir o técnico”.

Temporários

Pela PEC 32 o trabalhador temporário poderá ser contratado por demanda. “Pode-se alegar então que a demanda do órgão tem seu tempo, então não é necessário fazer concurso podendo-se colocar o temporário. E seguindo a sugestão do Banco Mundial, o prazo limite do contrato temporário passaria a ser de seis anos, depois você contrata outra pessoa. E o serviço continua a ser feito por temporários”, observa Vladmir. 

“O temporário também poderá substituir o servidor público em greve, está no texto da PEC”, diz.

Vladimir relata ainda que com a PEC pode existir quatro pessoas com vínculos totalmente diferentes no mesmo lugar com as mesmas atribuições, mas o maior prejudicado será o concursado. 

“Terei na ponta um servidor concursado que entrou antes da PEC 32, terei um que não tem estabilidade e pode ser mandado embora a qualquer momento que é aquele com prazo indeterminado, terei um temporário disfarçado pelo vínculo de prazo determinado, e vou ter uma pessoa com indicação política que é o cargo de liderança e assessoramento. Eu posso ter quatro pessoas com vínculos totalmente diferentes no mesmo lugar com as mesmas atribuições”.

“O mais prejudicado será aquele servidor que realmente conhece o assunto, fez o concurso, passou e está qualificado para exercer a função. Os outros três não estão. Ele carregará os três nas costas. E quem assumirá a responsabilidade de assinar um documento é o servidor concursado ou o contratado por prazo indeterminado, pois um temporário não pode assinar e nem o indicado político”.

“Mudou o governo pode trocar todo mundo, como disse Bolsonaro um tempo atrás. Manda todo mundo embora e contrato novos de acordo com a visão política do prefeito, do governador, do presidente da República. E no Brasil que é um governo de coalizão, troca o ministro ele manda todo mundo embora e contrata novo”.

Só para mostrar a dimensão do estrago Vladimir contou a história de uma prefeitura na região norte do Brasil. Na Câmara Municipal demitiram todos da gestão anterior, não havia funcionários concursados, ninguém era estável. No dia da posse dos novos vereadores ninguém sabia onde estava a chave para a abrir a Câmara Municipal.

“É daí para pior. Imagina numa instituição de pesquisa científica? Você leva a memória embora. Você não terá a continuidade do trabalho na área de educação, de saúde e principalmente pesquisa”, constata o especialista.

 

 

Charge do Clayton para a Folha Paraense. (29/10/20)

 

 

 

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