Para oposição, país abre mão de sua soberania e verá aumentar tarifas de energia, com prejuízo à população e capitalismo “sem risco”

Cinquenta anos depois de sua instalação, como parte de um projeto nacional de desenvolvimento, a Eletrobras será privatizada. A Câmara aprovou na tarde desta segunda-feira (21) o texto-base da Medida Provisória (MP) 1.031, de privatização da Eletrobras, que responde por quase 30% da geração de energia no país. Foram 258 votos a favor e 136 contra. Em longa sessão, de seis horas, a oposição fez obstrução e apresentou requerimentos na tentativa de tirar o projeto da pauta. Depois do texto-base, os deputados passaram a discutir emendas, aprovando a maioria. A oposição cogita recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Apresentada em fevereiro, a MP passou na Câmara em 19 de maio (313 votos a favor, 166 contra e cinco abstenções) e no Senado em 17 de junho (42 a 37). Como foi alterado, voltou para a Câmara. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), convocou sessão extraordinária para esta segunda, com a MP como item único da pauta, já que o projeto perderia vigência amanhã.

Em vez de votação, luto

Muitos deputados defenderam, inclusive, que não houvesse sessão nesta segunda-feira em tributo aos 500 mil mortos em consequência da covid-19, marca atingida no último sábado (19). Vários trajavam roupas pretas, em sinal de luto. Lira informou que, em contato com o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), será decretado luto oficial de três dias, mas sem interrupção das atividades legislativas.

“Estamos falando de um imenso patrimônio público. É a sexta empresa mais lucrativa do Brasil hoje”, ressaltou o líder da Minoria, Marcelo Freixo (Psol-RJ), que amanhã formalizará sua filiação ao PSB). Ele enfatizou o caráter estratégico da companhia para “a soberania energética” do país, em vez de entregá-la a “sanguessugas privados”. Seu colega Alessandro Molon (PSB-RJ) reforçou, dizendo que o projeto governista está “recheado de reservas de mercado e interesses privados”.

Tarifa mais cara?

Apenas um deputado se inscreveu para defender o projeto: o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR). Segundo ele, o texto assegura “mais investimento, mais geração de empregos, mais competência do sistema”. “O projeto é tão bom que os governistas não querem vir aqui defendê-lo”, ironizou a deputada Gleisi Hoffmann (PR), presidenta nacional do PT.

O modelo aprovado prevê a emissão de ações a serem vendidas no mercado, aumentando o capital social sem participação da empresa. Isso resultará em perda do controle acionário da União.

“Se o Brasil precisar de mais energia, não a terá”, afirmou o líder do PT, Bohn Gass (RS). “Quem vai pagar essa conta é o consumidor“, acrescentou. “É um desserviço. Não tem nada de capitalização. É para servir a interesses escusos, menores, a setores privados que não têm compromisso com o desenvolvimento nacional”, disse José Guimarães (PT-CE).

Custo maior

Para Hildo Rocha (MDB-BA), o projeto “modifica o teor” da desestatização. Ele e outros parlamentares afirmaram que há na Casa um projeto de lei, do governo Temer, que consideram melhor que a MP. O deputado disse ter conversado com 10 especialistas nos últimos dias, e oito deles afirmaram que o preço da tarifa vai aumentar.

O Senado fez 28 emendas ao texto aprovado na Câmara. Na sessão de hoje, deputados favoráveis à privatização, especialmente do Novo, criticaram a matéria. O relator da MP na Câmara, Elmar Nascimento (DEM-BA), recomendou a rejeição de pelo menos cinco dessas emendas.

Emendas questionadas

Parlamentares apontaram a presença de “jabutis” (temas estranhos à matéria) na medida provisória, mas o presidente da Câmara indeferiu, inclusive, questão de ordem nesse sentido. Uma dessas emendas prevê aumento da reserva para térmicas a gás (mais caras e poluentes), item bastante questionado durante a sessão de hoje. Outra, a construção imediata de uma linha de transmissão conhecida como Linhão de Tucuruí, passando por uma reserva indígena.

“Milagre” do Estado mínimo

“Estamos diante de uma farsa”, disse a líder do Psol, Talíria Petrone (RJ). Ela citou itens como as “reformas” trabalhista e previdenciária, além do teto de gastos, como medidas aprovadas com promessa de melhorias para a sociedade. “Fala-se em atacar o Estado brasileiro para resolver o problema do povo. A ideia do milagre do Estado mínimo nunca aconteceu. Quinhentos mil mortos e a gente votando aqui a luz mais cara para o povo.”

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que a sessão de hoje mostra um comando da nação que “despreza a vida” e citou as manifestações do último sábado contra o presidente da República. “Todas essas pessoas sabem onde está a responsabilidade por essas 500 mil mortes. Todos nós aqui dentro, base ou oposição ou chamados independentes, sabemos por que chegamos até aqui. Nós não devíamos estar fazendo funcionar o parlamento neste dia de hoje. Não há nenhuma outra pauta que deveria estar sendo debatida hoje que não fosse como interromper esse governo criminoso, como enfrentar a pandemia no Brasil e esse gabinete paralelo do governo.”

Pescaria no aquário

Renildo Calheiros (PCdoB-PE) disse que o Senado conseguiu piorar um texto que já era ruim na própria Câmara. Para ele, o empresariado almeja um capitalismo sem risco. “A iniciativa privada quer pescar no aquário”, ironizou. E Bira do Pindaré (PSB-MA) fez referência a um “liberalismo chinfrim” no país.

Proposta em 1954 por Getúlio Vargas, a criação da Eletrobras só foi aprovada em 1961, após ferrenha discussão no parlamento, com a Lei 3.890, assinada por Jânio Quadros. A instalação ocorreu somente em 11 de junho de 1962 (governo João Goulart).

Para Henrique Fontana (PT-RS), a MP de privatização da Eletrobras “entrará para a história como um dos maiores crime de lesa-pátria” do Brasil. “Não tem lógica econômica, não tem lógica no sentido de um projeto nacional. Me expliquem por que é bom vender uma empresa que vale 400 bilhões, ser entregue por menos de 40 bilhões? Quem fará um programa como o Luz para Todos se venderem a Eletrobras?”

Para fazer jus aos novos tempos, coube a um militar, o deputado General Peternelli (PSL-SP), encerrar a sessão, às 21h23.

 

 

As fotos são de autoria de Pedro Rocha

A Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisará a proposta de reforma administrativa – PEC 32/20 – do governo Bolsonaro realiza sua primeira audiência pública nesta terça-feira, 22, com o tema “Inovação na Administração Pública”. 

O debate está marcado para as 15 horas, no plenário 2. Foram convidados para discutir o assunto com os parlamentares:

 – O secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, do Ministério da Economia, Caio Mario Paes de Andrade;
– O presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp), Pedro Pontual;
– O presidente na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Diogo Costa;
– O líder de Causas no Centro de Liderança Pública (CLP), José Henrique Nascimento; e
– A livre-docente e doutora em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP ), Irene Nohara.

A Comissão Especial para analisar a proposta foi instalada no dia 9 de junho. Na primeira reunião de trabalho, na última quarta-feira, 16, o relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA) apresentou um plano para realização de 12 audiências públicas, mas o cronograma será reformulado para incluir sugestões dos deputados. Na reunião, os parlamentares aprovaram 59 requerimentos para convidar mais de 200 nomes para debater a reforma administrativa.

O deputado Fernando Monteiro (PP-PE) é o presidente do colegiado, que é composto por 34 membros titulares e igual número de suplentes.

Emendas

O Partido dos Trabalhadores (PT) preparou quatro emendas: uma é um texto substituto global à PEC do governo; outra ataca pontos prejudiciais aos atuais servidores; a terceira acrescenta a exclusão de militares da política à proposta e a última trata do fim do teto salarial duplo, que beneficia aposentados e militares da reserva em cargos comissionados ou de confiança. 

A meta agora é recolher as 171 assinaturas de parlamentares exigidas para que as emendas sejam protocoladas na comissão. O PCdoB também apresentará emendas.

O regimento da Câmara determina que a apresentação de emendas deve acontecer no prazo de dez sessões do plenário da Casa, e a emissão do parecer do relator, em 40 sessões.

Na reunião da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, nesta segunda-feira, 21, foi informado a realização de um encontro nacional virtual com as entidades do serviço público e ratificado a necessidade da pressão aos parlamentares da comissão especial em cada estado e cidade em que residam. A Central Sindical Pública informou que fará 50 outdoors em São Paulo com os parlamentares favoráveis a PEC 32/20.

Agência Câmara de Notícias

 

 

O Globo e Estado de SP dedicaram espaços de capa às manifestações; Jornal Nacional lançou editorial contundente

Da Redação do Brasil de Fato (Com informações do Poder 360)

A imprensa comercial brasileira deu destaque às manifestações deste sábado (19) contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o que representou uma mudança de postura de alguns dos maiores jornais do país.

O Globo e O Estado de SP, que haviam “escondido” de suas capas do dia 30 de maio as repercussões dos protestos do dia 29, desta vez reconheceram a importância dos atos.

Para a coordenadora executiva do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), Ramênia Vieira, a mudança de postura da imprensa pode estar relacionada à pressão vinda das redes sociais após o ato do dia 29 de maio.

“Nós tivemos uma pressão muito grande, principalmente no Twitter, questionando os meios de comunicação por não estarem fazendo uma cobertura da forma como costumam fazer com outros atos. Em alguns casos até tornando o ato invisível.”

Manchete principal da edição do Globo deste domingo (20), os atos contra Bolsonaro foram associados pelo jornal à trágica marca de 500 mil mortes por covid-19, registrada no sábado (19).

O tratamento é diferente ao da edição do dia seguinte às primeiras mobilizações, publicada no domingo (30 de maio). Naquela data, o veículo destacou uma matéria sobre perspectivas de crescimento PIB nacional, deixando as manifestações para uma chamada secundária e sem imagem.

 

Estado de S.Paulo

Embora tenha publicado foto na capa e matéria com quatro imagens dos atos anti-Bolsonaro, o jornal O Estado de S. Paulo cedeu espaço apenas em página par, local considerado de menor destaque na prática jornalística, para os protestos massivos registrados no último sábado (19).

No dia 30 de maio, o jornal havia limitado sua repercussão à um título secundário e sem foto “Milhares vão às ruas contra Bolsonaro e causam aglomeração”, optando por priorizar na manchete do dia uma reportagem sobre a reinvenção do turismo em cidades brasileiras.

Desta vez, o jornal também convidou o cientista político Carlos Melo para analisar as manifestações sinalizando em sua manchete que o maior desafio das manifestações é serem “amplas”: “O maior desafio das manifestações – que certamente continuarão – será não se perderem como instrumentos eleitorais de partidos e candidatos”, apontando nas entrelinhas descontentamento por eventual participação nos atos do petista Luiz Inácio Lula da Silva, único candidato até o momento capaz de fazer frente à reeleição de Bolsonaro.

Folha de S.Paulo

Em contraste ao seu concorrente, o jornal Folha de S. Paulo destinou 5 páginas para tratar da repercussão das manifestações contrárias à gestão de Jair Bolsonaro. A publicação segue na mesma linha da cobertura dos atos do dia 29 dando a devida atenção aos desdobramentos do fator “povo na rua” na correlação de forças da conjuntura política brasileira.

No impresso distribuído neste domingo (20), orientou repórteres a analisarem os efeitos dos protestos no tabuleiro da eleições de 2022 e também se dedicou a ouvir os bolsonaristas descontentes que atenderam ao chamados da Frentes Brasil Popular, Povo Sem Medo e da Coalização Negra por Direitos.

Na comparação com o 29 de maio, o Correio Braziliense, principal veículo impresso do Distrito Federal (DF), onde se concentra a sede dos Três Poderes, resolveu diminuir ainda mais o tamanho da divulgação dos atos contra o governo federal. Mesmo com o aumento do número de participantes, alcançando 750 mil pessoas, segundo os organizadores, o jornal do DF avaliou que os protestos não mereciam nem mesmo uma fotolegenda e destinaram uma foto pequena com a genérica chamada “Protestos pelo país”, sem mencionar as mais de 400 cidades que registraram ações políticas. Assim como O Estado de S.Paulo, também julgou que apenas uma página par seria suficiente para dar conta do fato jornalístico.

 

TV Globo

Jornal Nacional – da TV Globo, parte do maior conglomerado de mídia brasileiro – do último sábado iniciou com uma reportagem de quase 6 minutos sobre os protestos para pedir “vacina para todos e o impeachment de Bolsonaro”.

Com tom simpático em relação aos protestos, a locução da matéria destacou bandeiras do Brasil e faixas em verde e amarelo, apesar de as imagens mostrarem bandeiras, camisetas e cartazes majoritariamente vermelhas.

O jornal salientou, ainda, que as manifestações foram pacíficas e convocadas por movimentos sociais e estudantis.

Na mesma edição, os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos, leram um contundente editorial em que a emissora voltou a questionar a condução do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia, destacando os “muitos –e muito graves– os erros cometidos”.

“Eles estão documentados por entrevistas, declarações, atitudes, manifestações. A aposta insistente e teimosa em remédios sem eficácia, o estímulo frequente a aglomerações, a postura negacionista e inconsequente de não usar máscaras e, o pior, a recusa em assinar contratos para a compra de vacinas a tempo de evitar ainda mais vítimas fatais.”

O editorial terminou defendendo a cobertura da pandemia com base em informações com comprovação científica.

“Porque tudo tem vários ângulos e todos devem ser sempre acolhidos para discussão. Mas há exceções. Quando estão em perigo coisas tão importantes como o direito à saúde, por exemplo. Ou o direito de viver numa democracia. Em casos assim, não há dois lados. E é esse o norte que o Jornalismo da Globo continuará a seguir”.