Desembargador retira censura a exposição em Juiz de Fora: ‘Liberdade de expressão’

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Juiz de primeira instância havia decretado retirada de painéis após ação de vereador bolsonarista, que alegava que viu “peça de propaganda comunista” em uma imagem e 2003 que mostra FHC e Lula

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais suspendeu a decisão de primeira instância que determinava a retirada de painéis da exposição “Democracia em Disputa” da fachada do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, no município de Juiz de Fora, no interior do estado. De acordo com o desembargador Maurício Torres Soares, em decisão divulgada nesta quinta-feira (29), a exposição e as obras devem ser mantidas até a data prevista de término do evento, em 31 de agosto.

Promovida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, Democracia e Democratização da Comunicação (INCT/IDDC), a exposição estava em cartaz desde o dia 17. Mas foi suspensa, quatro dias depois, pela 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias Municipais da Comarca da cidade mineira, após ação do vereador Sargento Mello Casal (PTB), apoiador do presidente Jair Bolsonaro e opositor em Juiz de Fora da prefeita, Margarida Salomão (PT).

O vereador acusava que a instalação não poderia ocorrer na fachada daquele centro cultural, cuja sede é um prédio tombado pelo Patrimônio Histórico. A argumentação foi acolhida pelo juiz de primeira instância Marcelo Alexandre do Valle Thomaz, que deferiu a ação, alegando que os painéis fotográficos constituem “engenhos de publicidade”. Segundo o magistrado, as imagens mostradas “aviltam o patrimônio público”.

Alvo de desinformação

Logo após a primeira decisão, a prefeitura de Juiz de Fora e a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage recorreram. Os órgãos denunciam que a questão do direito urbanístico e de proteção ao patrimônio público, citado pelo vereador na ação, na “realidade não passa de discurso político de repúdio aos movimentos progressistas”. “E, especialmente, ao governo municipal”, citam. De acordo com a prefeitura, a exposição passou a ser alvo por conta de uma foto específica que registra a passagem da faixa presidencial de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2003.

A imagem despertou a ira de bolsonaristas da cidade que passaram a acusar toda a exposição de ser “propaganda comunista financiada por uma prefeitura da PT”. A exposição, contudo, conta com dezenas imagens desde 1964 até 2021, que marcam episódios da história para a construção das instituições políticas brasileiras.

“Em nítido viés artístico e historiográfico” e “não de engenho de publicidade”, segundo a administração municipal. No instrumento de agravo, a prefeitura e a fundação acrescentaram que “não houve dano ao bem tombado com a colocação dos painéis. Inclusive, a escolha da exposição a céu aberto foi de natureza sanitária, para evitar aglomerações em locais fechados em virtude da pandemia”, sustentam.

Liberdade de expressão

Os argumentos foram acolhidos pelo desembargador que deu razão às instituições, apontando que não houve qualquer dano ao patrimônio cultural. “Vez que somente atinge algumas janelas do pavimento superior”, descreveu. Na decisão, o magistrado ressaltou que a exposição possui termo final e que a colocação das fotografias “não importarão em lesão à fachada protegida”.

Por outro lado, a determinação de retirada das imagens, segundo Soares, “implicará supressão total do direito à manifestação de pensamento e à liberdade de expressão, artística e cultural”. “Assim, no exercício de sopesamento entre os direitos fundamentais aqui conflitantes, há que se ressaltar a primordial importância da livre exposição da opinião”, concluiu, sentenciando.

Ainda cabe recurso, mas Margarida Salomão comemorou a manutenção imediata do evento. “A decisão apenas confirma o que afirmamos desde o início: a exposição é de caráter evidentemente democrático, de cunho artístico e não provoca dano ao patrimônio público. Nada justificaria a censura, ameaça que pairou sobre ela.Ao cabo, o caso apenas confirma a própria nomenclatura da exposição. E, para nossa alegria, nessa disputa a democracia sai como vitoriosa”, escreveu a prefeita pelas redes sociais.

A exposição

A exposição “Democracia em Disputa” integra a programação da 73ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. O evento é realizado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A instalação ainda percorrerá diversas cidades do Brasil e do Mundo, com destacada valorização pela sua relevância. Desde 2017, o INCT/IDDC reúne pesquisadores de renome nacional e internacional para aprofundar a discussão sobre a democracia brasileira.

 

 

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