“Reforma” administrativa é nociva à maioria, que ganha menos de 4 salários mínimos, e não mexe com altos funcionários

Publicado: 19 Agosto, 2021 / Escrito por: Redação RBA

ROBERTO PARIZOTTI/FOTOS PÚBLICAS

De acordo com o diretor técnico do Diesse, Fausto Augusto Junior, a “reforma” administrativa pretende restringir o papel do Estado, que atuaria de maneira “subsidiária” à iniciativa privada. Ou seja, só atuaria nas áreas e locais em que as empresas privadas não tiverem interesse. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 também acaba com a estabilidade dos servidores. Desse modo, coloca em xeque a continuidade de políticas públicas importantes. Além disso, ao ampliar as possibilidades de contratação sem concurso público, marca um retorno à lógica clientelista.

Nesse sentido, Fausto afirma que as greves e manifestações ocorridas nesta quarta-feira (18) são fundamentais para que a sociedade tome consciência dos riscos e ameaças contidas nesse projeto. “É levar ao ápice o processo de desconstrução do Estado e de privatização dos serviços públicos em geral”, disse em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quinta-feira (19).

Além dos riscos apontados, a PEC 32 também altera a relação entre os poderes. Se aprovada, o Executivo poderia extinguir ministérios, autarquias e empresas públicas – até mesmo universidades –, sem necessitar da aprovação do Congresso.

“Essa reforma retira direitos dos servidores, acaba com a estabilidade e amplia poderes do Executivo. Vai reconstruindo um Brasil que a gente deixou para trás há muito tempo, desde a Constituição de 1988″, diz Fausto “A busca por um Estado democrático, social e de direito passa necessariamente por um estado forte e organizado, com servidores públicos concursados e estáveis. Pois são eles que efetivam um conjunto de direitos sociais para a população.”

Supostos privilégios

Por outro lado, o diretor do Dieese também classifica como fake news as narrativas que retratam o servidor público como privilegiados. Ele destaca, por exemplo, que o servidor não tem direito a hora extra, FGTS ou seguro-desemprego, justamente em função da estabilidade. Sua esmagadora maioria é composta de servidores municipais que atuam nas áreas da saúde e educação. Além disso, cerca de 80% do funcionalismo ganha até quatro salários mínimos. Já as carreiras do Judiciário e do Ministério Público, que alcançam salários vultosos e gordos benefícios, não serão atingidas pela dita “reforma”.

 

 

Nome de Francisco Maximiano surgiu após denúncia de corrupção na negociação da vacina Covaxin

Caroline Oliveira/Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 19 de Agosto de 2021 

O depoimento de Francisco Maximiano, proprietário da Precisa Medicamentos, não têm acrescentado nenhuma informação nova à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, nesta quinta-feira (19). 

Até o momento, Maximiano permaneceu em silêncio e não respondeu a nenhuma das perguntas dos senadores, uma vez que está munido de um habeas corpus concedido pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedendo-lhe o direito de permanecer em silêncio em assuntos que possam incriminá-lo. A defesa de Maximiano, o advogado Ticiano Figueiredo, afirmou aos parlamentares que a decisão de quais perguntas e respostas podem incriminá-lo cabe ao próprio depoente.

Em algumas das únicas perguntas que Maximiano decidiu responder, o mesmo apenas afirmou que tem residência em Brasília, que viajou à Índia cerca de quatro vezes e conhece o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo federal na Câmara e um dos pivôs no suposto esquema de corrupção da vacina Covaxin.

Antes desta sessão, o depoimento de Maximiano já havia sido adiado quatro vezes. A primeira tentativa foi no dia 23 de junho, mas ele estava em quarentena após retornar da Índia. Depois, o depoimento foi remarcado para 1º de julho, mas foi adiado mais uma vez diante do habeas corpus concedido pelo STF no dia anterior.

Na terceira vez, no dia 14 de julho, seu depoimento estava marcado para ocorrer no mesmo dia do da diretora-técnica da empresa, Emanuela Medrades, mas não deu tempo. No dia 4 de agosto, na quarta tentativa, Maximiano estava novamente na Índia.

Caso Covaxin

A empresa Precisa Medicamentos, que representou no Brasil o laboratório indiano Bharat Biotech, que fabrica a vacina Covaxin, estaria envolvida em um esquema de corrupção na negociação do imunizante com o Ministério da Saúde. A compra envolvia 20 milhões de doses, com um valor de US$ 15 a dose, num total de R$ 1,6 bilhão. O contrato foi celebrado em 25 de fevereiro e as primeiras notas fiscais, documento necessário para dar início à importação, foram emitidas no mês seguinte.

As suspeitas de fraude vieram à tona a partir de inconsistências encontradas nas notas fiscais por William Amorim Santana e Luis Ricardo Fernandes Miranda, ambos integrantes da Divisão de Importação do Ministério da Saúde. Na CPI, o assunto chegou aos senadores com o depoimento de Luis Ricardo e de seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF).

Na ocasião, foram alvos de questionamento a solicitação de um pagamento antecipado de US$ 45 milhões a uma terceira empresa, não prevista no contrato, a Madison Biotech, além da redução do quantitativo de doses de quatro para três milhões.

Do lado do governo

Ao tomar conhecimento das inconsistências na invoice [nota fiscal com informações da compra], Luis Ricardo e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), se reuniram com o presidente, no dia 20 de março, para alertá-lo sobre uma suposta fraude no contrato. Bolsonaro não só confirmou o encontro à imprensa como afirmou que teria tomado providências. “Eu tenho reunião com 100 pessoas por mês, os assuntos mais variados possíveis. Eu não posso… Chegar qualquer coisa para mim e ter que tomar providência imediatamente, tá certo? Tomei providência nesse caso”, disse o capitão reformado à Rádio Gaúcha.

O presidente teria solicitado ao então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, a investigação da denúncia. Dois dias depois, no entanto, Pazuello foi exonerado, e a investigação ficou a cargo do então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco. Segundo a senadora Simone Tebet (MDB-MS), um dia depois de ter assumido a investigação do caso, Franco teria finalizado a apuração sem encontrar nada.

Durante o encontro do dia 20 de fevereiro, entre os irmãos Miranda e Bolsonaro, o ex-capitão teria atribuído o esquema ao líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). “Se eu mexo nisso aí, você sabe a merda que vai dar. Isso deve ser coisa de ‘fulano’”, referindo-se ao líder, teria declarado Bolsonaro, segundo o deputado Luís Miranda.

Ricardo Barros

Barros é autor de uma emenda feita à Medida Provisória 1.026, de janeiro deste ano, que prevê condições excepcionais para a aquisição de vacinas. A MP permite à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceder autorização extraordinária e temporária para a importação e distribuição para quaisquer imunizantes que tenham sido autorizados por um rol de autoridades sanitárias estrangeiras. A emenda de Barros incluiu nesse rol a agência reguladora indiana, Central Drugs Standard Control Organisation (CDSCO).

Um mês depois, Barros criticou a Anvisa em uma entrevista ao jornal O Globo. “Eu pus uma emenda no dia 3, antes desse episódio, para incluir a agência da Índia na relação das agências, porque é necessário. Tem uma vacina da Índia que nós queremos comprar. E a Anvisa, não. Ela se acha uma agência de elite e só quer dialogar com aquelas que ela acha de elite”, disse, na ocasião.

Em um documento juntado ao relatório em produção da CPI, ao qual a Folha de S. Paulo teve acesso, Francisco Maximiano afirmou ao embaixador do Brasil em Nova Déli, na Índia, André Aranha Corrêa do Lago, que uma emenda parlamentar facilitaria o processo de importação.

Barros e Maximiano já se conheciam antes das tratativas em torno da Covaxin. O deputado é réu em uma ação de improbidade administrativa acerca de um contrato fechado com a empresa Global Gestão de Saúde, da qual Maximiano é sócio. A ação apura um pagamento antecipado de R$ 20 milhões por medicamentos que nunca chegaram ao Ministério da Saúde.

Edição: Vivian Virissimo

 

 

Levantamento inédito da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostra os caminhos da desinformação entre religiosos

Mariama Correia/Agência Pública | 19 de Agosto de 2021

Pesquisa mostra que 49% dos evangélicos da amostra receberam mensagens de conteúdo falso ou enganoso em grupos relacionados à sua religião – Reprodução Agência Pública

Líder de jovens na congregação evangélica Assembleia de Deus do Amor, no bairro dos Bultrins, em Olinda (PE), Angélica Cruz, 29 anos, está em pelo menos quatro grupos da igreja no Whatsapp. Diz que a maioria serve para troca de mensagens devocionais entre membros e a liderança. “O aplicativo virou uma ferramenta principal de comunicação na pandemia. Serve pra gente trocar mensagens de apoio e informações entre os irmãos, como vagas de emprego e oportunidades”, contou à Agência Pública.

O uso intenso do Whatsapp para a prática religiosa fortalece redes de desinformação no segmento evangélico, segundo relatório de pesquisa “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicado em primeira mão pela Pública. A live de lançamento do relatório será no dia 30 de agosto, no canal do Youtube do Instituto de Estudos da Religião (ISER), às 14h.

A pesquisa mostra que 49% dos evangélicos da amostra receberam mensagens de conteúdo falso ou enganoso em grupos relacionados à sua religião. Isso quer dizer que praticamente metade dos evangélicos entrevistados receberam notícias falsas enviadas em grupos da sua comunidade de fé.

Gráfico / Wagner Tadeu Tonel/Agência Pública

Os dados consideram 1650 respostas coletadas em congregações Batistas e das Assembleias de Deus e grupos de diálogo do Rio de Janeiro e do Recife. Também foi aplicado formulário online com pessoas de todas as religiões e sem religião. Essa coleta aconteceu em 2019.

Na pesquisa online, com abrangência nacional,  participaram pessoas de diferentes religiões e com nível superior – o segmento que possui maior percepção em relação à circulação da desinformação. Nesse grupo, os dados sobre o recebimento de notícias falsas em grupos ligados à religião foram ainda maiores, com 77,6% dos evangélicos tendo afirmado receberem desinformação por grupos ligados à sua religião no Whatsapp. Em comparação, a coleta de dados online mostrou que 38,5% dos católicos, 35,7% dos espíritas e 28,6% de fiéis de religiões afro-brasileiras afirmaram ter recebido mensagens falsas nos grupos de suas religiões.

Sobre o uso do Whatsapp especificamente, a pesquisa aponta que entre os evangélicos, 92% participam de grupos ligados à sua religião no WhatsApp. Em comparação, 71% dos católicos, 57% dos espíritas e 66,7% dos fiéis de outras religiões entrevistados, disseram fazer o mesmo. “Não é a religião que interfere na maior presença de desinformação nos grupos de WhatsApp dos evangélicos, mas elementos relacionados à prática da religião, como o uso das redes sociais”, apontou o coordenador da pesquisa, o sociólogo e diretor do Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde da UFRJ, Alexandre Brasil.

Um desses elementos mapeados pelos pesquisadores seria a confiança interpessoal. Para 33,3% dos evangélicos entrevistados, pessoas conhecidas são mais consultadas como fontes de informações do que veículos jornalísticos e/ou mecanismos de busca na internet. E 13,2% disseram que os pastores e irmãos da igreja representam a fonte mais confiável de notícias. “É importante lembrar que onde circula informação também circula desinformação. Não há como evitar que esses fluxos de mensagens circulem de forma separada, pois o intuito é que tenha aparência de informação confiável. O uso intenso do WhatsApp, somado à uma forte presença da confiança interpessoal são fatores que parecem sim tornar os evangélicos, em algum nível, suscetíveis à desinformação”,  explicou Alexandre Brasil.

Não checam e não se incomodam

O pesquisador explica que a pesquisa partiu da hipótese de que grupos onde há maior organicidade e confiança entre os participantes, são potencialmente espaços em que há maior circulação de desinformação. O grupo religioso, no caso o evangélico, foi escolhido por ter o perfil de uma “intensa vida comunitária, pela presença de laços de confiança e pela realização de reuniões regulares.” “Também se considerou a existência de reportagens que indicavam sites e influenciadores ligados ao segmento evangélico como destacados disseminadores de fake news”, acrescentou.

O relatório também ressalta que os evangélicos têm uma grande representatividade nas decisões eleitorais, considerando que 31% da população brasileira se declara evangélica, segundo Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), realizado em 2018.

Entre os respondentes, 23,6% dos evangélicos disseram não ter o costume de checar notícias. De acordo com o relatório, quase 30% dos evangélicos entrevistados admitiram que já compartilham notícias falsas, sendo que 8,1% fizeram “mesmo sabendo que era mentira, mas por concordarem com a abordagem”.

“Os menos preocupados seriam pessoas de mais idade, menor escolaridade, menor renda e com menores habilidades no uso de dispositivos eletrônicos (capacidade de editar conteúdos de vídeo, áudio e imagens ou administrar perfis). Por outro lado, não é possível afirmar, a partir dos nossos dados, que pessoas com maior renda, maior escolaridade e com maior habilidade para o uso de dispositivos eletrônicos veiculem menos mensagens falsas”, explicou Alexandre.

A confiança na pessoa que enviou a mensagem basta para que se encaminhe a notícia falsa a outras pessoas, diz o pesquisador. “Entre os evangélicos entrevistados, identificamos que, para um terço, a confiança no emissor é o fator que consideram para validar uma mensagem recebida como autêntica”

Com relação aos conteúdos, 61,9% dos evangélicos entrevistados disseram que notícias falsas com temas políticos são as mais recorrentes. Alexandre Brasil conta que quando o projeto de pesquisa foi apresentado, ainda “não se tinha percepção da escala e da centralidade que a disseminação de desinformação tomaria no Brasil durante o pleito eleitoral”, quando os eleitores evangélicos foram fundamentais para a vitória de Jair Bolsonaro.

Gráfico / Wagner Tadeu Tonel/Agência Pública

A saúde foi outro tema indicado como recorrente. Contudo, os dados não se relacionam diretamente com o quadro de “desinfodemia”, ou seja, desinformação específica sobre a covid-19 e a crise de saúde pública, porque foram colhidos antes da pandemia.

A Pública vem mostrando as conexões entre essas redes de desinformação, tanto com evangélicos conservadores quanto com outros segmentos aliados ao governo. As reportagens revelam que grupos de WhatsApp e de outras redes sociais continuam sendo utilizados para fazer circular conteúdos falsos, como propagandas antivacina e discursos negacionistas na pandemia. Também para reverberar ataques à democracia, a defesa do voto impresso e outras narrativas bolsonaristas.

O combate à desinformação nas redes evangélicas também tem sido feito pelo Coletivo Bereia, pioneiro no Brasil em verificações de fakes news nesse segmento. A iniciativa de jornalistas cristãos faz parte da Rede Nacional de Combate à Desinformação. “O Coletivo Bereia foi criado em outubro de 2019 (ano da coleta de dados da pesquisa) a partir da demanda de ação que os resultados da pesquisa da UFRJ impôs. Consideramos o projeto uma prestação de serviço identificada como jornalismo colaborativo de checagem de conteúdo especializado em religião. Desde o primeiro mês de atuação os resultados de público e parcerias foram altamente positivos, o que atribuímos ao ineditismo e a extrema relevância desta atividade”, diz Magali Cunha, jornalista e  pesquisadora de Comunicação e Religiões, que coordena o coletivo.

O pesquisador da UFRJ, Alexandre Brasil diz que não é possível fazer uma associação direta entre os resultados da pesquisa e as redes de desinformação bolsonaristas, mas acredita que há “um direcionamento e um investimento do presidente em relação ao público evangélico”, que representa uma base importante do seu governo e  “tem mobilizado tempo e manifestações concretas de atenção, tanto em seus discursos (de Bolsonaro), nas nomeações ou sinalizações ao eleitorado e suas lideranças como no caso da indicação ao STF (do advogado geral da União e pastor presbiteriano André Mendonça), ou ainda na presença de personalidades ligadas ao segmento evangélico nos ministérios”.

Grupo de WhatsApp é o novo ir à igreja

O relatório da UFRJ mostra ainda que a tríade da vida cristã digital é composta por aplicativos para leitura da Bíblia, WhatsApp e Google. São esses os principais aplicativos usados pelos evangélicos entrevistados. E, se a ida frequente à igreja é algo que caracteriza os evangélicos, o envolvimento com a comunidade de fé via grupos de WhatsApp passou a ser um diferencial desse segmento em relação aos outros segmentos religiosos e à média da população brasileira. “Esse achado é anterior à pandemia, mas certamente se ampliou nesse novo contexto. O ponto central que o relatório indica é que grupos com níveis de organização semelhantes, com forte vida comunitária e laços fortes de confiança também são mais suscetíveis às fake news”, diz Alexandre, que aponta para a necessidade de uma ação intencional de formação de usuários que atuem de forma crítica em relação às mídias digitais. “A busca de uma leitura crítica implica em ir além da capacidade de uso das ferramentas digitais e envolve uma perspectiva ampla sobre a realidade e as implicações prejudiciais que representam a disseminação das mentiras. Suas ameaças à saúde pública, à integridade das pessoas e mesmo à democracia representam uma realidade preocupante”, alerta.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul/Edição: Agência Pública

 

 

Símbolo de resistência à ditadura militar, líder camponês maranhense é sepultado nesta quinta-feira (19)

Mariana Castro/Brasil de Fato | Imperatriz (MA) | 19 de Agosto de 2021

 

Um dos fundadores do PT e articulador da luta pela terra, Manoel da Conceição é homenageado em todo o país – Marcelo Cruz

Símbolo de resistência à ditadura militar, Manoel da Conceição faleceu na manhã desta quarta-feira (18) aos 86 anos de idade em Imperatriz, no Maranhão, onde viveu os últimos anos ao lado da família em uma casa de portas abertas aos movimentos sociais da região.

Perseguido, torturado e exilado, Mané da Conceição, como era mais conhecido, dedicou toda a sua vida à organização da luta pela democracia e pelos direitos dos povos dos campos e das florestas.

Primogênito do casal de lavradores Maria Leotéria e Antônio Raimundo, Manoel da Conceição nasceu no dia 24 de julho de 1935, no povoado Pedra Grande, no município de Coroatá, estado do Maranhão.

Até os dez anos de idade fez poucos serviços de roça, tarefa natural às crianças da região. Isso porque se dedicou a cuidar dos irmãos menores e a aprender outro ofício do pai, o de ferreiro.

Ao lado de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos, com quem articulou a fundação do Partido dos Trabalhadores / Reprodução

Já adolescente, passou a cuidar das plantações da família, além de trabalhar ao lado do pai para o dono de terras João Candeia da Rocha, na lida de plantações no povoado Lajinha, próximo a Pedra Grande.

Era a década de 1950 e o Maranhão recebia mais de cem mil imigrantes oriundos de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e outros estados atingidos pela estiagem em busca de terras livres para viver.

Entre uma expulsão e outra, perseguição de grileiros e massacres aos trabalhadores rurais da região, a família se dispersou e Mané foi ao encontro do pai no povoado São José do Tufi, no município de Pindaré Mirim, área de extensas terras devolutas onde abundavam densas florestas e rios.

Foi em Pindaré Mirim que se estabeleceu como respeitado agricultor, ferreiro, membro assíduo da igreja evangélica e conheceu Rita Pinto, jovem piauiense com quem se casou e teve os dois primeiros filhos, Raquel, em 1961 e Manoel Filho, em 1963.

A partir da década de 60, o jovem Manoel da Conceição chama a atenção pela organização sindical / Arquivo Pessoal

Nesse mesmo período, um grupo do Movimento de Educação de Base (MEB) visitava a região em busca de pessoas que demonstrassem espírito de liderança para participar de um curso de alfabetização, sindicalismo, produção agrícola e de outros problemas que afetavam a vida dos trabalhadores rurais.

Mané foi um dos indicados para participar do curso, que teve início em agosto de 1962 no município de Santa Inês em meio a intensos conflitos pela posse de terra. As temáticas instigaram nos trabalhadores rurais esperanças de alternativas e lá firmaram o compromisso com a luta por melhores condições de vida.

De volta a Pindaré Mirim, repassou os novos conhecimentos e engajou-se, de fato, à luta camponesa a partir da criação de escolas de alfabetização e acalorados debates que deram origem ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais Autônomos de Pindaré Mirim, o primeiro nesses moldes no Maranhão.

A fundação foi marcada por uma grande assembleia realizada em outubro 1963, no município de Santa Inês, com a presença de mais de mil pessoas decididas a se filiarem – que passaram a ser alvos diretos dos grileiros da região.

Ato de fundação do PT em 1980, no Colégio Sion, em São Paulo (Manoel é o segundo à esquerda) / Reprodução

Se de um lado os trabalhadores se organizavam por melhores condições de vida, de outro jagunços montavam cavalos e municiavam suas espingardas para os novos tempos no campo.

A organização dos trabalhadores foi ganhando corpo, pessoas de outros municípios se filiavam e no mês seguinte, o número de filiados saltou de mil para quatro mil, momento histórico em que decidiram marchar juntos até as autoridades locais.

Em fevereiro de 1964 Manoel da Conceição é eleito presidente do sindicato, aos 29 anos de idade. Logo as notícias de luta e resistência da região estimularam a criação de novos sindicatos e Manoel passa a ser o principal inimigo dos fazendeiros da região.

No mesmo ano foi instaurado o golpe militar no Brasil e os sindicatos foram fechados e seus documentos lacrados. É quando Manoel passa a viver entre a clandestinidade, a perseguição pelo Estado e a responsabilidade de organização da luta pela resistência.

Os estudos do jovem camponês tomaram outra forma e agora se baseavam na guerrilha para o confronto armado contra o governo militar, ao som da rádio Havana. Mais radical e decidido a enfrentar as estruturas do capitalismo, é forjado um novo Manoel da Conceição, que rompe com a hierarquia da igreja evangélica e deixa o lar familiar para romper cercas pelas fronteiras agrícolas do Maranhão.  

Ainda sob a presidência do sindicato, resiste a uma sangrenta invasão de policiais ao sindicato de Pindaré Mirim e se coloca em defesa dos trabalhadores, quando foi vítima de dois tiros de fuzil no pé direito, arrastado e levado por policiais. 

Preso na cadeia de Pindaré Mirim por cerca de seis dias e sem assistência médica, a informação se espalhou e Manoel foi transferido para cuidados médicos em São Luís, mas a infecção já havia chegado a um ponto tão crítico que a perna teve que ser amputada.

Com o corte irregular e sem cicatrização, Manoel foi levado a São Paulo para cuidados médicos com o apoio dos trabalhadores rurais e movimentos sociais, onde sofreu uma nova amputação, agora próxima ao joelho.

A situação causou alvoroço e, com medo de um levante popular, o então governador do Maranhão, José Sarney ofereceu deslocamento aéreo de volta ao estado, tratamento médico, cargos políticos e dinheiro, em troca de silêncio e apoio.

Com todas as propostas rejeitadas, Mané passou a usar uma perna mecânica e fincou em sua história a marca de sua resistência sob o lema: “Minha perna é minha classe!” e com o apoio de militantes da Ação Popular (AP) intensificou ainda mais a luta camponesa e passou a percorrer outros estados e países para estudos e palestras.

Com o conjunto de desafetos acumulados e a constante perseguição, Mané foi preso por mais de três anos e duramente torturado, até conseguir exílio em Genebra, na Suíça, com o apoio de entidades de direitos humanos e da Anistia Internacional.

Refugiado em Genebra durante três anos e sete meses ao lado da companheira, militante e assistente social Denise Leal, período em que nasce a filha mais nova, Mariana Nóbrega, Mané dedica esse período a estudos e palestras em países como a França, Bélgica, Itália, Alemanha, Holanda, Suíça, Suécia, Dinamarca, Noruega, Espanha, Portugal e Argélia, na África.

Trabalhadores recepcionam Manoel da Conceição no seu retorno do exílio, em 1979 / Arquivo Pessoal

Com a anistia em 1979, Manoel da Conceição retorna ao país e participa da articulação de inúmeras associações, entidades e movimentos sociais para a organização popular, como a articulação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região e a fundação de organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU) e do Partido dos Trabalhadores (PT).

Ao longo dos anos, é amplamente homenageado em todas as regiões do país por entidades não-governamentais e governamentais, entre as quais a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o Governo Federal, e com o recebimento do título de Doutor Honoris Causa da Unisulma, em Imperatriz, e da Universidade Federal do Maranhão, em São Luís.

A partir de 1984 passa a residir com a família em Imperatriz, onde se dedicou a cuidar da formação e organização de trabalhadores rurais de toda a região sul e sudoeste do Maranhão e permaneceu até os últimos anos de vida.

Com as condições físicas e psicológicas já debilitadas após os 80 anos de idade em razão de consequências dos anos de tortura, Manoel recebe o apoio incondicional da companheira Denise Leal, que ao seu lado seguiu a missão de estímulo da organização da luta popular na região. Com as portas da casa da família sempre aberta às lideranças políticas e de movimentos sociais, ouvia atentamente e vez ou outra lembrava de seus tempos de rebeldia e luta.

Mariana (filha), Denise (esposa), Vilmar (genro) e netos em comemoração aos seus 85 anos / Arquivo Pessoal

Submetido a uma cirurgia para retirada de pedra na vesícula em 16 de julho e com a saúde já debilitada, Manoel da Conceição seguiu internado no Hospital Macroregional de Imperatriz durante quatro semanas, que lhe renderam outras complicações, até o desenvolvimento de uma broncopneumonia aguda, com necessidade de entubação, da qual não resistiu e veio a óbito por volta de 7h do dia 18 de agosto.

O corpo de Manoel da Conceição será sepultado sob homenagens dos movimentos sociais na tarde desta quinta-feira (19) em Imperatriz, em meio à agenda do presidente Lula pelo Nordeste, que ao pisar em solo maranhense prestou suas homenagens ao lado do governador Flávio Dino.

Em uma das últimas entrevistas concedidas, em 2014, Manoel da Conceição foi questionado pelo jornalista do Brasil de Fato Márcio Zonta: “O que faz um homem que chega aos 80 anos com tanta história?”. Em resposta, afirmou: “Entrego-a à minha classe, para que continuem a minha história!”.

* Com informações da obra “Manoel da Conceição, Sobrevivente do Brasil”, edição especial de celebração dos 80 anos de Manoel Conceição, de Adalberto Franklin (2014).

Edição: Vivian Virissimo

 

 

Meio de Campo

    (Gilberto Gil)

Prezado amigo Afonsinho

Eu continuo aqui mesmo

Aperfeiçoando o imperfeito

Dando um tempo, dando um jeito

Desprezando a perfeição

Que a perfeição é uma meta

Defendida pelo goleiro

Que joga na seleção

E eu não sou Pelé nem nada

Se muito for, eu sou um Tostão

 

O Parangolé da Cultura na Universidade, ao tematizar “Meio de Campo entre Futebol e Cultura” visa observar o futebol no Brasil. Contudo, não se pretende colocar em xeque apenas os critérios do mercado globalizado que regem os espetáculos esportivos nem se atentar exclusivamente àqueles que cercam os “padrões Fifa” e que orientam a modernização dos estádios com seus impactos para a recepção, tanto quanto para o conforto e a segurança. Interessa para o colóquio a dimensão cultural, que mobiliza uma subjetividade pessoal, de grupo e até pela qual se vê o mundo, em uma simbologia criada pelas pessoas que há décadas vão aos estádios em dias de jogos domésticos ou de Copa do Mundo. 

Esse meio de campo fora de dias de jogos, conta com convidados que dedicaram sua relação com esse esporte observando as interferências que produzem também em outras áreas do campo, estabelecendo subjetividades e alterando comportamentos.

Quando? 26 de agosto, quinta-feira, às 15 horas, pelo link https://is.gd/Parangolefutebolecultura

Para mais informações: atividadecultural@ccje.ufrj.br