Ines é exemplo do descompasso da decisão para retorno imediato nas instituições federais

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As particularidades do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) – único em âmbito federal — foram solenemente ignoradas pelo desembargador Marcelo Pereira da Silva, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) ao determinar que, em 15 dias sejam retomadas as aulas presenciais nas universidades e institutos federais. 

E nota oficial, a direção-geral do Ines expõe a sua realidade, que está muito longe da letra fria de posicionamentos equivocados e que parece seguir a cartilha em voga de ignorar as desigualdades e as diversidades existentes em nossa sociedade. 

“É importante destacar, ainda, as particularidades da língua usada na instituição por alunos, professores e servidores — a Língua Brasileira de Sinais (Libras) –, que faz com que os riscos de contaminação aumentem, já que a Libras apresenta características próprias: em muitos sinais faz-se necessário que os alunos levem a mão ao rosto e, em especial, à boca, o que potencializa o risco de contágio. Além disso, há alunos que estão no processo de aprendizagem da Libras e precisam da leitura labial para auxiliar o entendimento em algumas situações, o que é inviável com uso de máscaras”, explica a nota.

Retorno só após imunização de todos

 Assim como a UFRJ e outras universidades e institutos federais, o Ines orienta-se pelas manifestações técnicas de um comitê emergencial de crise formado por profissionais da área da saúde e da educação que busca contextualizar os riscos que implicam qualquer decisão institucional no âmbito pandêmico. Este comitê interno recomenda a abertura do instituto para aulas presenciais somente ocorra após a vacinação completa de toda a comunidade do Ines (de acordo com a vacina, uma ou duas doses), considerando que:

a) a população pela própria condição da surdez se constitui um grupo de risco (deficiência);
b) além da surdez, grande parte do grupo apresenta outros fatores de risco em saúde associados ou comorbidades (múltiplas deficiências, hipertensão, diabetes); e
c) há risco ocupacional, considerando que apenas 7,98% reside na região do instituto (zona sul do Rio de Janeiro) de acordo com o censo institucional de 2020 do INES.  Estas pessoas precisam se deslocar diariamente em transporte público.

O ines ressalta que as atividades acadêmicas estão sendo oferecidas de forma remota por meio de sistemas de sala de aula online e materiais impressos, enquanto o corpo administrativo trabalha de maneira híbrida (presencial e remotamente). “Houve reestruturação administrativa e pedagógica, investimento e formação em tecnologias para redimensionar o ensino e impedir que as aulas fossem interrompidas no período pandêmico. Em 2022 todos os alunos terão seu retorno completo ao modelo presencial desde o início do ano letivo, conforme calendário já definido pela instituição”, diz a nota.

Pioneirismo

O Ines ocupa importante centralidade na educação de surdos, tanto na formação e qualificação de profissionais na área da surdez, por meio da educação superior –graduação e pós-graduação, pesquisa e extensão – quanto na construção e difusão do conhecimento, por meio de estudos e pesquisas, fóruns de debates, publicações, seminários e congressos, cursos de extensão e assessorias em todo o Brasil. É pioneiro no que faz no país e na América Latina. 

Atende em torno de 600 alunos, da Educação Infantil até o Ensino Médio. A arte e o esporte completam o atendimento diferenciado do instituto aos seus alunos. O ensino profissionalizante e os estágios remunerados ajudam a inserir o surdo no mercado de trabalho. O Ines também apoia o ensino e a pesquisa de novas metodologias para serem aplicadas no ensino da pessoa surda e ainda atende a comunidade e os alunos nas áreas de fonoaudiologia, psicologia e assistência social.

O Instituto promove fóruns, publicações, seminários, pesquisas e assessorias em todo o território nacional. Possui uma vasta produção de material pedagógico, fonoaudiológico e de vídeos em língua de sinais, distribuídos para os sistemas de ensino. Além de oferecer, no seu Colégio de Aplicação, Educação Precoce e Ensinos Fundamental e Médio, o Ines também forma profissionais surdos e ouvintes no Curso Bilíngue de Pedagogia, experiência pioneira no Brasil e em toda América Latina.  

Na área de saúde, o Ines realiza avaliação audiológica de seus alunos e ainda atende à comunidade na detecção precoce da surdez, com cerca de mil procedimentos mensais, por meio de exames como a audiometria, o “teste da orelhinha” e a indicação e adaptação de prótese auditiva. Também é feita a orientação aos responsáveis sobre a surdez e o encaminhamento pedagógico e fonoaudiológico quando necessário. Além disso, os alunos do Colégio de Aplicação contam com o Núcleo de Orientação à Saúde do Surdo (NOSS), projeto que funciona como um espaço de reflexão, discussão e orientação, com ênfase na saúde sexual e reprodutiva.

 

Foto: Ana Branco/ AGÊNCIA O GLOBO

 

 

 

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