Neste carnaval fora de época, o grito encerrado na garganta por dois anos de pandemia eclodiu no Sambódromo com emoção e politização. Muitas escolas abordaram a negritude, a religiosidade e a cultura afro-brasileira, com uma alegria emoldurada de resistência em reação ao recrudescimento do racismo, do fascismo e da intolerância religiosa no país em tristes de tempos do retrocesso e Bolsonaro.

“Um dia meu irmão de cor / chorou por uma falsa liberdade / kao cabecilê sou de xangô / punho erguido pela igualdade”, cantou a Acadêmicos do Salgueiro.

Com o samba-enredo “Fala, Majeté! As sete chaves de Exu”, a Acadêmicos da Grande Rio desmistificou a imagem de um dosorixás mais importantes das religiões de matriz africana, mostrando que representa livramento e prosperidade.

A Portela contou a história do Baobá, árvore sagrada testemunha do tempo. Com o enredo “Igi Osè Baobá”, lembrou faces de resistência e ancestralidade: “Meu povo é resistência feito um nó / Na madeira do cajado de Oxalá / Força africana, vem nos orgulhar”, anunciou a Portela.

“Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”, foi este o enredo da escola que mostrou a contribuição intelectual negra para construção de um Brasil mais africano.

Um carnaval para ficar na história

“Quase todas as escolas apresentaram a temática racial. Quase todas falando do empoderamento, do racismo e que vidas negras importam. Foi um fenômeno.  Esse Carnaval entra para a história.  Nunca tinha visto de modo tão intenso”, encantou-se Haroldo Antônio da Silva, dirigente do Movimento Negro Unificado (MNU).

Para ele, isso foi movido pela necessidade de lutar contra a intolerância religiosa e o desrespeito em relação às religiões de matriz africana, desmistificando a ideia de que orixás são ligados ao mal.

“Foi poderosíssimo”, comemorou, destacando, por exemplo, a faixa da Beija-Flor: “Enquanto houver racismo não haverá democracia” e o enredo da Grande Rio (Escola campeã), (“Fala, Majeté! As sete chaves de Exu”), importantes na luta contra a intolerância.

“As escolas vieram debater a necessidade de construção da democracia racial.Porque, no Brasil, não existe”, denunciou, explicando que existe, sim, violência, trabalho escravo e ausência de direitos neste país onde o regime da escravidão mais durou; o último a construir a abolição.

Ele lembra que embora a Lei Aurea tenha extinguido a escravidão, acabou por lançar o negro em situação de indigência, sem qualquer reparação pelos 300 anos de escravidão. O Estado não cumpriu o mínimo, por exemplo a reparação com terras. Ao invés disso, deu incentivos e terras aos imigrantes. Para ele, o país terá que reparar, sim, com políticas de ações afirmativas.

Beija Flor – Estado de Minas