BdF Explica | Por que os povos indígenas acusam Bolsonaro de genocídio

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Restrospectiva traz a estratégia de destruição do governo e a reação dos povos originários

Murilo Pajolla | Brasil de Fato | Lábrea (AM) | 
Bolsonaro em encontro com indígenas na praça dos Três Poderes em Brasília em agosto de 2021 – ISAC NOBREGA / BRAZILIAN PRESIDENCY / AFP

Se tem uma coisa que podemos dizer sobre o presidente Jair Bolsonaro, é que ele cumpriu tudo o que prometeu que ia fazer em relação aos povos indígenas. E a única promessa dele foi não demarcar nenhum centímetro de terra indígena.

Nesta terça (19), no chamado “Dia do Índio”, o BdF Explica como o governo Bolsonaro colocou em prática uma política que, segundo as próprias organizações indígenas, não pode ter outro nome: é uma política genocida.

Antes de ser eleito, Jair Bolsonaro já se autodeclarava inimigo dos indígenas. Para quem acha que é exagero chamar ele de genocida, em 1998 ele disse à imprensa: “Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios”.

Mas ele chegou à presidência e, nas primeiras horas depois de tomar posse, já atuou para cumprir a promessa de campanha.

Bolsonaro tirou da Funai a competência de demarcar terras indígenas e entregou a atribuição de presente para o Ministério da Agricultura, sempre muito influenciado por ruralistas, que disputam as terras com indígenas.

O governo federal também transferiu a Funai do Ministério da Justiça, onde sempre esteve, para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado por Damares Alves.

Os povos indígenas obviamente não gostaram e protestaram bastante. Assim, cinco meses depois, o Congresso reverteu essas mudanças.

Pode tudo? 

Bolsonaro não desistiu de tentar sabotar a Funai, mas percebeu que precisava ser mais discreto e mudou a estratégia.

Em vez de defender os interesses dos povos indígenas, a “Nova Funai” – Bolsonaro batizou o órgão indigenista – facilitou a regularização de terras invadidas e passou a estimular a mecanização da lavoura dentro das terras indígenas.

A Funai nunca tinha distribuído tanto trator e tanta carreta. O Estado brasileiro passou a incentivar a introdução da lógica do agronegócio nas aldeias, o que as organizações indígenas rechaçam como sendo algo que destrói as culturas originárias.

O resultado ficou claro neste ano. Em março, um militar indicado pelo governo para chefiar uma unidade da Funai no Mato Grosso foi preso por comandar um esquema de arrendamento ilegal de terras indígenas. Em uma terra demarcada foram encontradas 70 mil cabeças de gado pertencentes a fazendeiros da região.

A indicação de militares para cargos de chefia foi muito prejudicial aos indígenas. Em fevereiro de 2021, 60% das coordenações da Funai na Amazônia eram chefiadas por militares. Eles substituíram indigenistas experientes e tornaram a gestão menos democrática e mais ineficiente.

O clima de “pode tudo” intensificou os conflitos no campo. Segundo o Conselho Missionário Indigenista, em 2020, foram 182 assassinatos de indígenas, 63% mais do que em 2019, quando 113 indígenas foram assassinados.

Ataques na pandemia

Mesmo com esse cenário crítico, o pior momento ainda não havia chegado: a pandemia de covid-19. Desde o começo, o governo foi acusado de negligência. As próprias comunidades se organizaram para formar barreiras sanitárias e impedir a entrada de não indígenas.

Indígenas que não vivem em aldeias só foram incluídos no grupo prioritário do Plano Nacional de Enfrentamento à covid porque organizações indígenas se mobilizaram e foram ao Supremo Tribunal Federal (STF). Antes disso, quase metade da população indígena tinha ficado de fora do planejamento.

A cloroquina, que o Bolsonaro disse ser a solução mágica para a pandemia, foi entregue aos montes para os distritos de saúde indígena. Só uma comunidade da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, recebeu o equivalente a 10 comprimidos por habitante.

Por tudo isso, os povos originários fizeram pressão para que o governo Bolsonaro fosse acusado de genocídio indígena pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado. Mas os senadores não aceitaram, e o governo se livrou da acusação.

A tragédia do garimpo ilegal

Enquanto tudo isso acontecia, o governo incentivava o garimpo ilegal em terras indígenas. Bolsonaro visitou a Terra Indígena Yanomami, assolada pela mineração, e defendeu a atividade, contrariando as lideranças indígenas presentes.

O governo federal editou um decreto para estimular o que chamou de “mineração artesanal”, um eufemismo para garimpo ilegal. Isso sem falar na tentativa de passar por cima da Constituição para permitir o garimpo e grandes projetos de infraestrutura em terras indígenas, por meio do Projeto de Lei (PL) 191/2020.

No território Yanomami, o garimpo provoca uma verdadeira tragédia social. Um relatório produzido pela associação que representa os indígenas descreveu um cenário de aumento de doenças, mortes, desnutrição e até abusos sexuais contra mulheres e crianças em troca de comida.

Para piorar, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, disse que os garimpeiros são tão vítimas quanto os indígenas, já que eles trabalham em condições insalubres.

Esse contexto de estímulo a invasões ficou bem evidente nos dados do desmatamento. Nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, a destruição da floresta em terras indígenas aumentou quase 140% em relação aos três anos anteriores.

Isolados em risco

A situação é ainda pior para os indígenas chamados isolados, aqueles que se refugiam dentro das matas. Eles optam por viver com pouco ou nenhum contato com a sociedade dos colonizadores e, por isso, não podem vocalizar suas demandas.

Para esses povos, o contato com o não indígena é especialmente perigoso, pois eles têm o sistema imunológico muito suscetível a doenças infectocontagiosas. Desde que Bolsonaro assumiu o governo, a Funai vem facilitando a entrada de não indígenas nos territórios.

O resultado, como sempre, é o aumento da devastação. Na terra indígena Piripkura, no Mato Grosso, por exemplo, o desmatamento aumentou 27 mil por cento em 2020 e 2021 em comparação com os dois anos anteriores.

Indígenas reagem

Mas durante todo esse período os indígenas reagiram. Enquanto o governo federal atacava os povos originários, as lideranças subiram o tom e se mobilizaram ainda mais.

Durante o Acampamento Terra Livre (ATL), já em abril de 2022, foram anunciadas candidaturas indígenas ao Congresso para formar a bancada do cocar.

No ano passado, advogados indígenas brasileiros fizeram algo inédito na história mundial: protocolaram uma denúncia no Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Bolsonaro por genocídio dos povos indígenas.

O cenário é de muita resistência ao projeto anti-indígena que Bolsonaro vem implementando no Brasil. É fundamental, para quem não é indígena, fazer o possível para apoiar essa luta.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

 

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