Caso Viagra serve para apontar explosão do uso de verbas do SUS por militares, diz especialista

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Autor de estudo que denuncia gastos indevidos de militares com a saúde pública vê “oportunidade” em polêmica

Paulo Motoryn | Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Francisco Funcia é consultor da Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde – Divulgação/ALRS

Cobranças por explicações, piadas e memes deram o tom das reações à notícia de que o Ministério da Defesa aprovou a compra de 35.320 comprimidos de Viagra para o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. A substância é conhecida por tratar casos de disfunção erétil. O caso, no entanto, deve servir como “oportunidade” para tratar de assunto sério. A constatação é do economista Francisco Funcia, consultor da Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e vice-presidente na Associação Brasileira de Economia da Saúde.

Funcia é um dos autores de um estudo que aponta que o uso de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Ministério da Defesa bateu recorde no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). As informações constam em documento divulgado pelo CNS em fevereiro deste ano. Clique aqui para baixar o documento na íntegra.

“O caso do Viagra é uma boa oportunidade para trazer o debate. A divulgação dessa questão que chamou mais atenção nos permite levantar algumas questões”, disse Funcia, em entrevista ao Brasil de Fato. “No boletim, a gente observa o crescimento que vem tendo a descentralização de gastos com saúde sendo realizadas pelo Ministério da Defesa”, declarou.

De acordo com o relatório produzido pelo economista, em 2019 o valor anual de verbas do SUS direcionadas à saúde dos militares chegou a R$ 350 milhões. Dois ano depois, em 2021, a cifra chegou a R$ 355 milhões, quebrando novamente o recorde da série histórica, de 2013 a 2021.

Na gestão da presidente Dilma Rousseff (PT), a média anual do uso de recursos do SUS pelos militares era de R$ 88 milhões, considerando o período analisado, de 2013 a 2015. Sob o comando de Michel Temer (MDB), o valor já havia dado um salto, com média de R$ 245,5 milhões anuais.

O levantamento de Funcia foi divulgado em uma publicação sobre a evolução dos gastos federais do Sistema Único de Saúde, produzida pelo CNS, órgão que reúne representantes da sociedade civil e do poder público.

O estudo também teve participação de Rodrigo Benevides, mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Os números foram levantados na plataforma SigaBrasil e mostram a “explosão” de verbas do SUS para o Ministério da Defesa.

O órgão fica atrás apenas do Ministério da Educação, que conta com uma rede de hospitais universitários pelo país. No mesmo período, no entanto, houve queda nas verbas recebidas pelo MEC.

Evolução das despesas da Defesa com recursos do Ministério da Saúde:

Evolução das despesas do MEC com recursos do Ministério da Saúde:

O relatório aponta ainda que o Ministério da Defesa gastou mais de R$ 150 milhões em verbas do SUS com despesas que não estão ligadas à saúde pública, como o conserto de aviões e a compra de equipamentos para escritórios das Forças Armadas no exterior.

“Isso nos remete para a necessidade de uma auditoria sobre esses gastos que estão sendo feitos de forma descentralizada por outras unidades do governo federal. Precisaria ver, à luz da lei, se eles atendem todos os requisitos que a legislação estabelece como ações de serviços públicos de saúde, especialmente que seja direcionada a ações de acesso universal, e não só direcionadas a um público específico”, explica Funcia.

É possível enxergar o “caso Viagra” de uma maneira mais aprofundada?

A discussão vai para além de uma simplificação do Viagra ou da prótese peniana. É claro que essas coisas têm um efeito simbólico. Porém, a área da saúde, no caso do Viagra, aponta para o uso que se faz dele em tratamentos. Há uma questão central que eu acho que a gente precisa aprofundar. O caso do Viagra é uma boa oportunidade para trazer o debate. A divulgação dessa questão que chamou mais atenção nos permite levantar algumas questões.

O que o boletim do CNS antecipava sobre esse debate do gasto de recursos de saúde pelos militares?

Nós já havíamos levantado que há uma série de despesas que são consideradas como ações de serviços públicos de saúde, definidas pela Lei Complementar 141, aqueles serviços de acesso universal, sem clientela fechada ou específica, que estão sendo computadas para o cálculo da aplicação mínima federal em saúde. Isso precisa ser questionado, precisa ser objeto de auditoria do próprio Departamento Nacional de Auditoria da SUS (DenaSUS).

Quais são os gastos que não parecem ser direcionados à saúde pública?

Nós estamos colocando isso porque há despesas com combustíveis de aeronaves de unidades militares no exterior. Há gastos que eram para o combate à covid-19, por exemplo, que foram para peças e equipamentos de para aeronaves, e até para escritórios e estruturas de comandos militares que estão sediados no exterior. A gente observa, inclusive, o crescimento que vem tendo a descentralização de gastos com saúde pelo Ministério da Defesa.

Quais ações podem ser adotadas diante das evidências do gasto de recursos da saúde de forma indevida?

Isso nos remete para a necessidade de uma auditoria sobre esses gastos que estão sendo feitos de forma descentralizada por outras unidades do governo federal. Precisaria ver, à luz da lei, se eles atendem todos os requisitos que a legislação estabelece como ações de serviços públicos de saúde, especialmente que seja direcionada a ações de acesso universal, e não só direcionadas a um público específico.

Edição: Felipe Mendes

 

 

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