Entrevista ao Jornal A Verdade

A Verdade conversou com Esteban Crescente, 34 anos, coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj). Servidor da universidade desde 2014, Esteban já foi diretor da UNE e do DCE-UFRJ e hoje é uma das principais lideranças sindicais do Rio de Janeiro, além de presidente estadual da Unidade Popular (UP). Nesta entrevista, ele denuncia a política de precarização do serviço público aprofundada pelo governo Bolsonaro e aponta quais caminhos o movimento sindical deve seguir para reverter as reformas neoliberais e reconquistar os direitos trabalhistas retirados nos últimos anos.
Heron Barroso, Rio de Janeiro (RJ)

A Verdade – Os servidores públicos federais estão há vários anos sem reajuste salarial. Qual o tamanho exato desse arrocho e como isso se reflete no serviço prestado à população?
Esteban Crescente – Primeiramente, eu gostaria de saudar o trabalho exemplar do jornal A Verdade como elemento de conscientização social e organizador coletivo da classe trabalhadora. Digo isso, enquanto brigadista do jornal, condição da qual muito me orgulho. Em relação ao arrocho salarial, há 5 anos sofremos sem reajuste. O último foi em 2017, fruto da greve de 2015. Durante os 4 anos de Bolsonaro na Presidência, os
servidores federais acumularam 20% de perda inflacionária com salários congelados. As consequências dessa perversidade são sentidas na pele pelo conjunto da população, principalmente no que se refere ao atendimento precarizado ao cidadão e à redução da quantidade de servidores em vários órgãos. É comum colegas servidores acumulando vínculos de trabalho em mais de um local para dar conta da renda, o que leva à sobrecarga de trabalho e ao estresse. Importante lembrar que, ao contrário de setores da iniciativa privada, a lei não obriga o governo a conceder aumentos anuais para corrigir a inflação com dissídio.

As condições de trabalho também pioraram muito nos últimos anos. Quais as causas disso?
Fundamentalmente, essa piora tem a ver com os cortes orçamentários para manutenção e investimento dos órgãos. O volume de cortes em áreas sociais desde 2017 teve forte incremento fruto da Reforma do Teto de Gastos (EC-95), que congelou o investimento em áreas sociais por 20 anos. Somente na Educação, as perdas chegam a 30 bilhões. É verdade que antes já ocorriam cortes de verba, mas, desde o golpe de 2016, a burguesia vem acelerando o desmantelamento do Estado brasileiro e impondo várias reformas antipovo, o que impede a melhoria de infraestrutura de prédios, pagamento de serviços de manutenção e leva à piora do trabalho e do atendimento à população.

No caso das universidades federais, quais os maiores impactos dessa política de cortes?
Os cortes orçamentários nas universidades geram o quadro grave de paralisação de pesquisas, precarização de condições de ensino e até mesmo atendimentos de saúde nos hospitais universitários.
Mas, a situação mais dramática é do contingente de estudantes de baixa renda, hoje a maioria nas universidades públicas, que deixam de receber bolsas de assistência e permanência. É cada dia mais comum casos de estudantes vistos nos corredores com fraqueza por estarem com fome. A evasão dos cursos nas universidades também cresceu. Vale dizer que dinheiro não falta. Em 2022, o corte de verba do MEC foi de R$ 7 bilhões, enquanto a destinação de orçamento secreto para deputados do Centrão aliados de Bolsonaro foi de R$ 18 bilhões.

O aumento da terceirização no serviço público, incluindo os hospitais universitários, trouxe algum benefício para as universidades?
Ao contrário! O aumento da terceirização trouxe precarização e superexploração da força de trabalho, principalmente nos setores de limpeza, vigilância e manutenção, mas está avançado também para mais funções. O que vemos é o conflito entre vínculos, servidores e terceirizados com direitos, atribuições e ordens de chefias diferentes. Para piorar, as empresas terceirizados constantemente cortam ou atrasam salários, perseguem politicamente e demitem quem ousa questionar esta opressão.

Um dos objetivos do governo federal é fazer uma reforma administrativa no serviço público. Quais são os principais pontos dessa reforma e por que ela é uma ameaça ao funcionalismo?
O primeiro objetivo da Reforma Administrativa é abrir o setor público para a gestão privada, via empresas privadas ou OS (Organizações Sociais), que assumem a gestão como intermediários sem vínculo direto com os órgãos. No Rio de Janeiro, a experiência das OSs na Saúde é desastrosa. Na prática, o acesso do público aos serviços essenciais vai piorar, na medida em que haverá descontinuidade de serviços ou mesmo cobrança financeira. Em segundo lugar, a proposta do governo visa acabar com os concursos públicos e adotar a política da indicação e apadrinhamento de comissionados. Somado ao fim da estabilidade dos servidores públicos, essa medida rebaixará os salários e transformará os trabalhadores em “servidores de governo” e não de Estado. Sem a estabilidade, acaba a condição do servidor de denunciar ou negar-se a participar de ilegalidades, sejam de chefias diretas ou mesmo do alto escalão do governo. Por fim, o governo Bolsonaro quer eliminar órgãos ou instituições públicas sem consulta prévia
ao Congresso Nacional, entre elas universidades e institutos de pesquisa. No ano passado, o movimento unificado dos servidores públicos conseguiu impedir o andamento da Reforma Administrativa, mas, novamente, Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, querem aprovar a todo custo esse projeto de destruição do serviço público.

Nesse cenário, qual deve ser a atitude do movimento sindical?
O movimento sindical dos servidores públicos federais precisa convocar as bases para a luta e mobilização de rua. Devemos seguir o exemplo de categorias como a Enfermagem, que aprovou o Piso Salarial Nacional, ou os trabalhadores da limpeza urbana do Rio e da Paraíba, que conquistaram ganhos acima da inflação. Mesmo num momento tão difícil como o que vivemos, a mobilização unitária da categoria é a única que pode arrancar vitórias. Além disso, o movimento tem que dialogar com a população e ter aliança direta com diversos setores da nossa classe, em especial os estudantes e os companheiros terceirizados. A conquista de serviços públicos na forma de direitos sociais como saúde,
educação, previdência, assistência social, etc., é resultado de dois séculos de luta da classe trabalhadora.
Os trabalhadores do serviço público devem mostrar isso para a população e chamá-la a defender esse importante patrimônio. O tipo de Estado que Bolsonaro, os generais golpistas e os banqueiros querem é a ditadura, com máxima força de repressão e toda a estrutura do país na mão dos grandes empresários. Não podemos permitir isso!