“É sim um esquema de corrupção”, diz autora do livro “O Negócio do Jair”

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Livro relata como Bolsonaro se valeu da política para aumentar seu patrimônio que saiu de uma Fiat Panorama para 107 imóveis, sendo 51 comprados em dinheiro vivo

Escrito por: Rudolfo Lago / Congresso em Foco

Todo empreendimento, para funcionar bem, precisa ter um organograma, uma detalhada organização de tarefas. A família Bolsonaro atua na política como se tal atuação fosse um empreendimento. No topo da organização, está o presidente Jair Bolsonaro. E abaixo seus três filhos com mandato parlamentar. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) é o seu braço de relacionamento político de fato, com partidos e parlamentares. Não por acaso é agora o coordenador da sua campanha à reeleição. O vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) é o responsável pela sua estratégia de comunicação via redes sociais. E o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o responsável pelas conexões internacionais, com os ideólogos dos movimentos de direita que crescem pelo mundo.

Abaixo dos três, há uma extensa rede de operadores. Funcionários fantasmas. Outros parentes da família e parentes dos demais operadores que atuam nos bastidores. Para recolher parte dos salários de outros funcionários ou para atuar de forma velada em determinadas atividades. Um negócio no qual, por uma década, teve papel de destaque a ex-mulher de Bolsonaro Ana Cristina Siqueira Valle, mãe de Jair Renan, o filho 04 de Bolsonaro. A toda essa organização, foi Ana Cristina quem a batizou de “O Negócio do Jair”, conta a jornalista Juliana Dal Piva, do portal UOL. E foi assim que Juliana batizou o livro que escreveu sobre o esquema, recém-lançado pela editora Zahar.

“É, sim, um esquema de corrupção e desvio de dinheiro público”, assegura Juliana Dal Piva nesta entrevista ao Congresso em Foco. Em O Negócio do Jair – A História Proibida do Clã Bolsonaro, Juliana relata como Bolsonaro valeu-se da política, colocando também nela seus três filhos mais velhos, para fazer com que seu patrimônio e o de sua família crescessem de um automóvel Fiat Panorama e uma linha telefônica, quando se elegeu pela primeira vez vereador, para a posse de 107 imóveis, dos quais 51 comprados, pelo menos em parte, com dinheiro vivo.

O livro é o resultado das apurações que Juliana, como repórter, veio colhendo desde que começou a cobrir, antes de 2018, o nascimento da candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Uma candidatura que, desde o início, chamava a atenção por ter contornos diferentes. Bolsonaro não tinha um marqueteiro, como os demais candidatos, e construía sua campanha especialmente no uso massivo das redes sociais, de uma forma muitas vezes agressiva, com fake news, desinformação e ataques contra os adversários.

Logo no início, destacou-se nesse sentido a atuação de Tércio Arnaud Tomaz. Oficialmente, ele era então assessor do gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara de Vereadores do Rio. Mas, na prática, trabalhava na campanha de Bolsonaro à Presidência. Arnaud depois viria a ser um dos nomes associados ao chamado Gabinete do Ódio na Presidência depois da posse de Bolsonaro. “Quando explodem as informações do Coafi [sobre o esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro como deputado estadual no Rio de Janeiro], várias coisas que eu vinha apurando começam a fazer sentido”, afirma Júlia, referindo-se a essas conexões e à forma como atuavam figuras como Tércio Arnaud Tomaz.

22 da família de Bolsonaro. 18 de Ana Cristina

Segundo Juliana, além dos funcionários fantasmas, há também muito nepotismo. O próprio Jair Bolsonaro chegou a ter 22 pessoas da sua família trabalhando no seu gabinete e nos gabinetes dos filhos. Ana Cristina Valle chegou a ter 18.

Andréa Siqueira Valle, ex-cunhada de Bolsonaro, irmã da Ana Cristina Valle, afirmou que entregava todo mês R$ 7 mil do seu salário de volta. André, outro irmão, acabou sendo exonerado porque, segundo o relato, não devolveria a quantia certa. “Andréa foi funcionária fantasma da família Bolsonaro por cerca de 20 anos”, diz Juliana.

Hoje, há uma investigação sobre esquema de rachadinha envolvendo Flávio Bolsonaro, que é acusado pelo Ministério Público de peculato, lavagem de dinheiro e de ser líder de uma organização criminosa. Há outra ação por razão semelhante contra Carlos Bolsonaro. E há uma ação civil pública, do Ministério Público de Brasília, contra o próprio Jair Bolsonaro, por causa da história de Walderice da Conceição, a Wal do Açaí, que seria funcionária fantasma do gabinete do hoje presidente quando deputado federal enquanto, na verdade, atuava como uma espécie de caseira na casa de veraneio que ele tem na cidade de Mambucaba, região de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

Segundo Juliana, na primeira campanha política de Bolsonaro, para vereador, ele declarou à Justiça Eleitoral ser proprietário somente de um automóvel Fiat Panorama, de uma linha telefônica e de dois terrenos, que formalmente nos cartórios não constavam.

Depois, em 1995 e 1996, ele comprou a casa em Mambucaba e um apartamento no bairro do Maracanã, no Rio de Janeiro. De acordo com Juliana, é somente depois que ele se une a Ana Cristina Valle que se inicia uma enorme expansão patrimonial. No período em que os dois estiveram juntos, eles compram 14 imóveis, cinco com dinheiro vivo.

Ao mesmo tempo, os filhos entraram para a política. Ele chegou a dizer na época que ia “sarneyzar” o Rio de Janeiro, numa referência a José Sarney, cujos filhos Roseana e Sarney Filho também seguiram na política.

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