Quem sabe que a primeira dama do samba, Dona Ivone Lara, era enfermeira e foi pioneira na utilização de musicoterapia para pacientes? E que Neusa Santos Souza era uma psiquiatra, psicanalista e escritora que foi referência nos aspectos sociológicos e psicanalíticos da negritude no Brasil inaugurando o debate sobre o racismo no Brasil? Essas duas personalidades negras foram o tema do evento do GT Antirracista do Sintufrj de quarta-feira, 16 de julho, realizado em parceria com o NIDAANS/IPUB (Núcleo de Inclusão, Diversidade, Acessibilidade e Ações Afirmativas Neusa Santos Souza) e Centro de Estudos do Instituto de Psiquiatria da UFRJ.
As palestrantes foram Luciana Alleluia (Fiocruz-CE) e Geiza Karla (Programa de Pós-Graduação em Saúde/Uerj). A mediação coube a integrante do NIDAANS, Solanne Alves. O debate foi realizado no Auditório Leme Lopes e transmitido ao vivo através do canal do IPUB no Youtube e está gravado para acesso dos interessados. Ao final do evento foi exibido o vídeo “Mulheres Inspiradoras” produzido pelo Sintufrj e sorteado pelo GT Antirracista dois livros sobre questões raciais e de gênero, com foco em autoras negras. No debate estiveram presentes os coordenadores do Sintufrj, Hilem Moisés, Norma Santiago, Maria Lenilva e José Carlos Xavier.
A mediadora Solanne Alves abriu o evento destacando a importância do tema. “São personalidades que fizeram diferença no cotidiano da vida das pessoas e no trabalho. E são referência para os estudos na área de saúde mental e que por muito tempo ficaram silenciadas em seus estudos e na sua importância. O que estamos fazendo é um movimento para trazer à cena essas intelectuais, essas personalidades negras, pois é também um movimento de reparação. Trazer à cena essas personalidades que nos inspiram e que orientam nosso trabalho hoje, não só na saúde mental, também em outras áreas.”
O coordenador de Organização e Política Sindical. Hilem Moisés, celebrou a parceria com o NIDAANS e o Centro de Estudos do IPUB. “A gente vem caminhando com esse trabalho já faz um tempo, focado no ramo da educação, do conhecimento, da informação, e viemos aprendendo, trocando, abrindo o coração como acontece em tantas reuniões nossas. E o acesso a todo esse conhecimento e a tanta boa informação é uma alegria.”
A coordenadora de Políticas Sociais e coordenadora do GT Antirracista, Norma Santiago, expressou a importância do evento e da parceria. Ela convidou a todos a participarem da reunião do GT Antirracista dia 20 de agosto e do GT Mulher dia 14 de agosto. Ao final do debate exibiu o vídeo Mulheres Inspiradoras, ressaltando a importância da história e da luta das mulheres negras.
“Eu vim de lá, eu vim de lá pequenininha. Alguém me avisou para pisar nesse chão devagarinho, mas vamos pisar com força. Somos insistentes e resistentes. Eu ainda sou “insistente” social. E digo que esse espaço de fala e de troca é muito importante para todos nós. Não vamos sair daqui como chegamos, porque realmente o conhecimento liberta. Estamos aqui, aprendendo e vendo que o mundo não é como pintam para a gente. Tem muita gente boa. Mulheres negras fazendo história. Nós tivemos história e se estamos aqui alguém veio antes. Para pisar nesse chão e com força, não devagar.”
Nas considerações finais, a enfermeira e especialista em saúde mental, Luciana Alleluia, agradeceu a oportunidade de falar sobre essas mulheres “incríveis” incentivando o público a pesquisar e conhecer mais sobre elas. Ela discorreu sobre Dona Ivone Lara e chamou a atenção para a relevância da pauta sobre o racismo. Destacou a importância do NIDAANS, informando que ele surgiu da necessidade de as mulheres não estarem sozinhas. Tornando-se assim uma instituição que aborda questões de raça e interseccionalidade. O seu discurso celebrou a criação de um espaço de resistência e acolhimento, reconhecendo a importância do “aquilombamento” e a possibilidade de criar novos espaços de discussão e apoio.
A psicanalista e psicóloga, Geiza Karla, que pesquisa a racialidade a partir da psicanálise, falou sobre Neusa Santos, comemorando a importância de um espaço para troca de experiências entre profissionais, destacando a relevância da união e do coletivo, especialmente de mulheres negras, para o desenvolvimento pessoal e profissional. Em sua fala homenageou Neusa Santos como inspiração para mulheres e pesquisadoras, ressaltando a importância de manter a memória e o legado para as gerações futuras. Ela expressou gratidão e alegria em compartilhar suas reflexões, enfatizando a importância do fortalecimento mútuo e da celebração da vida.
Dona Ivone Lara
Ivone Lara era enfermeira e usou musicoterapia no cuidado com pacientes psiquiátricos ou nas composições marcantes que a tornaram uma musicista singular. Dona Ivone dedicou 37 anos de trabalho como enfermeira e assistente social no serviço de doenças mentais.
Ela trabalhou na equipe da médica Nise da Silveira, que revolucionou o tratamento psiquiátrico no Brasil com ações humanizadas em contraste aos procedimentos agressivos como eletrochoques e lobotomia.
Nise da Silveira passou a tratar os pacientes com a utilização das artes, tais como visuais e plásticas. Dentre os episódios envolvendo Dona Ivone Lara tem o de que ela sugeriu para Nise que ela criasse uma salinha com instrumentos musicais no Hospital do Engenho de Dentro.
Neusa Santos Souza
Foi uma psiquiatra, psicanalista e escritora brasileira. Sua obra é referência sobre os aspectos sociológicos e psicanalíticos da negritude, inaugurando o debate contemporâneo e analítico sobre o racismo no Brasil. Nascida em Cachoeira, Bahia, formou-se em medicina pela Universidade Federal da Bahia e tornou-se psiquiatra e psicanalista de orientação lacaniana.
Estabeleceu-se no Rio de Janeiro onde adquiriu o título de Mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Conviveu com intelectuais e deu importante contribuição na luta contra a discriminação racial.
Sua dissertação de mestrado deu origem à obra “Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social”, considerado um marco da psicologia preta no Brasil.