Qual a marca das duas primeiras semanas do governo Bolsonaro? Evidenciam-se, face aos acontecimentos, duas características muito bem definidas: a combinação explosiva de ímpeto destrutivo dos pilares fragilizados do Estado brasileiro e a confusão digna de um time de várzea, sem esquema tático, a correr pelo campo distribuindo caneladas, com pequenos lances dignos de figuração nas “videocassetadas” das tardes de domingo na TV.
Em poucos dias, o governo Bolsonaro, através do MEC, alterou um edital permitindo publicidade, erros de português e ausência de bibliografia em livros didáticos, para voltar atrás no dia seguinte e anular a aberração; por meio do chefe da Casa Civil, na ânsia de produzir símbolos ideológicos e falsos de “desaparelhamento da máquina pública”, exonerou até os responsáveis pelas exonerações e travou o governo, impedindo novas demissões; e, por intermédio da equipe econômica, desmentiu o próprio presidente eleito, que anunciou medidas ainda não combinadas entre o mercado e seus subordinados.
Em paralelo, um show de pequenas chinelagens explicitou a inépcia e a desfaçatez: o filho do vice-presidente foi alçado a um posto na carreira de um banco público com remuneração exorbitante, em um claro indício do que conhecemos por nepotismo; a titular do Ministério da Família condenou a teoria da evolução das espécies, de Darwin, em grotesca manifestação contra a ciência; o “Caso Queiroz” continua sem explicações, com nova falta ao depoimento marcado e a mudança de parentes para São Paulo.
Assusta, no entanto, que este combo espantoso de incompetência e a fome de dez leões para impulsionar uma agenda recessiva mantenha-se bailando livre pelo campo. A anestesia das forças democráticas parece ser de efeito prolongado, aumentando a confusão provocada pela avalanche de declarações destrambelhadas e atos grotescos. Persiste, no entanto, a disposição anunciada de destruir o patrimônio nacional, entregar os bancos públicos ao comando do rentismo, dilapidar a aposentadoria dos trabalhadores, incinerar os serviços públicos, atacar a ciência e a cultura e enterrar as relações internacionais.
Já dizia o ditado: “quem tem que torcer é quem apostou no cavalo”. O nosso papel é outro: é preciso, mais do que nunca, reacender o debate sobre o direito ao trabalho digno, recolocar a questão distributiva e o combate às desigualdades sociais no centro da agenda, proteger o emprego, defender os serviços públicos, a educação crítica e emancipadora e enfrentar os ataques aos direitos do povo trabalhador e à soberania nacional.