Seria cômico se não fosse trágico: a sucessão de nomeações inexplicáveis, declarações absurdas e iniciativas retrógradas sinaliza que o Ministério da Educação, que no passado recente impulsionou uma formidável expansão do ensino superior e técnico no Brasil, ampliando e democratizando o acesso à educação, tornou-se um depósito de trapalhões, reacionários e descompensados. O estrago que estes farão na educação brasileira é algo que ninguém consegue estimar – só temer.
A lista de atrocidades começou com a intervenção no Instituto Nacional de Educação de Surdos: rompendo com a tradição, o ministro Ricardo Vélez Rodríguez nomeou para dirigir a instituição o candidato derrotado na consulta realizada pela instituição. O novo dirigente, inclusive, havia assinado um documento comprometendo-se a respeitar a vontade da comunidade acadêmica. Para piorar, vídeos produzidos pela premiadíssima TV INES, produtora de conteúdo para a população surda, simplesmente “desapareceram” do portal. Por uma “coincidência”, os programas retirados do ar abordavam vida e obra de pensadores como Rosseau, Marx, Gramsci, Nietzsche e Benjamin, e temas como população indígena e luta contra a aids.
Mas a questão não parou por aí: o MEC resolveu passar da censura ao realismo fantástico e, em nota oficial publicada nas redes sociais, escrita em maiúsculas (o que, na internet, indica que a pessoa está “gritando” com o interlocutor) e repleta de erros de português, acusou o jornalista Ancelmo Gois, responsável pela divulgação da notícia, de ser “treinado pela KGB, serviço secreto da União Soviética”, e de mentir para enganar os leitores. A nota – uma pérola da paranoia delirante que costuma aparecer com vigor nos pronunciamentos do ministro – afirma que a retirada dos conteúdos aconteceu durante o governo Temer, mas não explica os vários prints que provam que alguns programas ainda estavam no ar na primeira semana de janeiro.
Também causou espanto a nomeação da advogada Maria Eduarda Manso Mostaço, de 27 anos, como coordenadora-geral de formação de professores na Secretaria de Alfabetização. Se o secretário, Carlos Francisco Nadalim, defensor do ensino domiciliar e dono da escola Mundo do Balão Mágico, já havia despertado desconfiança, o nome de Mostaço, sem qualquer experiência profissional ou formação na área, foi recebido como uma bomba. Mostaço junta-se ao inexpressivo time de ex-alunos de Rodríguez e discípulos de Olavo de Carvalho no comando da educação brasileira.
Fechando o vendaval de notícias ruins, o próprio titular da pasta, ministro Rodríguez, concedeu entrevista para as “páginas amarelas” da revista Veja e destilou um repertório assombroso de ideias de jerico: defendeu a cobrança de mensalidades nas universidades públicas, a extinção do sistema de cotas, a nomeação de reitores a partir de um “banco de currículos”, a necessidade de uma “faxina ideológica” na educação brasileira, “dominada pelos marxistas”, e confessou a vontade de homenagear seu guru Olavo de Carvalho com um busto na entrada do MEC. O ministro afirmou também que a universidade deve abrigar apenas uma elite intelectual, e não ser um direito universal, já que “nem todos estão preparados” para fazer parte desta elite, e coroou o festival de impropérios com uma “peculiar” observação sobre o país que o acolheu (Rodríguez é colombiano): “O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem que ser revertido na escola”.
Em apenas 30 dias, Rodríguez e seus pupilos conseguiram atacar pilares fundamentais da educação, como o caráter plural do ensino e a gratuidade, e protagonizar cenas lamentáveis. Embora caricata, a malta que ocupa o ministério é perigosa e disposta a patrocinar uma viagem sem escalas rumo ao obscurantismo. Urge ligar o alerta e preparar, desde já, a comunidade universitária e a sociedade brasileira para defender a educação pública, antes que o trator bolsonarista faça um estrago irreversível por gerações.