MUNDO TÃO DESIGUAL III Robin Hood às avessas

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Cobrança de impostos favorece a concentração de renda e aprofunda a desigualdade social no mundo e no Brasil

Empresas e pessoas ricas devem pagar parcela mais justa de impostos a fim de favorecer serviços públicos e proteção social. Essa é uma das recomendações do relatório “Bem público ou riqueza privada?” produzido pela Oxfam, ong presente em 93 países e que discute as causas das desigualdades.

Segundo a Oxfam, em vez de incidirem sobre a riqueza, os impostos estão recaindo sobre os trabalhadores. Super-ricos e grandes empresas estão pagando o menor nível de impostos em décadas, diz o relatório. Os governos agem como Robin Hood às avessas.

O estudo da ong tem amplitude global. Está lá a constatação de que a riqueza está particularmente subtributada. Apenas 4 centavos em cada dólar de receita fiscal vêm de impostos sobre a riqueza.

Em alguns países como o Brasil e o Reino Unido, aponta o relatório, os 10% mais pobres pagam atualmente uma proporção maior de sua renda em impostos do que os 10% mais ricos.

A sonegação alcança um volume escandaloso no Brasil e em outras partes do planeta. Pelos cálculos dos economistas da ong britânica, os super-ricos estão ocultando US$ 7,6 trilhões das autoridades tributárias. E as grandes empresas lançam mão de truques da engenharia financeira para também esconder imensas quantias no exterior. Juntos eles privam os países em desenvolvimento de US$ 170 bilhões por ano.

Em poucas mãos

O relatório da Oxfam mostra que a desigualdade não é inevitável, e ressalta: “Nenhuma lei da ciência econômica diz que os mais ricos devem ficar cada vez mais ricos enquanto as pessoas em situação de pobreza morrem por falta de remédios”.

O documento acrescenta: “Não faz sentido haver tanta riqueza em tão poucas mãos quando esses recursos poderiam ser usados para ajudar toda a humanidade. A desigualdade é uma escolha em termos de política pública”.

Os governos têm funcionado como Robin Hood às avessas e vêm reduzindo tanto a alíquota mais alta de imposto de renda de pessoas físicas quanto a de imposto de renda das empresas no longo prazo. As várias isenções e brechas na lei fazem com que as alíquotas realmente pagas por ricos e empresas sejam ainda mais baixas.

Como resultado, em alguns países os mais ricos estão pagando os impostos mais baixos dos últimos 100 anos. Na América Latina, por exemplo, a carga tributária efetiva para os 10% com maior renda é de apenas 4,8%.

Em alguns países, quando se consideram os impostos pagos sobre rendimentos e sobre o consumo (imposto sobre o valor agregado, IVA), os 10% mais ricos estão pagando menos impostos do que os 10% mais pobres.

Impostos efetivos para os 10% que pagam menos e os 10% que pagam mais no Brasil
e no Reino Unido
Fonte: INESC 2015 e UK Office for National Statistics 2018

Brasil deixa de arrecadar R$ 900 bilhões

Rafael Georges é um dos especialistas que no livro A Reforma Tributária Necessária – Diagnósticos e premissas, lançado em agosto de 2018, discute qual a reforma tributária que o país realmente precisa para a cobrança de impostos ser mais justa.

Segundo ele, uma reforma tributária progressiva é a principal e mais urgente medida que pode ser tomada para a redução da desigualdade no Brasil. “O enfrentamento da desigualdade passa, ainda, pela revogação do Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95), do governo federal, que cria uma competição entre gastos sociais; pela revogação de partes da reforma trabalhista, que colaboram para a precarização da condição dos trabalhadores; e por uma forte agenda de investimentos em educação”.

O professor da Unicamp Eduardo Fagnani coordenou os trabalhos de elaboração do livro e acrescenta: “Se somadas as isenções fiscais concedidas hoje pela União (cerca de R$ 370 bilhões) e a sonegação tributária (cerca de R$ 500 bilhões), o valor que o Brasil deixa de arrecadar com impostos se aproxima dos R$ 900 bilhões, isso sem contar que estados e municípios também concedem benefícios fiscais”.

RAFAEL GEORGES. Investigação sobre política tributária
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