Pesquisadores na corda bamba

Compartilhar:

Cortes de bolsas das agências de fomento é sentida por pesquisadora que estuda tratamento contra câncer

É possível que não seja concluída a pesquisa da biomédica pela UFRJ Gabriella Pinheiro, 25 anos, sobre a eficácia do vírus da Zica na luta contra o câncer. Ela foi a primeira colocada na seleção para doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas da UFRJ, que tem conceito máximo na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em agosto, mas este mês foi informada que não há bolsa para ela.

Gabriela foi uma das atingidas pelo corte de 5.613 bolsas Capes (que se somou ao congelamento de 6.198 bolsas no 1º semestre de 2019) anunciada no dia 2 de setembro pelo governo, mas agora, ela conta com a sorte, ou seja: Quem sabe o seu nome constará da lista das 3.182 bolsas do Capes que Bolsonaro decidiu, na quarta-feira, 11, devolver aos pesquisadores? A   mobilização da sociedade científica e das instituições federais de ensino superior obrigou que houvesse o recuo.

A UFRJ divulgou nota de repúdio aos cortes das bolsas Capes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) convocou greve-geral da pós-graduação, da ciência e da tecnologia para o dia 2 de outubro.

Desabafo – “Com a emoção à flor da pele”, Gabriella fez um desabafo pelo Facebook, no dia 3 de setembro, que viralizou: “Minha carreira de pesquisadora terá que ser interrompida. Para quem não sabe, os alunos da pós-graduação trabalham sim, muitas vezes mais de oito horas por dia e sem direito a férias e a 13º salário. Nosso salário é chamado de bolsa, o que faz muita gente pensar que ganhamos para estudar”. O valor da bolsa da estudante é R$ 2.200,00.

Pesquisa para

salvar vidas

Durante a graduação e mestrado, Gabriella trabalhou em projeto sobre o câncer cerebral mais maligno, conhecido como glioblastoma, que, segundo ela, ainda não tem tratamento eficaz e 15 meses é o tempo previsto para a sobrevivência do paciente após o diagnóstico da doença. “Logo, é de extrema importância para esses pacientes e suas famílias que seja descoberto um novo tipo de tratamento”, observa.

E há uma luz no fim do túnel. Dados do grupo de trabalho de Gabriella e de outros grupos de pesquisa mostram que o vírus da Zika é capaz de infectar e matar apenas as células tumorais dos pacientes com glioblastoma, sem afetar as saudáveis. A tarefa da estudante no projeto é compreender por que o vírus tem essa predileção e que modificações é capaz de induzir no tumor.

A previsão de Gabriella é que em dois ou três anos terá concluído o estudo, que resultará em novos tratamentos para esse tipo de câncer. “A gente está com muita esperança nesse projeto e vamos fazer tudo para continuar”, disse a pesquisadora disposta a esperar que a situação (dos cortes) se reverta. “O corte não afetou somente a minha carreira, mas a vida de todas as pessoas atingias por todas as pesquisas interrompidas, por cada medicamento que não será desenvolvido e por cada cura cada vez mais distante”, concluiu.

Vaquinha  

A incerteza levou Gabriella a pensar numa alternativa para os seis primeiros meses do doutorado pelo menos. O site Vakinha foi a solução encontrada, e desde 5 de setembro, aceita doações. Ela pretende juntar R$ 13.200,00 e até o dia 10 as contribuições somavam R$ 4.795,00. Entre as pessoas que manifestaram apoio a pesquisadora no Facebook estavam parentes de pacientes com a doença. “Ler os relatos deixa tudo mais real e dá mais sentido ao que faço, me motivando a querer continuar”, afirmou.

COMENTÁRIOS