Muita gente não tem ideia de como tem sido difícil o dia a dia dos profissionais de saúde que estão à frente do combate ao novo coronavírus. Como qualquer um de nós, eles temem pela vida deles e pela da família. Sofrem e têm medo. Mas todos os dias se enchem de coragem e, durante horas seguidas, lutam contra a morte.
A técnica de enfermagem Marília Barreiro, que atua na linha de frente da Emergência Covid, no Hospital Universitário, fala da sua rotina diária desde o momento em que acorda.
“Amanheço com o coração cheio de expectativas, dúvidas e ansiedade. Mas saio para o plantão com fé e a certeza de que venceremos mais um dia”, inicia Marília seu relato.
Os plantões de Marília são das 19h às 7h. Residente no município de Resende – a 160 Km de distância do HUCFF – as três da tarde ela inicia sua jornada até o hospital. E que batalha para chegar ao trabalho!
Como foram suspensas as linhas de ônibus intermunicipais pelo governo estadual, em função do isolamento social, Marília depende de carona até para chegar ao Rio. “Tem dias que consigo com certa facilidade; outros não”, disse.
Ao fim de duas horas de viagem, às 18h30 a técnica de enfermagem chega ao setor de trabalho. “Pegamos nossos kits de pijama (peças para duas trocas) e iniciamos a jornada. Por volta das 21h, uma equipe sai para jantar, beber água e ir ao banheiro. Nesse momento, retiramos a primeira troca e tomamos banho. Jantamos e vestimos a segunda troca.
Quando retornamos para o setor, a segunda equipe sai para jantar, tomar banho e descansar. Retorna a cerca das 3h da manhã, com o segundo kit recebido. E, nós, que ficamos trabalhando, saímos para o banho, descanso e não retornamos para o setor, porque já usamos os dois kits fornecidos. Essa tem sido a nossa rotina com o hospital cheio, muito trabalho e o coração pesado por ver tantas pessoas dependendo de respirador para sobreviver”, lamenta a profissional.
Isolamento em casa
Em casa, segundo Marília, todo cuidado é pouco para preservar a família. “Dentro da minha casa, eu me isolo dos meus filhos e do meu marido, que precisa de cuidados porque não tem parte do pulmão. E ainda estou com uma sobrinha grávida”.
“Tenho muitas dúvidas e, às vezes tristeza. Porque por mais que a gente tome os cuidados necessários na paramentação e na desaparatametação, esse vírus é invisível. Podemos ser contaminados no trajeto para casa. Estou sempre me questionando: “Estou contaminada ou não?” Na incerteza, prefiro me afastar das pessoas que amo”.
Várias vezes, conta Marília, ela prefere ficar no alojamento colocado à disposição dos trabalhadores da saúde pelo Exército, no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, em Bonsucesso, para evitar o contato com a família.
Angústia e fé
“No mesmo momento em que bate essa tristeza e angústia, tenho alegria de saber que sou mais uma que pessoa a somar na vida daqueles que estão doentes, daquela família que muitas vezes não tem notícias sobre o paciente, por não poder entrar no setor. Eu posso estar lá, ajudando com ética, moral e amor. Acho que isso não tem preço”, consola-se.
“Um lado ganha e outro perde. Isso é a vida. Mas confio em Deus que isso vai passar, que as coisas vão melhorar. Se não tivermos essa fé e essa certeza, a gente cai num mar de tristeza, depressão e angústia. A gente tem que lutar e não permitir que isso aconteça”, conclui Marília.