Heteroidentificação feita com rigor para impedir fraudes no sistema de cotas raciais

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Postagem de uma blogueira admitindo ter fraudado o sistema de cotas étnico-raciais da UFRJ, em 2014, somada aos alertas via internet de entidades do movimento negro sobre esse tipo de fraude, reacenderam o debate sobre como as instituições federais de ensino superior devem agir para garantir que o acesso a essas instituições pelo sistema de cotas para pretos, pardos e índios seja exercido por quem realmente tenha direito.

Em nota publicada no dia 4 junho, a Reitoria da UFRJ explicou que os candidatos de 2020 aos cursos de graduação pelo sistema de reserva de cotas raciais, passaram pelo crivo da comissão de heteroidentificação. Antes, até 2019, prevaleceu a autodeclaração, o que resultou em centenas de denúncias de fraudes, principalmente para o ingresso a cursos mais disputados, como medicina e direito.

Apuração de fraudes

Desde junho de 2019, a UFRJ apura as denúncias de fraudes. Os alunos da universidade, cujo acesso foi pelo sistema de cotas raciais, são convocados pela Comissão de Heteroidentificação. Até o dia 9 de junho, eram 414 processos, sendo que em 90 deles os estudantes foram considerados aptos à reserva de vagas raciais e 60 não aptos. Onze processos foram extintos porque as pessoas já não tinham mais vínculo com a universidade, e 253 casos aguardam instrução processual.

Os 60 alunos considerados não aptos pela comissão aguardam encaminhamentos da Reitoria, que agirá, segundo Denise Goés, coordenadora da Câmara de Políticas Raciais da UFRJ e membro da Comissão de Heteroidentificação, em acordo com o Ministério Público Federal. Uma das penalidades previstas é o cancelamento da matrícula com a instituição. “As pessoas esperam atitude exemplar da universidade”, pontuou Denise.

A apuração das fraudes foi interrompida devido à pandemia viral, mas será retomada nas próximas semanas.

Novos alunos

A partir deste ano, a Comissão de Heteroidentificação criada em janeiro, iniciou a aferição dos candidatos à graduação pelo sistema de reserva de vagas raciais antes que fizessem a confirmação da matrícula no curso para o qual foram aprovados. Os não aptos às cotas, serão eliminados

Até a interrupção das atividades acadêmicas presenciais, em março, a comissão de heteroidentificação já havia chegado à terceira chamada da lista de espera dos aprovados pelo Enem para o primeiro período de 2020. A Pró-Reitoria de Graduação suspendeu a confirmação de matrícula presencial agendada, cumprindo decisão do Conselho de Ensino de Graduação (CEG).

Mas no caso dos cotistas, a Pró-reitoria de Graduação entende que, para evitar fraudes, a heteroidentificação precisará ser realizada de forma presencial.

Como funciona

De acordo com o edital da UFRJ, o procedimento de heteroidentificação dos cotistas consiste em uma entrevista simples, na qual o candidato apresenta as razões que o levaram a se declarar como pessoa preta, parda ou índia. A comissão utiliza exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada. O processo é filmado e a pessoa pode solicitar, em caráter de recurso, novo procedimento de heteroidentificação.

Segundo Denise Goés, 218 candidatos à graduação ainda precisam ser submetidos à heteroidentificação para concluírem o processo de confirmação de matrícula. Ela também acha que isso não pode ser feito de forma remota, diante das possibilidades de fraudes.

“Entendemos que vivemos um momento crítico, mas serão levadas em conta as normas da Organização Mundial de Saúde”, disse Denise, que considera como “muito importante” fazer valer a vitória da política de cotas e o rigor da aferição. Para ela, abrir brechas para a possibilidade de fraudes seria como dar um tiro no próprio pé.

A comissão é formada por 54 membros, entre técnicos-administrativos, alunos e docentes, mas segundo Denise, nem todos poderão participar da etapa atual, por serem do grupo de risco ou porque residem com pessoas desse grupo.

Aferição dos candidatos

deste ano recomeça em junho

Uma das reivindicações à Reitoria foi que todos os heteroidentificadores sejam testados para a Covid-19. “Levamos essa questão para a comissão como algo imprescindível. Também achamos importante informar sobre a atividade da comissão ao GT Coronavírus da UFRJ. Não podemos fazer uma atividade desta monta sem o aval do grupo científico”, disse Denise

No dia 9 de junho, a comissão se reuniu com a Pró-Reitoria de Graduação e a Superintendência de Graduação e acertaram retomar o trabalho de heteroidentificação na segunda quinzena de junho (a data será comunicada aos candidatos). O local da aferição será os  corredores do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), no Fundão, que é coberto, mas arejado.

Os candidatos vão receber a convocação para comparecerem por turnos: 35 de manhã e 35 à tarde. O processo envolverá, a princípio,   25 pessoas divididas em quatro subcomissões de heteroidentificação e uma para recurso. Os candidatos entrarão na área reservada de quatro em quatro. Pessoal de apoio informará aos candidatos sobre onde se dirigir para evitar aglomeração.

Os testes para Covid-19 serão feitos antes, durante e depois da recepção dos candidatos. A equipe toda terá treinamento e equipamento de proteção; álcool gel estará disponível também para os candidatos. A Pró-Reitoria de Graduação solicitou apoio da Prefeitura Universitária para o transporte do pessoal que atuará na heteroidentificação.

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