Por que letalidade tão alta no Rio

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O Brasil é o país que registra mais infecções por coronavírus na América Latina, sendo o terceiro no ranking mundial em número de casos (depois dos Estados Unidos e Índia) e segundo no de mortes (atrás dos Estados Unidos). Em 12 de outubro, dados do Ministério da Saúde apontavam 150.689 óbitos pela Covid-19 e 5.103.408 contaminados no país.

Com 111.255 casos no dia 12 e 11.406 óbitos, o Rio de Janeiro lidera a letalidade (10,25%) de mortes por capital no Brasil (que tem 2,99%). A mortalidade (calculada a cada 100 mil habitantes), que no Brasil chega a 71,7, está mais alta no estado (111,9). Enquanto isso, governantes apontam a abertura econômica.

Motivos

Há muitos meses, o Rio de Janeiro segue com letalidade acima até da média. Segundo indicadores do Grupo de Trabalho Multidisciplinar da UFRJ sobre a Covid-19, tomando como base o fim de setembro e início de outubro, a situação não melhorou: calcula-se uma letalidade para o estado de 6,96% e uma taxa R (risco de transmissão) de 1,13. Na Cidade do Rio de Janeiro, a letalidade é ainda maior: 11,12%, com taxa R de 1,14.

O sanitarista Christovam Barcellos, vice-diretor de Pesquisa, Ensino e Desenvolvimento Tecnológico do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, apontou, em setembro, que o Rio, se fosse país, seria o primeiro no ranking em letalidade. Segundo ele, hoje o problema continua, e a situação é gravíssima, pois essa taxa demonstra também falha no sistema de saúde, desde a triagem e atenção primária até a falta de vagas em hospitais.

Barcellos reitera que existe falha na atenção primária, com o agente de saúde visitando as casas das pessoas e atendendo em postos de saúde. Segundo explica, as UPAs deveriam servir como triagem e tratar precocemente alguns casos, ou encaminhar para hospitais especializados, onde, por sua vez, faltam vagas. “Talvez (os casos) estejam chegando tarde demais”, pondera.

O indicador de letalidade é, a seu ver, gravíssimo; e no Brasil o índice de letalidade, de acordo com ele, está chegando a 3%, e baixando. O pesquisador indica alguns caminhos para alterar esse quadro, como capacitar profissionais, reforço nos hospitais, acentuar testagem, principalmente nas populações mais vulneráveis, das periferias, em quem tem doença crônica, idosos.

Flexibilização desordenada

Para o infectologista Alberto Chebabo, diretor da Divisão Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), a flexibilização no Rio de Janeiro foi feita muito rápida e de forma desordenada, mantendo um patamar de transmissão elevado. Para ele, a letalidade tão alta no estado é bem grave, pois existe um misto de duas circunstâncias: baixa testagem, com detecção menor dos casos leves, e estrutura de atendimento ruim, com aumento de mortes evitáveis.

O virologista Amilcar Tanuri, chefe do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, acredita que estão sendo feitos poucos testes no Rio, por isso a letalidade (número dos que morrem entre os infectados) fica alta. Ele considera que talvez deva-se levar em consideração a taxa de mortalidade (por 100.000 habitantes), o cálculo por mês, ou ainda os pacientes diagnosticados. Embora a mortalidade no estado esteja alta, “acho que este dado se deve à qualidade do serviço médico e também ao diagnóstico tardio”.

Desestruturação da rede

O médico infectologista Rafael Galliez, professor da UFRJ, diz que a grande crítica é ao cenário da rede de assistência, com um processo de desmonte do sistema de atenção primária nos últimos anos. Além disso, ele relaciona o problema com leitos de terapia intensiva que já sofriam déficit histórico e uma grande fila à espera, intensificado pela demanda.

“A questão é o processo de desestruturação da rede de alta complexidade, que se encontra bastante debilitada no momento da chegada da Covid-19”, observa Galliez. Lembrando que está se referindo à região metropolitana, ele aponta a desorganização entre os níveis de coordenação dos diferentes municípios. E pondera que, se é o Rio que tem maior infraestrutura, é o que as pessoas, mesmo de outros lugares, vão procurar.

O sistema mais bem organizado teria capacidade de interferir neste índice de letalidade. Para ele, portanto, a questão está diretamente associada à capacidade de organização e estruturação da rede, de identificar casos precocemente, de tudo acontecer de forma inter-relacionada e eficaz.

Atenção básica

O coordenador do GT Coronavírus da UFRJ, Roberto Medronho, aponta que o município tem a mais alta taxa de mortalidade, até mesmo que do próprio estado. Mas essa comparação pode ser mais eficaz, como, por exemplo, entre cidades ou países, se se utiliza a taxa de mortalidade (número de óbitos em relação à população).

Mesmo nesse caso, se o município fosse um país, ele seria aquele com a maior mortalidade do mundo, explica Medronho, mostrando o ranking de óbitos por 100 mil habitantes de 10 de setembro: em primeiro lugar, Rio de Janeiro (148,5), em segundo, San Marino (124,32), em terceiro, Peru (93,71).

A situação, segundo ele, um mês depois não se alterou muito, e relaciona alguns dos motivos que possam ter levado a esta situação: “Para além da questão de ordem estatística, as hipóteses que temos que avaliar é que o município passou esses últimos anos por um desmonte na atenção básica. Equipes da saúde da família foram fechadas. Médicos e profissionais da saúde demitidos. Esse desarranjo da atenção básica foi muito ruim para o atendimento da Covid-19”.

O modelo ideal seria o acompanhamento dos pacientes com covid na atenção básica, na clínica da família ou na UPA, com diagnóstico rápido e, em caso de piora, internação; com isso haveria mais possibilidade de recuperação. Além disso, a estratégia do estado de criar hospitais de campanha naufragou em meio a denúncias de corrupção.

Outro fator: a Prefeitura não ter sido dura com empresários de ônibus para que oferecessem transporte suficiente para evitar aglomeração. Por outro lado, a seu ver, houve uma flexibilização precoce no município para atender a interesses políticos e econômicos. “Isso faz com que a pandemia perdure no Rio de Janeiro mais do que seria necessário.”

Níveis ainda elevados

“Todo este conjunto de fatores fez com que infelizmente fôssemos campeões nos piores indicadores. (A média de casos) está caindo, é fato, mas ainda tem níveis muito elevados. É a isso que as pessoas não estão atentas. Em praias, bares, restaurantes, casamentos, clubes, como se nunca tivesse havido pandemia. É um risco muito grande. Essas pessoas são jovens, muitas não terão casos graves, mas irão para casa e contaminaram seus entes queridos, que podem ter casos graves e vir a falecer”, conclui o epidemiologista.

 

 

 

 

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