A volta às aulas exige investimento nas escolas

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Nota divulgada pela Reitoria, no dia 30 de outubro, foi usada por alguns veículos de comunicação como incentivo à liberação aulas presenciais na rede pública e particular do Rio de Janeiro. De acordo com o noticiário, cientistas da UFRJ apoiavam o retorno escolar desde que com segurança.

A frase do texto da nota que dizia “Para o GT – Coronavírus da UFRJ é preciso alertar para a minimização de riscos de exposição” foi utilizada pela mídia fora de contexto, dando margem a interpretação distorcida do alerta dado pelos pesquisadores.  

Alerta distorcido 

“O que queremos é cobrar dos gestores municipais, estaduais e federais que atentem desde já para medidas de segurança e melhoria na infraestrutura. Mas não é não é para abrir agora (as escolas). Peremptoriamente, não!”, frisou o coordenador do GT-Coronavírus da UFRJ, Roberto Medronho. 

“A nota orienta”, segundo ele, “o mais breve possível e da maneira mais segura possível (para os perigos do vírus), porque com o silêncio da sociedade ficou fácil para o gestor público transformar as crianças em seres invisíveis. Estamos do lado dos profissionais da educação contrários ao posicionamento dos governos que se acomodam”.  

O GT-Coronavírus considera que, “se em condições habituais muitas escolas públicas já não ofereciam instalações adequadas para garantir que os protocolos de higiene fossem obedecidos, há que se considerar a condição real da escola reabrir sob o risco de que recomendamos algo inexequível”.   

A nota elenca elementos básicos para a segurança dos estudantes na pandemia, como banheiros funcionais, pias para lavagem de mãos com água e sabão, salas com ventilação, distribuição de água para evitar a utilização de bebedouros comuns ou bebedouros com torneiras, entre outros aspectos que devem ser garantidos pelas autoridades em todas as escolas, sem distinção. 

Nas mãos dos diretores

No dia 3 de outubro, a Prefeitura do Rio liberou, na fase de flexibilização do município classificada como período “conservador”, a volta às aulas de todas as séries das escolas e creches privadas. Já a reabertura da rede municipal de educação será feita voluntariamente a partir das turmas do 9º ano, e cada instituição tomará sua decisão após reunião do conselho de pais com os professores, quando deverá ser definido se a escola preenche os pré-requisitos para garantir segurança para os alunos e profissionais. 

“Assistimos com preocupação a leitura feita pela mídia do retorno. Muito ruim, porque foi como se a UFRJ estivesse indicando o retorno imediato das aulas. Nós, do Colégio de Aplicação, vemos isso como muito problemático, e avaliamos que as escolas hoje não têm condições físicas para de fato efetivar retorno presencial”, disse a vice-diretora do CAp UFRJ, Cristina Miranda.

No CAp, informou, de acordo com o calendário aprovado no Conselho Universitário as aulas seguirão no modo remoto até o fim do ano letivo de 2020, que é 5 de abril. “Na nossa avaliação, a gente não tem capacidade hoje (do ponto de vista das condições físicas) para receber os alunos e de se estudar com a segurança necessária”, afirmou a dirigente. Ela adiantou que foi criado um Grupo de Trabalho para estudar as necessidades estruturais e de pessoal para que o colégio volte à normalidade. 

Sepe expõe a realidade 

O diretor de Saúde e Direitos Humanos do Núcleo Duque de Caxias do Sindicato Estadual da Educação do Rio de Janeiro (Sepe), Mateus Mendes, disse que não faz sentido retomar as aulas no último bimestre e que o movimento para tornar uma escola num ambiente minimamente seguro é demorado. “O que deveria ocorrer é suspenderem o ano”, defendeu. 

Segundo o dirigente sindical, que leu a nota da Reitoria, pela maneira como foi a repercussão ele não tem dúvidas: houve um descolamento da realidade. “O texto até assume que medidas não podem ser negligenciadas e reconhece a importância de mitigar a contaminação, mas diz que tem que voltar. Só que a única medida comprovadamente que adotamos para mitigar é o isolamento”. No Hemisfério Norte é o começo do ano letivo. Aqui, estamos no meio do último bimestre. É um despropósito isso agora”, disse. 

Ele também chama a atenção para o recorte de classe: “A gente dá aula para filhos da classe trabalhadora super explorada. E tudo que está na nota da UFRJ são bandeiras da Educação desde a década de 1980, como, por exemplo, estruturas decentes nas escolas. Mas a gente dá aula em escolas que às vezes não tem banheiro funcionando. Como os alunos vão lavar as mãos? Há escolas cujo teto caiu e há goteiras na sala de aula. E água potável? Como retornar a aula se a escola vive de caminhão pipa e às vezes acaba a água? É o que acontece na baixada fluminense. Como pôr crianças num ambiente assim?”, questionou o professor. 

“Muitas vezes”, contou, “os pais mandam as crianças doentes para a escola porque elas precisam comer ou não tiveram condições de levar ao Posto de Saúde para pegar atestado. O filho não pode tomar falta porque a família perde a Bolsa Família. Ou apenas não tem com quem deixá-lo.

Sinpro-Rio quer ação da Vigilância Sanitária

Elson Paiva, diretor do Departamento Jurídico do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio) afirmou: “A gente entende que os protocolos têm que se cumpridos, mas boa parte das escolas não está seguindo as recomendações. E a maioria dos pais também não está mandando os filhos para a escola por não acreditar que os protocolos vão ser cumpridos e/ou que crianças e adolescentes cumprem protocolos. Vemos com muita preocupação a posição diametralmente oposta a de cerca de um mês e meio atrás (quando não se recomendava o retorno). Não houve posição no intuito de dizer que a Vigilância Sanitária tinha que estar atenta e que só poderia abrir depois que desse ok”.

Na avaliação de Elson a Prefeitura do Rio lavou as mãos. “(A Prefeitura) Diz  que cada escola privada abre se quiser, e se houver problema será dela, que terá o alvará cassado. (A Prefeitura) Botou no colo das escolas a responsabilidade que é dela, inclusive de fiscalização. E também disse para os diretores (das escolas municipais): abre aí, se quiser. Não vai dar recursos ( para EPI (equipamentos de segurança individual), por exemplo) e as escolas não vão abrir. Agora, as direções têm que assumir”. 

Para ele, governador e prefeito não leram a nota da UFRJ, optando ficar com a impressão difundida pela mídia. “Entendemos que a intenção era criar protocolos, mas que se cobrasse a atuação nas escolas da Vigilância Sanitária seria o principal para nós”, observou.

Proposta do GT não é o retorno imediato 

“Ao contrário. Somos contra, porque as condições de infraestrutura física de algumas escolas não permitem. O que queremos é uma ação dos gestores públicos e o apoio da sociedade para dotar as escolas de condições mínimas de  infraestrutura para o retorno seguro das aulas presencias”, explicou Roberto Medronho.

Além da evidência de que criança tem poder de transmissão menor que adultos e de que em países que mantiveram escolas abertas não se agravou o quadro epidêmico, há outros indicadores que o GT-Coronavírus da UFRJ levou em conta na nota técnica, informou Medronho. Por exemplo,  evidências apontadas por especialistas da área de pediatria de que houve um aumento de casos de abusos físicos, sexuais, depressão e ansiedade em crianças das classes mais vulneráveis durante a pandemia. Além disso, quanto maior o tempo de fechamento das escolas, maior probabilidade de evasão. Para ele é preciso considerar a escola e a educação como serviço essencial.

A nota técnica refere-se ao ensino básico público. Segundo Medronho, a recomendação não se aplica ao ensino superior porque adultos são grandes transmissores da doença. Ou seja, a recomendação não se aplica na graduação e na pós-graduação da UFRJ. E também no Colégio de Aplicação, porque segundo Medronho, o GT constatou em reunião com profissionais da casa, antes da formulação da nota, que o CAp está com o ensino remoto bem equacionado, com boa adesão e que provavelmente manteria a qualidade do ensino esse ano, sem a abertura presencial.

“No ensino superior permanece o trabalho e o ensino na forma remota. O GT continua absolutamente fiel ao que foi aprovado na resolução 7 de 2020 (do Conselho Universitário), com trabalho remoto para todos e presencial para atividades essenciais (como de saúde e biotérios), e alguns outros casos a serem apontados pelas unidades cabendo recurso ao órgão superior, informou Medronho. 

Segurança para as crianças

O virologista Davis Ferreira, do Instituto de Microbiologia e membro do GT- Coronavírus da UFRJ, citou os prejuízos que especialistas da área da saúde têm apontado no fato das crianças estarem fora da escola. “Estudos pelo mundo todo têm mostrado que as escolas não são grandes focos de transmissão quando outros fatores estão devidamente controlados, tanto dentro da escola quanto em outros locais da cidade. Portanto, seria importante o retorno as aulas o mais rápido possível. Mas, com as condições de segurança necessárias. A nota deixa isso claro”, afirmou.

Se o poder público quiser usar o texto para justificar a abertura, argumenta Davis, terá que atender a nota quando aponta a necessidade de investimento nas escolas para que a volta às aulas presenciais seja feita de forma a mais segura possível.

 

Da esquerda para a direita: O virologista Davis Ferreira, do Instituto de Microbiologia; O diretor de Saúde e Direitos Humanos do Núcleo Duque de Caxias do Sepe, Mateus Mendes; e Elson Paiva, diretor do Departamento Jurídico do Sinpro-Rio.
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