Em seus 74 anos de existência, pela primeira vez o Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) será dirigido por um técnico-administrativo em educação. O médico Cesar Fantezia Andraus, que tomou posse no dia 26 de outubro, obteve 88,55% dos votos válidos em consulta à comunidade realizada dias 28 e 29 de setembro. Devido à pandemia de Covid-19, a consulta foi virtual.
Cesar Andraus obteve maioria em todos os segmentos ao disputar o cargo com a professora Marleide Mota. Ele assumiu a direção da unidade em 26 de outubro, após mandato pro tempore de um ano do médico Leôncio Feitosa, por decisão da Reitoria, para promover mudanças na parte assistencial, administrativa e acadêmica (com apoio dos professores Nelson Cardoso e Carlos Peixoto).
Falta de pessoal
Uma das dificuldades listadas pelo diretor eleito é o reduzido número de servidores. Segundo ele, nas duas últimas décadas o INDC sofreu baixas consideráveis no seu quadro de pessoal: de 340 profissionais em 2000, atualmente a unidade conta com 94, sendo que 21 estão afastados em consequência da pandemia por serem de grupo de risco. Docentes em Neurologia são lotados na Faculdade de Medicina e exercem parte da carga horária no instituto.
O número de médicos é pequeno para atender à demanda: 15 ao todo. Mas mesmo assim a unidade realiza em média (fora os tempos de pandemia) 20 mil atendimentos anuais nas diversas áreas (embora a maior procura seja para neurologia) e realiza oito mil exames: de tomografia computadorizada, eletroencefalograma, audiometria, eletroneuromiografia e punção lombar, entre outros.
“Estamos abertos para receber novos servidores e podermos trabalhar melhor”, diz ele.
Especulação preocupa
Outro problema que preocupa o diretor é a especulação em torno do campus da Praia Vermelha, onde está localizado o INDC. “A gente se coloca empenhado em manter o instituto vivo, tentando não se sujeitar à falsa solução reducionista do Estado. O INDC é um patrimônio de todos os brasileiros e garante frutos importantes para o país”, afirma.
Planos possíveis
Na posse festiva que ainda não tem data, Cesar Andraus pretende resgatar a história da unidade e o valor dos seus servidores. “Quem se propõe a ser diretor tem que valorizar os trabalhadores concursados e com ótima formação. Nosso trabalho é prestado à sociedade, mas temos que ser respeitados. Infelizmente estamos vivendo uma época em que questionam o valor do servidor. O servidor é o Estado brasileiro”, destaca.
Sem a pretensão de desconsiderar o trabalho das gestões anteriores, consta dos planos iniciais do diretor “consertar a casa e conseguir que a assistência esteja em completo funcionamento; melhorar a integração com as Faculdades de Medicina, Fonoaudiologia e Fisioterapia, de forma que a gente possa manter as atividades de ensino, pesquisa e extensão e criar novas”. Ele pretende criar na unidade uma pós-graduação em Fisioterapia.
“Estamos trabalhando numa melhor contratualização com o SUS e nos propondo a oferecer mais serviços à população”, antecipou, informando que os acertos com o Sistema Único de Saúde estão “bem adiantados”. Além disso, Cesar Andraus tem como meta se aproximar cada vez mais do Complexo Hospitalar, de olho na possibilidade de realização de compras centralizadas e até do compartilhamento de servidores entre as unidades hospitalares.
Outro projeto do diretor é resgatar o papel do INDC em procedimentos de pequena e média complexidade. Isso porque, em 2008, as cirurgias que eram realizadas na unidade foram levadas para o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. Ele informa que conta com o apoio de pessoas abertas às novas necessidades para levantar a instituição. “Nossa proposta é manter o instituto vivo e permitir que volte para a universidade, que interaja melhor com a Faculdade de Medicina, de modo a integrar com êxito os pilares de ensino, pesquisa e extensão”, planeja.
Trajetória
A ligação do eleito pela comunidade com o INDC vem desde 1984, quando ainda cursava medicina na UFRJ e começou a frequentar o serviço de eletroencefalografia da unidade. Ele fez residência médica e mestrado em Neurocirurgia, e doutorado em Ciências na Engenharia de Produção (para desenvolver um aparelho usado em cirurgias cranianas). Em 1997, ingressou, por concurso público, no instituto.
Trabalhou durante 27 anos como neurocirurgião plantonista no Pronto Socorro Municipal de São José dos Campos até se aposentar em 2019, mas não está em seus planos deixar o INDC.
Integração
Na definição de Cesar Andraus, o INDC ser dirigido pela primeira vez por um técnico-administrativo é muito natural: “Todos nós, técnicos ou professores, defendemos todos os objetivos da UFRJ. Portanto, os cargos podem atuar de forma cooperativa. Na verdade, nós, da medicina, não vemos uma dicotomia radical entre docentes e técnicos-administrativos, porque um hospital universitário, por exemplo, já nasce com o propósito de integração médico-docente”, conclui.
INDC é SUS
Inaugurado em 1946 com o nome do professor que na época representava a própria Neurologia brasileira, a unidade foi visitada por nomes de projeção mundial, como o criador da penicilina, Alexander Fleming. O novo diretor conta, com orgulho, que os visitantes ilustres não escondiam, na época, sua surpresa com a qualidade do serviço.
“Mas a gente não quer viver do passado”, diz ele sobre a unidade, embora o INDC ainda seja referência em neurologia no país. Um de seus anseios é recuperar o prestígio acadêmico da instituição.
O INDC presta serviço totalmente pelo SUS, com marcações pelo Sistema de Regulação (Sisreg). Os tratamentos são em geral continuados para doenças neurológicas crônicas, como esclerose lateral amiotrófica (ELA), epilepsia, mal de Parkinson, entre outras.
Há atendimentos ligados à Faculdade de Medicina, como de Fisioterapia e de Fonoaudiologia, mas com profissionais que atuam na unidade.
Relíquias
Além dos museus de História da Neurologia Brasileira e de Anatomia e de uma importante biblioteca, o INDC é guardião de murais de grande valor cultural (na foto acima, mural da estrutura do córtex cerebral de Ramon & Cajal.), que estão em processo de tombamento.
Um dos orgulhos de Cesar Andraus à frente da unidade é saber que o instituto foi uma das primeiras instituições do país a oferecer residência médica em neurologia. “E hoje grande parte das instituições tem de algum modo relação com o INDC, porque é o berço da Neurologia e da Neurocirurgia brasileira”, assinala.
Fotos: Arquivo pessoal