Em entrevista, a autora Raquel Júnia conta sobre as inspirações para a obra e a entrada na literatura infanto-juvenil
Jaqueline Deister | Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |2 de Junho/2021
Um livro para inspirar as crianças e lembrar que a esperança em um amanhã melhor não deve ser esquecida. “O Mel mais doce do mundo” marca a entrada da jornalista Raquel Júnia na cena literária e também inaugura a estreia da Editora NPC, do Núcleo Piratininga de Comunicação, no seguimento da literatura infanto-juvenil.
A obra nasceu a partir das contações de estórias de Raquel para o seu filho Francisco, de seis anos. Em entrevista ao Brasil de Fato, a escritora contou que a personagem principal do livro, a abelhinha Zuleide, é inspirada na militante comunista e professora Zuleide Faria de Melo, que esteve à frente, durante décadas, dos movimentos de solidariedade à Cuba.
“A conheci quando procurei a Associação Cultural José Martí para ser brigadista em Cuba, em 2009. Me encantei com a força dela logo de cara. Uma senhorinha com tanta presença de espírito, tão convicta do seu trabalho solidário à Cuba. Ela era tão convicta que nem nos deixava espaço para negar os seus pedidos de auxílio na associação. Nesse sentido, ela e a abelhinha são muito parecidas: na bravura, na persistência, na coragem”, relata.
Além de toda a força e coragem trazida por Zuleide, a autora mineira que vive há 17 anos no Rio de Janeiro lembra que a obra é, antes de tudo, uma semente de afeto e acolhimento para as crianças.
“O que me motiva é aproveitar essa lindeza que é a infância em termos de liberdade, criatividade, e de aportar um grãozinho que seja para que as crianças tenham seu espaço de afeto e acolhida também por meio da literatura e quem sabe, lá na frente, se tornarem também seres humanos mais seguros emocionalmente, completos e responsáveis”, destaca.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Raquel, “O mel mais doce do mundo” marca o seu lançamento como escritora. Conte um pouco sobre o que te levou a escolher a literatura infanto-juvenil para estrear no mundo dos livros?
Raquel Júnia: Eu acho que não foi bem uma escolha, mas uma caminhada despretensiosa e o encantamento que sempre tive com o potencial desse universo confluíram para eu dar esse passo.
A literatura infanto-juvenil sempre esteve presente de forma próxima na minha vida, minha mãe por alguns anos foi bibliotecária na escola pública que estudei no primário e também tinha uma função de contar estórias nas turmas, então isso sempre me inspirou. Já adulta, sempre fiquei muito tempo na livraria lendo livros infantis e procurando aqueles adequados para comprar para meus afilhados.
Mas a ideia de escrever ‘da minha cabeça’ começou a acontecer para mim ao mesmo tempo em que me tornei mãe.
Francisco sempre queria mais e mais estórias antes de dormir. Uma vez viajamos 13h de ônibus do Rio até minha cidade natal e foram pelo menos umas quatro horas inventando personagens e narrativas, algumas dessas eu pensei: “puxa, essa é legal”. Acabou que nenhuma delas foi para o papel, mas, um tempo depois, em outra força-tarefa de colocá-lo para dormir, criei a da abelhinha Zuleide e achei que tivesse mais potencial.
Meu marido Flávio foi o primeiro a ler e gostou. E assim continuei apostando nela. Outras amigas leram e também consideraram que era bacana. Com duas amigas, trabalhamos a ideia de uma pequena editora infanto-juvenil, que por motivos pessoais e de pandemia, acabou não indo para frente, mas foi um processo que me ajudou muito também a acreditar que “O Mel mais doce do mundo” poderia dar certo.
Em mais um desses belos encontros da vida, um almoço com a Claudinha [Claudia Santiago – coordenadora do NPC] pouco antes da pandemia, contei a ideia do livro, ela gostou, me incentivou, trabalhou na editoração, fez a ponte com o Carlos Contente, que ilustrou lindamente e aqui estamos!
O que me motiva é aproveitar essa lindeza que é a infância em termos de liberdade, criatividade, e de aportar um grãozinho que seja para que as crianças tenham seu espaço de afeto e acolhida também por meio da literatura e quem sabe, lá na frente, se tornarem também seres humanos mais seguros emocionalmente, completos e responsáveis.
O livro é inspirado na professora e militante comunista Zuleide Faria de Melo. Por que a escolha de Zuleide? Como ela contribui na obra?
Assim que criei “O Mel mais doce do mundo” fiquei pensando no nome da abelhinha corajosa e na mesma hora me veio a professora Zuleide. A conheci quando procurei a Associação Cultural José Martí para ser brigadista em Cuba, em 2009. Me encantei com a força dela logo de cara. Uma senhorinha com tanta presença de espírito, tão convicta do seu trabalho solidário à Cuba, tão dedicada a formar os brigadistas.
Eu, meu companheiro e outras amigos queridos, ficamos por algum tempo colaborando com a associação e surgiu a ideia de que ela nos desse um curso de marxismo. Foi uma experiência incrível que me aproximou mais ainda dela. Foi a primeira vez que entendi bem o que era dialética, já depois de formada.
Zuleide não media esforços para manter a associação viva, assim como a solidariedade à Cuba.
Ela era tão convicta que nem nos deixava espaço para negar os seus pedidos de auxílio na associação. Nesse sentido, ela e a abelhinha são muito parecidas: na bravura, na persistência, na coragem. Durante essa convivência, ela nos contou muitas histórias desde a resistência à ditadura, a militância no PCB [Partido Brasileiro Comunista], no Conselho Brasileiro de Defesa da Paz. Considerei que seria uma bela homenagem a ela.
O livro marca a entrada da editora NPC no segmento infanto-juvenil. Qual o desafio de fazer literatura para esse público em um momento em que as telas ganham cada vez mais espaço na vida das crianças?
Eu acho que as crianças querem ler, se encantam com os livros, querem manusear, querem ter em seus quartos. É interessante porque a fixação pelas telas também é verdadeira. Aqui em casa eu vivo esses dois universos.
O desafio talvez seja a disposição emocional dos adultos em promover a literatura, em incentivar, e não só os cuidadores imediatos, mas a sociedade como um todo, as escolas, espaços públicos que estimulem essa conexão das crianças com a literatura, que tornem os livros acessíveis, porque diferente das telas, em que elas ficam muito bem sozinhas, absortas, os livros, principalmente na primeira infância, precisam de mediação.
Eu acho que os desafios passam por aí e, é claro, tem todas as questões financeiras e de concentração da distribuição e do mercado editorial, mas potencial e interesse por parte das crianças existe. Acredito muito inclusive também na mediação entre os dois universos – dos livros e das telas. Livros que tem atividades nas telas e vice-versa também têm funcionado, há muita gente boa disposta e criando essas mediações.
Um exemplo de que esse mercado é produtivo são os clubes de assinatura de literatura infantil, que atualmente tem muitos assinantes, acredito que existam pelo menos três grandes projetos desse tipo no país. Muitas famílias também tem considerado a literatura como algo muito importante de se incentivar na infância.
Como sempre, precisamos de mais políticas públicas e de espaços democráticos e acessíveis que promovam isso para todas as crianças e adolescentes nos espaços populares.
Já está com outras ideias de livros? Poderia nos contar?
Quem sabe na hora de colocar Francisco para dormir hoje não apareça outra boa estória? Tenho algumas ideias sim, que vão e vem. Falta colocar no papel. Mas espero que o lançamento de “O Mel mais doce do mundo” me motive a seguir nessa caminhada que tanto me faz bem.
Edição: Mariana Pitasse