Dia da Mulher Negra reforça a denúncia e a luta contra a desigualdade

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Data é parte de atividades do Julho das Pretas, mês em que se dá visibilidade especial na luta contra o racismo, o machismo e a discriminação de classe que vitimizam de maneira mais cruel as mulheres negras

Publicado: 26 Julho. Escrito por: Andre Accarini / Edição: Marize Muniz

O Dia da Mulher Negra, celebrado em 25 de julho, este ano, tem um peso especial para a luta das mulheres negras por dignidade e melhores condições de vida. A pandemia do novo coronavírus acentuou as desigualdades na sociedade e no que se refere a essas mulheres o impacto foi ainda maior do que para o restante da população.

A data, chamada oficialmente de Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha faz parte das atividades do Julho das Pretas, mês em que a luta ganha visibilidade. No Brasil, pela Lei nº 12.987/2014, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, a data também passou a ser o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi uma líder quilombola do século 18

GIBRAN MENDES

E este julho, de 2021, é um mês de denúncia ainda maior sobre uma situação que já existia antes da pandemia e que a crise sanitária escancar. A afirmação é de Juneia Batista, secretária da Mulher Trabalhadora da CUT.

“Com a pandemia ficaram escancaradas a desigualdade e a condição da mulher, em especial das mulheres negras, periféricas que são as que estão morrendo e lutando para dar o que comer para seus filhos. E, mais que nunca, estamos levantando a voz para dizermos que essa situação não pode continuar”, diz a dirigente.

Os governos não podem estar acima da vida das pessoas. A pandemia trouxe a dificuldade pela questão econômica, mas ainda faltam políticas públicas de proteção às mulheres negras

– Junéia Batista

Levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-Contínua), mostra que o desemprego foi um dos fatores que mais as afetaram as mulheres negras (28,1% ), apesar delas representarem apenas 17,3% dos ocupados em 2020 – maior número por camada de desempregados no país.

Na pandemia esse quadro piorou. A taxa de desocupação subiu para 21,4% em 2021. Cerca de 700 mil mulheres negras ficaram desempregadas. Grande parte das que conseguiram se manter no emprego ainda amargam a condição de estar em trabalhos precarizados e com os menores níveis de renda.

De acordo com o levantamento, 48,4% das mulheres negras são assalariadas formais, 24,1% assalariadas informais e 22,1% trabalham por conta própria, ou seja, fazendo bicos. A renda média das trabalhadoras negras é menos da metade da média salarial de homens brancos. Enquanto elas ganham R$ 1.617, os brancos ganham R$ 3.540.

Esses números, aliados a outros fatores sociais, reforçam tanto o racismo estrutural na sociedade quanto o desafio do movimento sindical, movimentos de mulheres e movimentos negros no combate à desigualdade.

Para Anatalina Lourenço, secretaria de Combate ao Racismo da CUT, a mulher negra sofre com os piores índices possíveis, não só no desemprego, mas em relação à discriminação e a violência. Dados do Atlas da Violência 2020, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Nacional de Segurança Pública, mostram que em 2018, 68% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras.

“Esses índices têm de servir de base para a construção de políticas públicas de proteção e combate à violência contra a mulher”, ela afirma a secretaria ressaltando que não se trata apenas de dados estatísticos e sim da vida das mulheres negras.

Rosana Fernandes, secretária Adjunta de Combate ao Racismo da CUT observa ainda que a causa dos piores índices é o racismo, o machismo a a questão classista – características que resultam, de fato, na violência contra a mulher negra

“A gente costuma falar sempre que não existe bala perdida e sim bala que é achada no corpo da mulher negra”, diz Rosana.

Descoberta pessoal

O processo de empoderamento e resistência da mulher negra não é uma tarefa fácil. Carmen Foro, Secretária-Geral da CUT, contou sua experiência em um programa especial transmitido pelas redes sociais da CUT e entidades filiadas, neste domingo (25).

Na Roda de Conversa Mulheres Negras em Defesa do Bem Viver, Carmen disse que as crianças nascem sem saber a cor da pele, chegam ao mundo sem noção das crueldades do ser humano.

“Todo dia me descubro uma mulher negra. Todos os dias vejo quanta diferença há em ser negra. E quando se é negra e pobre, isso dói muito mais”, disse.

Assim como para a maior parte das meninas e mulheres negras, o preconceito pela cor de pele, do cabelo, pela classe social torna a trajetória delas um tanto mais difícil – ainda mais quando se trata de mulheres e o machismo está envolvido.

“Me sentia objetificada e não tinha consciência disso”, disse Carmen, afirmando que hoje a luta é fazer com que as pessoas negras ser reconheçam e exijam o lugar na sociedade que lhes é de direito.

Todos os dias eu vivo e me reconheço como negra e isso vai reforçando a consciência de que esse mundo é racista e o mundo para as mulheres negras é mais cruel ainda

– Carmen Foro

Ainda na live, a primeira vereadora negra eleita em Curitiba, Ana Carolina Dartora (PT), afirmou que essa crueldade é comprovada pela própria colocação das mulheres negras na pirâmide social brasileira.

“Estar na base da pirâmide social demonstra a violência que a gente sofre, a sub-representação política, a falta de políticas públicas. Somos as desempregadas ou precarizadas, e no trabalho doméstico ainda como um resquício do período da escravidão”, disse a vereadora.

Quando a sociedade estiver boa pra uma mulher negra viver, estará bom para todos viverem

 – Ana Carolina Dartora

Jaqueline Santos, consultora do Geledés Instituto da Mulher Negra, explica que o Brasil, historicamente, ainda continua em um processo de colonização e o racismo permeia todas as ações da sociedade.

Anatalina Lourenço diz ainda que o racismo organiza a sociedade e opera em diferentes instâncias, e que “este é o momento de discutir políticas necessárias para destruir a pirâmide e romper com o histórico de manter a mulher negras nesses espaços”, se referindo às piores condições de trabalho e renda.

Empoderamento

Exemplos de negros em lugares de destaque não são muitos mas devem servir de referências para a luta por igualdade. As Olimpíadas de Tóquio trouxeram dois emblemas para essa luta. Um deles é a tenista Naomi Osaka, filha de mãe japonesa e pai haitiano, que foi convidada a abrir os jogos de 2021.

Naomi é personagem que carrega bagagem no ativismo contra a discriminação racial. Também protagoniza passagens importantes em sua própria história como ter abandonar o torneio de Roland Garros após ser punida por não querer participar de entrevistas coletivas, que segundo ela não faziam nem bem à sua saúde mental. Sim, a tenista sofre de depressão e fala abertamente sobre isso.

“Eu já estou me sentindo vulnerável e ansiosa então pensei ser melhor exercitar o autocuidado e abandonar as coletivas…quando for a hora, realmente quero discutir formas de fazermos o melhor para os jogadores, imprensa e fãs”, disse ela no Twitter

Outro exemplo e motivo de muito orgulho para os brasileiros é a ginasta Rebeca Andrade que garantiu, neste domingo – dia da Mulher Negra – vaga em três finais individuais – no solo, no salto e no individual geral.

Ao som de o “Baile da Favela”, música de MC João, Rebeca causou furor nas redes sociais, que não se renderam ao encanto e a atitude da atleta, de 22 anos de idade.

 

 Mas o Brasil ainda tem a prata no skate. Rayssa Leal tem apenas 13 anos de idade, um sorriso despretensioso, de aparelho nos dentes, que simboliza a esperança que toda criança negra deveria ter no país.

Natural de Imperatriz, no Maranhão, a jovem ganhou seu primeiro título em 2019. Incentivada pelos pais, ganhou uma prata no mundial de São Paulo, cidade em que durante muitos anos, o skate, esporte praticado, predominantemente por jovens de periferia, foi marginalizado.

TWITTER/RAYSSA LEAL

Janio Quadros, quando prefeito da capital paulista, em 1988, proibiu a circulação de skatistas na cidade, afirmando que se tratava de ‘coisa de vagabundo’.

Foi a prefeita Luiza Erundia, então do PT, que anos mais tarde não só revogou o decreto de Jânio como incentivou a prática do esporte. Tanto que recebeu, direto de Toquio, um agradecimento de outro skatista brasileiro – Kelvin Hoefler – um agradecimento especial.

“Obrigado por acreditar no skate”, disse Kelvin, que também ganhou prata no street skate no Japão.

É prova de que simples ações do poder público podem render um futuro para os jovens negros e de periferia. Mas é um caminho ainda longo a ser trilhado.

“Em casa, a gente ensina a todo momento que nossos filhos têm que se amar, do jeito que são e o que mais dói é que vai chegar um tempo em que a gente terá de dizer que ele deverá ter cuidado na rua, que não pode se expressar de forma brusca porque será alvo da PM. O poder público que deveria proteger, é quem mais tira a vida dos nossos filhos”, lamentou Rosana Fernandes.

 

 

 

 

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