Mauro Otávio Nacif relembra caso Watergate e Tânia Maria de Oliveira diz que discurso em ato já tem caráter criminoso
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse na Avenida Paulista na tarde de terça-feira (7), durante manifestação em apoio ao seu governo, que não vai mais cumprir as decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais.”, disse Bolsonaro.
O Brasil de Fato ouviu a advogada Tânia Maria de Oliveira, secretária-executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), e o criminalista Mauro Otávio Nacif, professor de Direito Penal e de Processo Penal. Os dois têm opiniões divergentes sobre o tema.
A integrante da ABJD afirma que Bolsonaro cometeu crimes comuns e de responsabilidade ao proferir a ameaça de que não cumprirá decisões vindas de Moraes. Nacif aponta que a infração estará consumada quando a desobediência for, de fato, concretizada.
“No campo dos crimes de responsabilidade, o presidente, em seu discurso mais discurso violento e com tom golpista, atentou diretamente contra o livre exercício dos poderes constitucionais. Isso está disposto no capítulo 2 da Lei 1079, que regula o processo de impeachment e fala dos de responsabilidade”, afirma Tânia Maria de Oliveira.
“Em outro dispositivo do mesmo artigo 6º da lei 1079 diz que é crime contra o livre exercício dos poderes constitucionais, usar de violência ou ameaça para constranger juiz ou jurado a proferir ou deixar de proferir despachos, sentença ou voto, o a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício”, continua a advogada.
Os dois advogados ouvidos, contudo, concordam que o caso tem potencial para levar ao afastamento do presidente da República.
“Se o chefe do Executivo realmente não cumprir, é crime. Nesse caso, o Arthur Lira tem que abrir tem que abrir o processo de impeachment, sob pena do próprio Arthur Lira sofrer um impeachment, porque aí existirá a materialidade”, afirma Nacif.
O criminalista ainda lembrou do caso Watergate, que levou à renúncia do ex-presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, em meados de 1974. O estopim do escândalo foi a resistência do ex-mandatário a cumprir uma ordem judicial. Na ocasião, a Justiça cobrava de Nixon a entrega de gravações feitas por eles de conversas no Salão Oval, seu escritório na Casa Branca.
“O Nixon tinha gravado várias e várias reuniões do Salão Oval, onde ele falava um monte de absurdos. Ele gravou tudo, mas todas gravações eram para ele mesmo, era coisa dele. Mas o Supremo Tribunal Federal de lá ficou sabendo que ele tinha as gravações. Um senador entrou com requerimento e a Corte mandou que ele entregasse as gravações. Ele não entregou, mas depois foi obrigado a entregar. Essa negativa levou ao processo de impeachment e, depois, à renúncia”, afirmou Nacif.
O advogado ainda comentou as supostas ilegalidades que teriam sido cometidos pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito que investiga a disseminação de notícias falsas que atentam contra a democracia e a saúde pública.
“O Alexandre de Moraes está fazendo tudo de acordo com a lei. Ele não está errado, está certíssimo, tá certíssimo. Quando dizem que o Supremo vai processar e julgar, não é verdade. O Supremo pode investigar, mas julgar só pode se o procurador-geral oferecer a denúncia”, afirmou.
Advogada vê que foram cometidos crimes comuns
Tânia Maria de Oliveira disse ainda que, no campo dos chamados crimes comuns, ao ameaçar o Supremo Tribunal Federal, ao exaltar os criminosos e ao defender que as decisões emanadas do Poder Judiciário não fossem cumpridas, o presidente Jair Bolsonaro incitou a desobediência às ordens legais.
“Isso tem uma previsão legal no Código Penal no seu artigo 330. Ele pratica o crime de incitação ao crime, que é incitar publicamente a prática de crime. E faz apologia publicamente de fato criminoso ou de autor de crime, ao defender publicamente que criminosos que estão presos em flagrante pelo cometimento de crimes sejam soltos por uma autoridade do Supremo Tribunal Federal sob ameaça”, declarou.
“Foi o que Jair Bolsonaro fez ontem: ameaçou um ministro do Supremo Tribunal Federal tentando coagi-lo a soltar criminosos. Fez essa isso diante de uma multidão. Portanto, claramente há uma apologia de fato criminoso ou de autor de crime, incitando a prática de crimes e a desobediência a ordens judiciais”, finalizou a advogada.
Edição: Anelize Moreira