“É um enorme desafio conduzir a política de ações afirmativas nas universidades federais”, declarou a pró-reitora de Graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Alexandra Anastácio, no terceiro dia do seminário “10 anos de Políticas de Cotas – Experiências das Comissões de Heteroidentificação nas Universidades”, na quarta-feira, 20.
O debate desse dia foi mediado pela integrante da Comissão de Heteroidentificação da UFRJ Mônica Gomes e encontra-se à disposição dos interessados no seguinte endereço no Youtube: https://youtu.be/rAzBXarnEws
Experiência exitosa
Na avaliação de Alexandra, houve uma significativa evolução da existência de comissões de heteroidentificação nas universidades federais. De 19% em 2017, passou para 85% em 2020, e o avanço se deu em maior escala na região Sudeste, com a totalidade das federais tendo comissões de heteroidentificação.
Na UFF, informou, mais de 2.500 estudantes que optaram por uma das modalidades de ação afirmativa para ingresso nos cursos de graduação passaram pelas comissões de verificação. A universidade é uma das pioneiras no Brasil a institucionalizar, dar transparência e definir critérios objetivos para a aplicação das políticas de cotas.
O processo teve início a partir da primeira edição do SiSu, em 2017, com a Comissão de Aferição de Autodeclaração de Cor/Etnia – a Comissão de Heteroidentificação. Foi por meio da Assessoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (AFiDE) que começou, já em 2017, a se articular a implantação das ações afirmativas junto com o trabalho da comissão de heteroidentificação. Em 2020, a AFiDE foi ampliada, adquirindo caráter permanente para pensar, elaborar, propor e contribuir em todos os processos de ações afirmativas dentro da universidade.
“A UFF errou e acertou nesse processo, mas precisamos ainda melhorar muito. Precisamos lutar pela política de ações afirmativas que vai do ingresso dos estudantes não só negros. E o desafio é o acompanhamento dessas pessoas até a sua formação”, finalizou Alexandra Anastácio.
UFRB
Desde a sua criação, em 2005, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) já adotava reserva de vagas para cotistas. Foi também a primeira universidade do país a ter uma Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e a aplicar integralmente a Lei das Cotas em seu primeiro processo seletivo após a nova regulamentação. É a única instituição de ensino superior no estado que possui um comitê em funcionamento desde 2017.
O Comitê de Acompanhamento de Políticas Afirmativas e Acesso à Reserva de Cotas (Coparc) da UFRB se tornou referência no país no processo de verificação presencial das condições de ingresso de candidatos cotistas aos cursos de graduação. Atualmente o comitê passa por uma reestruturação geral.
Segundo o pró-reitor de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis, Carlos Alberto Santos de Paulo, essa pró-reitoria nasceu do apelo político institucional com o objetivo de consolidar o viés da política de ações afirmativas. Ele informa que 81% da população de estudantes da UFRB é negra. E a política de ações afirmativas está no DNA da universidade.
“É notório que a Bahia tem um contingente populacional majoritariamente negro, e no recôncavo da Bahia, onde nasce toda a gênese do elemento populacional negro, nasce também a Universidade Federal do Recôncavo. A nossa universidade tem um elemento diferencial, porque temos a nossa estrutura de ensino, pesquisa, extensão e ações afirmativas. Costumo dizer que as ações afirmativas são ensino e pesquisa, o DNA dessa universidade.”
Unifal
A Universidade Federal de Alfenas (Unifal) instituiu no primeiro semestre de 2018 as Comissões de Aferição de Veracidade de Autodeclaração de Negros(as) (Cavane), com competência deliberativa para deferimento ou indeferimento da autodeclaração de candidatos a reserva de vagas para negros e indígenas, no acesso ao ensino superior.
Júlio Cesar Barbosa, integrante da Cavane e diretor de Processo Seletivo, fez um histórico de todo o processo de implantação da política de cotas com a criação da Cavane, explicando a estrutura da comissão e o seu funcionamento.
O critério adotado pela Unifal, conforme resolução do Conselho Universitário para deferimento da autodeclaração do candidato, é, exclusivamente, o fenótipo negro (características físicas) como base para análise e validação, excluídas as considerações sobre a ascendência, através de entrevistas. A pandemia inaugurou na universidade a modalidade da heteroidentificação virtual.
Em relação às supostas fraudes no ingresso de discentes pela Lei de Cotas em períodos anteriores à instituição da Comissão de Heteroidentificação, a universidade criou em 2019 a Comissão Especial para a Análise e Julgamento (Ceaj) para apuração das denúncias. Cerca de 100 processos administrativos foram instaurados para apurar denúncias sobre supostas fraudes de estudantes da Unifal no sistema de cotas, os quais estão submetidos à Comissão de Heteroidentificação.
Júlio listou os avanços e inovações na implantação das ações afirmativas na universidade. Ele destacou a institucionalização das comissões e a organização dos critérios: “Foi importante a institucionalização para a segurança jurídica, a padronização de procedimentos e previsibilidade das normas de acesso e aferição. Houve as especificações de critérios, orientações e ações de capacitação com ofertas de cursos. E a ampliação da comissão com integrantes de diferentes unidades acadêmicas e setores da comunidade acadêmica com representação dos segmentos”.
Um grande passo na Unifal, segundo Júlio, foi a criação do Núcleo de Estudos Afrodescendentes e Indígenas. Entre os avanços, ele citou também a informatização do sistema de chamadas pela heteroidentificação, bem como a publicação dos resultados e recebimento de recursos on-line. “No começo era tudo em papel, difícil de organizar”. E a realização de filmagens das entrevistas e pagamento como forma de incentivo à adesão e a participação nas comissões.