Antes mesmo de vir à tona o caso do locutor (ou dono) do Flow Podcast que supostamente foi demitido após defender a existência de um partido nazista no Brasil, o deputado federal Leo de Brito (PT-AC) protocolou um projeto de lei na Câmara para aumentar a pena pelo crime de apologia ao nazismo — a lei antirracismo (7.716 de 1989) prevê reclusão de 2 a 5 anos e o parlamentar propõe ampliação para 4 a 6 anos.
Alguns casos assombraram a sociedade esta semana. O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou no dia 8 a instauração de procedimento para que seja apurada a prática de eventual crime de apologia ao nazismo em dois casos: num, Bruno Aiub, conhecido como Monark, disse no dia 7, ser favorável a existência de partido nazista no país. Noutro, o deputado federal do Podemos (SP) Kim Kataguiri, afirmou que foi um erro a Alemanha ter criminalizado o partido nazista, responsável pelo Holocausto.
Reação
Coletivos judaicos, como o Instituto Brasil-Israel e o Judeus pela Democracia, também pressionaram patrocinadores de Monark para interromperem o financiamento do programa. “Ideologias que visam a eliminação de outros têm que ser proibidas. Racismo e perseguições a quaisquer identidades não são liberdade de expressão”, postou o Judeus pela Democracia.
Ministros do Supremo Tribunal Federal usaram as redes sociais para enfatizar que exaltação ao nazismo é crime no Brasil. O Ministério Público de São Paulo também afirmou ter sido instaurado inquérito civil pela Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, área de Inclusão Social, contra o influenciador digital e o podcast. O episódio foi excluído do Youtube, mas já havia ultrapassado 400 mil visualizações, gerando repercussão: o assunto ficou entre os mais comentados no Twitter. O locutor se desculpou dizendo que estava bêbado.
As ocorrências de apologia ao nazismo vêm crescendo anualmente. Em 2020, as estatísticas mostraram a abertura de um novo inquérito a cada três dias. Antes, eram 4 a 20 investigações por ano.
“Nós temos uma situação de muita tensão na política e na sociedade, de modo geral, e o governo de Jair Bolsonaro (PL) não toma nenhum tipo de atitude diante disso”, avaliou o deputado Leo de Brito. O presidente da República e filhos se calaram sobre a apologia ao nazismo feita por Monark e Adrilles Jorge. Este último era comentarista da Jovem Pan e foi demitido no dia 9 depois de comentar a declaração de Monark se despedir com a palma da mão estendida, imitando a saudação à Hitler.
Em nota, a Jovem Pan disse repudiar qualquer manifestação em defesa do nazismo e suas ideias e que os comentaristas têm liberdade para emitir opiniões, desde que dentro dos limites da lei. Colegas de trabalho também repudiaram a atitude.
É crime!
Um estudo da antropóloga Adriana Dias, que pesquisa o assunto desde 2002, mostra que as células de grupos neonazistas cresceram 270,6% no Brasil entre janeiro de 2019 e maio de 2021, e se espalharam por todas as regiões do país, impulsionadas pelos discursos de ódio e extremistas contra as minorias representativas, amparados pela falta de punição, registrou o informativo do UOL.
Em entrevista ao Fantástico da tevê Globo, a antropóloga informou que existem pelo menos 530 núcleos extremistas, que podem conter cerca de 10 mil pessoas ativas operando no Brasil hoje. Segundo ela, a maioria se identifica como neonazistas e têm em comum o ódio contra feministas, judeus (com a negação ao holocausto), negros e a população LGBTQIAP+, nordestinos, imigrantes.
Para juristas, isso não pode ser confundido com liberdade de expressão.
A reportagem do Fantástico identificou que o principal combustível para a explosão do número de células neonazistas no Brasil vem das redes e informou que, durante meses de investigação em grupos privados de compartilhamento de material extremista, jornalistas flagraram mensagens de ódio, vídeos exaltando Adolf Hitler e manifestações que extrapolaram as redes sociais.
Em entrevista ao Jornal Brasil de Fato (em agosto de 2021), a antropóloga explica que, muitas vezes, as autoridades enxergam as manifestações neonazistas como algo isolado e pontual, ligado principalmente a jovens. No entanto, se trata de “uma rede conjunta, que demanda um amplo trabalho para ser combatida”.
“A gente precisa criminalizar o fascismo”, ela completa.
“Essa situação do Monark chamou atenção de maneira grandiosa, da sociedade brasileira como um todo, para esse grave problema”, declarou o deputado federal Leo de Brito (PT-AC) à revista Fórum.