E o debate continua por uma Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Inclusão Social.
“Porque racismo é preconceito e poder. É poder histórico, jurídico, institucional e estrutural que pertence à população branca. Tem a ver com o poder de representação. Quem é que tem acesso a? Quem é que pode entrar em? Quem é que está representado em? Está relacionado ao poder histórico contínuo, ligado, por sua vez, à história europeia branca. Portanto, racismo tem a ver não só com preconceito, mas também com a prática do preconceito, que só pode ser exercitada através do poder – é um problema branco neste sentido.” (Grada Kilomba)[1]
Jadir Anunciação de Brito[2]
Fernanda Barros dos Santos[3]
- Políticas de Ações Afirmativas e Reparações
No dia 22 de junho de 2023 estará na pauta do Conselho Universitário da UFRJ a criação da Superintendência de Ações Afirmativas. A aprovação dessa proposta será uma consequência das lutas antirracistas em defesa das ações afirmativas e de políticas reparatórias na UFRJ. Este processo de luta possui vários atores e atrizes sociais entre os servidores públicos (técnicos e docentes) e estudantes da UFRJ, com destaque para os técnicos administrativos, que durante muitos anos desenvolveram atividades de controle social das políticas de ações afirmativas e cursos de educação antirracista na Câmara de Política Racial e nas Comissões de Heteroidentificação da nossa universidade.
O cenário da votação no CONSUNI da Superintendência de Ações Afirmativas da UFRJ está associado às lutas antirracistas que de longas datas se estendem à universidade. Cabe salientar que estas lutas se dividem em dois ciclos, o primeiro de 2001 até 2014, com agendas de defesa da implantação das ações afirmativas na graduação e denúncias vinculadas ao racismo na universidade. Por outro lado, no segundo ciclo, datado entre 2015 e 2023, sobressaem reivindicações e mobilizações por cotas na pós-graduação e concursos públicos; controle das fraudes nas autodeclarações das cotas; criação de políticas de assistência estudantil para cotistas; lutas por currículos afrocentrados; criação de órgãos de gestão das políticas de ações afirmativas e fomento financeiro de programas e projeto de ensino, pesquisa e extensão voltados à equidade étnico-racial. Outrossim, este período é delineado pela maior presença de docentes, técnicos e estudantes negros e negras na UFRJ. Principalmente em atividades de gestão, ensino, pesquisa, extensão, bem como na organização de movimentos na universidade.
De todo modo, o percurso[4] em defesa das ações afirmativas é marcado por muitas lutas na UFRJ. A aprovação pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) da Lei n° 3.708/2001, que destinava 40% de vagas nas universidades estaduais para candidatos autodeclarados pretos e pardos, foi um marco nas lutas sociais por ações afirmativas no Brasil. Apesar disso, a UFRJ não seguiu o exemplo de outras IFES (Instituições de Ensino Superior) na criação das cotas para ingresso na graduação, e somente no ano de 2010 foi aprovado um primeiro mecanismo de ações afirmativas com cotas apenas para estudantes de escolas públicas no CONSUNI. Entre os anos de 2010 e 2011 foram apresentadas ao CONSUNI propostas de políticas de ação afirmativa por meio de cotas raciais, e o conselho universitário as rejeitou. Em 2012, foi sancionada a Lei n° 12.711/12, que estabeleceu para as IFES o prazo de quatro anos para a aplicação de no mínimo 50% de reserva de vagas por curso e turno, com cotas sociais e raciais. Nesta ocasião, a UFRJ aprovou uma implementação gradual da Lei n° 12.711/12 e, em 2014, a universidade passou a cumprir o percentual de no mínimo 50% da reserva de vagas para a graduação.
Em perspectiva comparada, em 2016 é sancionada a Lei n° 13.409, que modifica a Lei de Cotas, incluindo a reserva de vagas para pessoas com deficiência. As políticas para acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência possuem como marco a formação do Núcleo Interdisciplinar de Acessibilidade[5] (NIA) em 2007, com a sua posterior integração à Divisão de Inclusão Social, Acessibilidade e Assuntos Comunitários (DINAAC). Em 2010, o NIA foi incorporado pela DINAAC, integrando a então Superintendência Geral de Políticas Estudantis (SuperEst), atual PR-7, e a Diretoria de Acessibilidade (DIRAC) em 2018. Em 2016, foi criado o Fórum Permanente UFRJ Acessível e Inclusiva (F-PAI).
Em 2018, na UFRJ, a partir dos esforços hercúleos dos técnicos administrativos, foi criada a Câmara de Políticas Raciais[6], responsável pela organização das comissões de heteroidentificação[7], em função de exigências normativas do MEC, com vistas a coibir as denúncias de fraudes nas cotas raciais reservadas para pretos e pardos. Entretanto, em 2019, aumentaram as denúncias de fraudes nas autodeclarações de cotistas, e o Ministério Público Federal recomendou a criação das comissões de heteroidentificação para combater as fraudes nas autodeclarações. Seguindo essa linha temporal, em 2022, o Cepg (Conselho de Ensino para Graduados) aprovou a adoção de cotas para os processos seletivos dos cursos de pós-graduação stricto sensu, estabelecendo 20% para pretos, pardos e indígenas e 5% para pessoas com deficiência.
- As Conquistas das Lutas Antirracistas por Ações Afirmativas
As políticas de ações afirmativas para serem implementadas demandam um desenho institucional com planejamento estratégico, órgãos especializados, orçamento, pessoal qualificado para assegurar o acesso, permanência, desenvolvimento acadêmico e profissional de técnicos e servidores. Ademais, as ações afirmativas são mecanismos reparatórios, compensatórios e promotores da diversidade, inclusão social e igualdade de oportunidades. O público beneficiário das ações afirmativas são os candidatos às vagas na UFRJ, estudantes cotistas pretos, pardos, quilombolas, indígenas, pessoas com deficiências, pessoas LGBTQIA+, discentes em condições de vulnerabilidade social. Em consonância, a política também é dirigida aos candidatos de concursos para docentes e técnicos, com previsão de programas para posterior acesso ao desenvolvimento das carreiras na UFRJ.
As lutas antirracistas por ações afirmativas e reparações na UFRJ conquistaram a institucionalização de mecanismos de combate ao racismo institucional e de promoção da equidade, diversidade e inclusão. Como resultado desse processo, houve a criação da Câmara de Políticas Raciais, as Comissões de Heteroidentificação, o NEABI[8] (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas), a Superintendência de Saberes Tradicionais[9], Coordenação de Ações Afirmativas[10], e várias iniciativas que criaram grupos de ensino, pesquisa e extensão com programas e projetos no campo temático do antirracismo e da promoção da equidade étnico-racial.
Assim, a pauta do CONSUNI do dia 22/06/2023 sobre a discussão e votação da Superintendência de Ações Afirmativas da UFRJ é mais uma etapa do ciclo de lutas na UFRJ em defesa da institucionalização das ações afirmativas e promoção da igualdade de oportunidades para grupos e populações vulnerabilizadas. A aprovação da superintendência será mais um passo fundamental para avançar a gestão das políticas de ações afirmativas para pretos, pardos, estudantes de baixa renda, pessoas com deficiência, quilombolas, indígenas, pessoas LGBTQIA+ para outros grupos sociais.
A aprovação da Superintendência de Ações Afirmativas na UFRJ será uma conquista muito relevante em termos históricos. Trata-se de mais um passo na direção de uma gestão pública comprometida com as medidas compensatórias e reparatórias na UFRJ. A UFRJ precisa garantir estrutura, pessoal e recursos para o funcionamento da futura Superintendência de Ações Afirmativas, e os movimentos antirracistas devem reivindicar mecanismos de participação social nesse processo de construção. As políticas de ações afirmativas demandam um compromisso político-institucional que já está previsto em legislações federais[9] e no PDI da UFRJ, cuja implementação envolve investimento, compromisso político e uma estrutura integrada de órgãos de gestão especializados em políticas públicas de promoção da equidade, diversidade e inclusão social para cumprimento das políticas públicas compensatórias e reparatórias em vigor no Brasil.
As conquistas institucionais na implementação das políticas antirracistas na UFRJ foram resultado de muitas lutas históricas dos movimentos negros e mulheres negras, quilombolas, indígenas, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e internamente do SINTUFRJ, bem como de docentes e técnicos negros e negras ativistas. O giro antirracista na UFRJ nos últimos anos contou as lutas coletivas da Câmara de Política Racial, do Coletivo de Docentes Negros, Coletivos estudantis negros, os Quilombos do IFCS e do CCS.
- Da Superintendência para uma Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Inclusão Social na UFRJ
No cenário atual do processo de reconstrução democrática do Brasil e das IFES, a comunidade universitária da UFRJ: ativistas, pesquisadores, docentes, técnicos, estudantes, movimento sindical, estudantil e os movimentos de direitos humanos estão sendo convocados a apoiar a criação e a estruturação da futura Superintendência de Ações Afirmativas na UFRJ e promover um amplo debate sobre a relevância social, política, acadêmica e administrativa da criação de uma Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Inclusão Social.
A proposta de criação da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Inclusão Social na UFRJ primeiro é justificada em razão da necessidade do avanço das políticas de ações afirmativas focalizadas para grupos e populações historicamente exploradas e oprimidas. O segundo fundamento são os desafios da complexidade do desenho institucional e da gestão eficiente do conjunto das políticas de ações afirmativas na universidade, que demandam prioridades da gestão central da universidade e apoio do corpo social da UFRJ.
Convém frisar que o passo seguinte de inserir as políticas de ações afirmativas na gestão central das IFES no Brasil já vem sendo adotado com a criação da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas. Estas iniciativas possuem como marco inicial a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, que foi a primeira universidade pública federal no país a criar uma Pró-Reitoria de Ações Afirmativas (PROPAAE), em 2005. As outras IFES que possuem pró-reitorias dirigidas para as ações afirmativas são as seguintes: Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil, na UFBA; PROAFE – Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade, na UFSC; Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas (ProAP), na UFABC; Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, na UFSB; Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e Estudantis – PROPAE, na UNILAB; e Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, na USP.
Em linhas gerais, a criação da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Inclusão poderá inserir na centralidade da gestão da UFRJ, que ora se inicia, e nas futuras administrações uma efetiva diversidade e representatividade através da presença de técnicos, discentes e docentes que possuem um acúmulo de experiências na criação e implementação de programas de ações afirmativas nas seguintes áreas: o acesso às vagas de graduação, pós-graduação e concurso para docentes e técnicos; desenvolvimento de carreiras de cotistas; criação de programas de auxílios financeiros; apoio pedagógico e fomento de projetos de ensino, iniciação científica e extensão. A pró-reitoria poderá ser um fator de maior racionalidade da gestão, com aumento da eficiência, efetividade da implementação das políticas de ações afirmativas na UFRJ com a obtenção de novos resultados na UFRJ e o empoderamento dos segmentos da comunidade universitária historicamente excluída da gestão da UFRJ.
Conclusão
Em conclusão, para respondermos às questões Quem é que tem acesso a? Quem é que pode entrar em? Quem é que está representado em?, é necessário afirmar que a aprovação da Superintendência de Ações Afirmativas no CONSUNI no dia 22/06/2023 será mais uma importante conquista das lutas de docentes, técnicos e estudantes que integram o ativismo em defesa dos direitos humanos por meio de políticas compensatórias e reparatórias na UFRJ. Cumpre destacar que diante das persistentes desigualdades e discriminações estruturais existentes no Brasil e na UFRJ, bem como da realidade da dívida socioeconômica que o Estado e a sociedade brasileira possuem com grupos e populações vulneráveis, especialmente os pretos, pardos, indígenas, quilombolas, populações periféricas, pessoas com deficiência, pessoas das comunidades LGBTQIA+ é que saudamos a proposta de criação da Superintendência de Ações Afirmativas na UFRJ.
Contudo, é necessário mais avanços na incorporação das agendas por equidade, diversidade, inclusão social e ações afirmativas, com uma maior representatividade dos sujeitos sociais historicamente excluídos das esferas de decisões na universidade. E, por tudo que foi exposto, propomos o debate sobre a criação da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Inclusão Social na UFRJ.
[1] https://revistacult.uol.com.br/home/grada-kilomba/
[2] https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2022/A%C3%A7%C3%B5es-afirmativas-na-UFRJ
[3] https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2022/A%C3%A7%C3%B5es-afirmativas-na-UFRJ
[4] https://conexao.ufrj.br/2022/06/pos-graduacao-para-todos-ufrj-aprova-adocao-de-cotas-nos-cursos-de-mestrado-e-doutorado/
[5] https://sintufrj.org.br/2021/02/camara-de-politicas-raciais-abre-em-marco-inscricao-para-formacao-as-comissoes-de-heteroidentificacao/
[6] https://ufrj.br/comunicacao/sala-de-imprensa/cotas/
[7] https://conexao.ufrj.br/2023/02/saberes-tradicionais-conquistam-lugar-institucional/
[8] https://conexao.ufrj.br/2023/05/acoes-afirmativas-e-diversidade-conquistam-maior-espaco-institucional/
[9]
Lei 12.990/14, Lei 12.711/14, Lei 10.639/03, Lei 11.645/08, Lei 8.213/91, Lei 13.409/16, Lei 12.288/10
ESTE ARTIGO FOI ESCRITO UM POUCO ANTES DA APROVAÇÃO DA CRIAÇÃO DA SUPERINTENDÊNCIA DE AÇÕES AFIRMATIVAS, DIVERSIDADE E ACESSIBILIDADE NA QUINTA-FEIRA, 22 DE JUNHO