Globo, BBB e a exploração da dor: “Essa edição causa mais sofrimento que distração”

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Humilhação de Lucas gera críticas à emissora: “Estamos assistindo o sofrimento mental ser vendido como entretenimento”

Caroline Oliveira e Igor Carvalho

Brasil de Fato

Na última semana, o programa Big Brother Brasil (BBB), da TV Globo, que está em sua 21ª edição, teve como assunto principal a relação de Lucas Penteado com o restante do elenco. A emissora carioca tem levado ao ar imagens em que o jovem é humilhado e isolado pelos outros integrantes.

Na última segunda-feira (1), o apresentador Tiago Leifert promoveu uma “brincadeira”, que acabou servindo para que os demais participantes humilhassem Penteado. A exploração do conflito e o espaço aberto para a crítica ao jovem foram criticados por Fernanda Nascimento, psicóloga e pesquisadora da psicologia preta.

“Essa edição está causando mais sofrimento do que distração ou entretenimento. Tem ali um nível de crueldade que desumaniza muita gente ali dentro”, explica Nascimento.

“A gente entende violência só se tocarem na pessoa, dar um soco, um tapa, e quando a gente fala em relações abusivas, o começo é o abuso psicológico”, explica a psicóloga.

“A violência psicológica, o desmerecimento, a redução do outro, o escarnecimento do outro. Isso tudo faz parte. Te diminui e te coloca numa redoma para que o agente da violência tenha o controle.”

Douglas Belchior, fundador da Coalizão Negra por Direitos e da Uneafro, condena a atitude da rapper Karol Conká, que tem sido a principal antagonista a Penteado dentro do programa. Em algumas de suas intervenções, chamou o jovem de “merda” e pediu que ele calasse a boca enquanto ela come.

“Estamos assistindo o sofrimento mental de um participante ser vendido como entretenimento. Estamos assistindo uma participante agir com crueldade e desrespeito – sendo, além de racista, capacitista em suas falas terríveis. Nada será feito? Isso vai continuar sendo vendido?”, pergunta Belchior.

Dennis Oliveira, jornalista e professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), explica que esse processo não é novidade na televisão brasileira. “Quando estes episódios de dor são fechados em si e não conectados a dimensões mais amplas, o fato se isola em si e se objetificam”, afirma Oliveira.

“A TV trabalha justamente em explorar o caráter sensacionalista destas dores humanas. Principalmente quando se trata de pessoas negras que estruturalmente são objetificadas e, portanto, tem seus dramas transformados em objetos de consumo na narrativa midiática”.

O movimento negro

O conflito central estabelecido e focado pelo programa tem como protagonistas o ator Lucas Penteado, os rappers Projota e Karol Conká, além da psicóloga Lumena Aleluia e o humorista Nego Di.

O fato de todos serem negros, fez com que a audiência do programa confundisse posições tomadas pelo elenco, com ideias do movimento negro.

“O BBB é um programa laboratório que reflete sobre padrões de comportamento e seduz pela visibilidade e proximidade com o universo das celebridades. Esta trajetória por si é estranha ao movimento negro, que atua para transformações políticas, atua no universo da política, como todo movimento social”, defende Oliveira.

Por outro lado, o professor aponta que, como as agendas do movimento negro impactam a sociedade, parte delas também impacta a mídia e aparece em programas como o BBB.

“Os participantes negros que lá estão não representam o movimento, mas podem eventualmente expressarem visões do movimento. Mas o cenário midiático não é o mais favoravel para esta agenda, ainda que possa ser repercutida lá”, conclui o professor.

Belchior ressalta que a participação de pessoas negras em igual proporção em programas de TV deveria ser uma realidade há mais tempo. “Ora, se no Brasil há 56% de pessoas negras, haver proporcionalidade de participantes negros não deveria ser um acontecimento raro – nós devíamos estar na TV nesta mesma proporcionalidade há muito, muito tempo”.

Sobre a rejeição à Conká, Nego Di, Projota e Lumena, que antagonizam Penteado e que estão sendo atacados nas redes sociais, Belchior afirma: “Nesse sentido, temos uma camada mais profunda dessa representação de imagem: somos plurais. Somos vilões, mocinhos, temos defeitos como qualquer ser humano.”

Karon Conká

As imagens da rapper paranaense atacando Penteado se tornaram o assunto mais comentado da edição atual. Nascimento afirma que Conká tem “perfil de abuso. ‘Porque eu estou curitibana, educada eu sou, você não é, você não vai fazer, não vai estar’, determinando na verdade o destino do outro”.

“Ela está promovendo uma violência psicológica, não sei se ela tem ciência. Eu sinceramente espero que não. Mas ela está exercendo uma violência psicológica”, ressalta.

Belchior encerra com uma reflexão: “‘Cancelar’ um jovem negro é a base do racismo brasileiro. Retirar a humanidade desse jovem e resumi-lo ao seu erro, julgando e condenando sem chance de redenção ou defesa é apenas o que acontece todos os dias na nossa sociedade”..

Edição: Leandro Melito

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