No debate sobre a reforma administrativa,a prioridade do presidente Lula são o projeto delei dos supersalários e as negociações para a reestruturação das carreiras. Contrapondo a PEC 32/2020 de Guedes/Bolsonaro que está no Congresso Nacional e é defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, defende um pacote de propostas com as prioridades do governo para negociar com os parlamentares. A afirmação foi feita em conversa com um grupo de jornalistas em seu gabinete.
Considerada uma das piores peças legislativas sobre Administração Pública já apresentadas ao Congresso, a PEC 32/2020 ficou conhecida por muitos nomes: PEC da Rachadinha, PEC do Retrocesso, PEC da Corrupção, isso porque um dos efeitos perversos dessa reforma é a possibilidade de terceirização irrestrita dos serviços, permitindo que a corrupção seja facilitada e descontrolada.
Mobilização vitoriosa
A proposta de reforma administrativa (PEC 32) que ameaça os serviços públicos foi apresentada em setembro de 2020 e discutida e aprovada em comissão especial após várias modificações, em setembro de 2021. Mas teve sua tramitação suspensa por força de uma intensa movimentação de milhares de servidores públicos, entidades como a Fasubra, nossa federação, centrais sindicais e segmentos da sociedade civil organizada.
O projeto foi abraçado por Lira que fez manobras e atropelou a sua tramitação normal para acelerar a aprovação na Câmara dos Deputados. O chefe do Centrão,que defende os interesses do empresariado, insiste na aprovação da PEC 32.
“Nossa proposta é além dessa PEC”
“O que a gente quer construir é uma agenda comum em torno da reforma administrativa, em parceria com a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), a Casa Civil, o Legislativo, o Judiciário e a sociedade civil”, afirmou Dweck ao pequeno grupo de jornalistas em seu gabinete.
A ministra contou queesteve reunida com integrantes da Câmara Técnica de Transformação do Estado do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável (CDESS), o Conselhão, e que prometeu analisar a proposta dos conselheiros para fazer um pacote sobre o que o governo entende como reforma administrativa.
“A Câmara Técnica sugeriu, e eu fiquei sensibilizada com a proposta. Vamos discutir internamente sobre isso”, afirmou. Segundo ela, o que o governo tenta promover é algo mais amplo do que a PEC 32 propõe e não passa por uma reforma do Estado.
Prioridades
“A nossa proposta de reforma do Estado é além dessa PEC. E, por isso, a dificuldade de transformar em um único pacote, porque não é trivial. Há muita coisa que vai ter concordância no mérito, mas precisamos debater mais”, frisouDweck, citando como uma das pautas prioritárias para essa reforma o projeto de lei dos supersalários, além das negociações para a reestruturação das carreiras, que estão em curso.
“Queremos sentar com o Congresso e montar uma carteira de projetos para compor essa agenda comum, mais positiva, para transformar o Estado e fazer com que ele preste o melhor serviço para o cidadão. A PEC 32 não vai melhorar a prestação do serviço público para a população”, acrescentou a ministra.
Segundo Esther Dweck, ainda há muita desigualdade no serviço público, pois praticamente metade dos servidores ativos, cerca de 250 mil trabalhadores, recebe menos de R$ 10 mil. E, por isso, limitar os supersalários ajudaria a reduzir essas desigualdades. “Temos conversado com o ministro Alexandre Padilha (SRI), que vai conduzir o diálogo com os parlamentares. Não nos negamos a debater o tema, mas vamos escolher os projetos prioritários para essa conversa”, destacou.
Precarização
do serviço público
Dweck afirmou que a PEC 32 tem um foco mais em pessoal, a fim de acabar com a estabilidade do funcionalismo, e que o pacote de medidas para a reforma do Estado não precisa de uma mudança constitucional, apenas de atos normativos e projetos de lei.Segundo a ministra, o único item da reforma administrativa que está no Congresso que poderia gerar “alguma redução de custo” é a possibilidade de diminuição da redução da jornada com redução de salário de até 25%.
“Os municípios têm a menor remuneração disparado, e eles, basicamente, prestam os serviços de saúde, de educação e de segurança. Essa proposta tende a precarizar ainda mais o serviço. Por isso que, na nossa visão, essa PEC vai resultar em uma grande precarização ou vai ter aumento de despesa, tanto que ninguém calculou o verdadeiro impacto dela”, completou a ministra.
O que a PEC 32 propõe
A PEC 32 foi apresentadaao Congresso Nacional pelo governo Bolsonaro como a “modernização” do Estado brasileiro e o fim de “privilégios”. Mas, na verdade, ela é exatamente o contrário. Se aprovada, a PEC 32 vai acabar com concursos públicos para a grande maioria dos cargos. Em seu lugar, passam a valer contratações “temporárias” de 10 anos.
Isso significa um retrocesso, e a ocupação de cargos públicos por apadrinhados políticos, que ficarão devendo favores a quem os colocou lá. A PEC prejudica, principalmente, a parcela de servidores e servidoras que têm os menores salários, como os que trabalham em saúde e educação de estados e municípios, e que representam mais de 50% do total do funcionalismo no Brasil.
Fim da estabilidade
A estabilidade corre grandes riscos. O texto apresenta cinco possibilidades de perda do cargo por servidor ou servidora concursados: extinção do cargo (única que não vale para os atuais); extrapolação dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); processo administrativo; avaliação de desempenho; e processo judicial (perda do cargo após decisão judicial proferida por órgão judicial colegiado, sem necessidade de transitar em julgado). Além disso, as novas formas de contratação não preveem estabilidade, apontando para o fim dessa garantia para os futuros contratados.
Privatização
A PEC 32 abre as portas para privatização de hospitais, escolas, postos de saúde e dificulta ainda mais o acesso à Justiça, escancarando as portas para a corrupção. O artigo 37-A, que a reforma administrativa quer incluir na Constituição, mexe em todo o setor público, abrindo espaço para o aprofundamento das práticas de terceirização, privatização e, no limite, extinção de órgãos e instituições e sua substituição pela iniciativa privada por “vouchers” ou não – o que, enfim, torna o setor público subsidiário do privado, mesmo que essa subsidiariedade tenha saído explicitamente da proposta. Abre, também, as portas para a aplicação, em todo o serviço público e sem quaisquer limites, do modelo já aplicado hoje a partir de entidades como as OS’s e Oscips.
*Com jornal Correio Braziliense