Documentário produzido pela Comissão da Memória e Verdade da UFRJ, exibido na reunião, mostra a violência contra negros na ditadura civil-militar
O Grupo de Trabalho Antirracista do Sintufrj – aproveitando a campanha 21 Dias de Ativismo Contra o Racismo – promoveu na quarta-feira (20) como atividade de greve, uma apresentação cultural com debate no Espaço Cultural do sindicato.
“Ditadura e Racismo, violência ontem e hoje” foi o tema escolhido que reuniu como debatedores a presidente da Attufrj, Valdinéia Nascimento, a integrante da Comissão de Memória e Verdade da UFRJ, a historiadora Luciana Lombardo, a aposentada da UFRJ, Helena Alves e o poeta Toni BXD.
A mediação coube ao militante da UFRJ e integrante do GT, Hilem de Souza. “Temos de conhecer e mostrar a verdadeira história, principalmente para não a repetir”, refletiu Hilem.
A apresentação cultural ficou por conta de Toni que realiza poesia de protesto. Ele abriu e fechou o evento. O debate foi precedido pela exibição do vídeo “Incontáveis”. Episódio 5: “Populações Negras e Favelas na Ditadura”, produzido pela Comissão da Memória e Verdade da UFRJ. Este episódio aborda a temática da violência do regime militar contra a população negra e contra os moradores de favelas.
Dezenas de milhares de famílias foram removidas de suas casas para abrir espaço para a especulação imobiliária e o enriquecimento das classes dominantes, favorecidas pelo regime; jovens negros foram executados por esquadrões da morte e grupos de extermínio; moradores de favelas foram presos arbitrariamente e torturados sob a alegação de “vadiagem”; houve censura e perseguição às manifestações culturais negras: essas foram algumas das principais formas de violência que o regime moveu contra esses setores da sociedade, ao mesmo tempo em que reforçava o mito da democracia racial e afirmava que no Brasil não existia racismo.
Impacto
O vídeo impactou a todos e serviu também de inspiração para as narrativas que se seguiram.
Helena Alves contou o que viveu na Praia Vermelha em 1970. “Foi um verdadeiro horror. O exército chamou a cavalaria para pegar os estudantes. E os meninos jogavam bolinhas de gude para atrapalhar o avanço dos cavalos. Presenciamos muitas coisas mostradas no vídeo.”
Waldinéa Nascimento falou da discriminação dos trabalhadores terceirizados e o sofrimento por que passam as mulheres, em sua maioria negras. “Os terceirizados são uma categoria não reconhecida, a maioria é negra, mulheres que sofrem cotidianamente assédio e desrespeito”.
Lucia Lombardo informou que a série “Incontáveis” narra histórias que ainda não foram contadas sobre a ditadura militar no Brasil. “Tem sim um componente racial que foi negligenciado quando falamos do golpe”, sustenta. Ela afirmou que historicamente os negros, alvos privilegiados da violência estatal em um país profundamente racista, também foram muito atingidos pelos atos arbitrários da ditadura. E deu como exemplo o narrador do Episódio 5, o Filó, organizador de festas de música soul que celebravam a beleza negra e questionavam o racismo. Filó foi preso e levado ao Doi-Codi. Para mostrar que também houve muita resistência da população negra e das favelas, a historiadora mostrou uma série de cartazes de mobilização e protesto.
Protagonismo
Francisco de Assis, ex-dirigente do Sintufrj e atual coordenador de Comunicação da Fasubra, chamou a atenção que nos levantamentos feitos pela Comissão da Verdade da UFRJ não há praticamente a participação dos técnico-administrativos. “Sabemos de colegas que esconderam estudantes em caixas d´água e que chegaram a esconder documentação do Doi-Codi para proteger a estudantada. Mas isso não foi documentado”, observou.
Arte marginal
Toni BXD que rasga o verbo em seus poemas e raps, é um morador de Belford Roxo, professor de matemática e ativista. Trabalha como voluntário em quatro cursos pré-vestibulares. Foi aluno da UFRJ e vinha para o Fundão de bicicleta. Gastava duas horas em seu trajeto. “Faço uma poesia marginal de protesto. Além de dar aulas voluntariamente desenvolvo um projeto cultural.”
Além dos debatedores, alguns participantes também narraram suas experiências como Orlando Simões. Negro, técnico de laboratório do Instituto de Microbiologia, trabalhava durante o dia e estudava a noite em uma faculdade particular. Suou muito para se formar em ciências biológicas. “Cheguei a estudar no banheiro”.
Recentemente, já formado, foi apresentar uma aula prática para os estudantes e muitos ficaram do lado de fora esperando o “professor”. Só depois que ele iniciou a aula com os alunos que estavam na sala foi que os de fora começaram a entrar “envergonhados”.
A atividade de greve do GT Antirracista do Sintufrj foi prestigiada por integrantes da Administração da UFRJ como Noemi Andrade (Câmara de Políticas Raciais da UFRJ) e Mônica Gomes da diretoria de Relações Étnicas Raciais da Superintendência de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade da UFRJ; e Andressa Oliveira, que integra o mandato do deputado federal pastor Henrique Vieira (PSOL).