Três a cada quatro pessoas que vivem na pobreza, no Brasil, são negras. Além do racismo, cujos dados a cada dia são mais alarmantes, as mulheres afrodescendentes são as que mais sofrem com a desigualdade social e a violência em todos os setores da vida. Por isso, 25 de julho — Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no Brasil –, é celebrado com debates e outras atividades políticas para garantir visibilidade às questões enfrentadas por essas mulheres no seu cotidiano, mas também marca as várias conquistas.
O Sintufrj destacou a data com palestras de três especialistas sobre três temas: O impacto e as consequências do aborto para as mulheres negras; Análise do cenário jurídico brasileiro nos casos de violência obstétrica em mulheres negras e Vivências e desafios da mulher negra. A roda de conversa foi realizada no Espaço Cultural da entidade e reuniu dezenas de companheiras da UFRJ, inclusive aposentadas. Denise Goés, superintendente de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade, e Luzia Araújo, ouvidora-geral da universidade estavam entre as participantes.
Abertura pelas organizadoras
Dirigentes do sindicato e colaboradoras da atual gestão organizaram e coordenaram a roda de conversa. “O 25 de julho é um dia dedicado à luta da mulher negra latino-americana e caribenha demarcando o protagonismo das mulheres negras em uma sociedade com extrema desigualdade de gênero, classe e raça. A Superintendência de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade hoje representada por uma mulher negra, potencializa a luta antirracista na UFRJ”, registrou Helena Alves, da Coordenação de Educação e Cultural.
“Esta é uma data em que as mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais refletem sobre suas lutas e se voltam para o fortalecimento de suas organizações. Um dia que marca a luta e a resistência internacional das mulheres negras contra o racismo e o sexismo”, afirmou na sua saudação a coordenadora de Políticas sociais, Anai Estrela. “Este dia é nosso, portanto, nós, mulheres negras, temos que tomar posse dele”, incentivou Selene Vaz. “A institucionalização de 25 de julho como também Dia Nacional de Tereza de Benguela reverencia as mulheres negras do país”, disse Norma Santiago. “Sua trajetória inspira gerações de mulheres negras lutadoras, porque a Tereza de Benguela ficou conhecida pela sua coragem, resiliência e determinação à frente do Quilombo Piolho, no Mato Grosso, no século XVIII”, acrescentou a militante. (Fotos: Elisângela Leite)
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O drama do aborto para mulheres negras
De acordo com a pesquisadora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, Ana Carolina Gonçalves, o aborto só se tornou um problema de saúde pública após as conferências internacionais sobre população e desenvolvimento, no Cairo, e mundial sobre a mulher, em Beijing, nos anos de 1994 e 1995, quando a ONU se pronunciou a respeito do aborto clandestino e seus impactos na saúde da mulher.
“Uma das maiores preocupações das ativistas era a falta de informações sobre o aborto. Por ser uma prática legalizada apenas em casos de violência sexual ou em risco de morte para a mãe, era difícil ter dimensão sobre quais métodos eram utilizados em abortos clandestinos, a quantidade de mulheres mortas e nem quem são as mulheres que abortam. A maior preocupação dos movimentos era a subnotificação. As mulheres não procuravam o sistema de saúde por medo de serem presas”, informou.
Dados da Pesquisa Nacional do Aborto de 2021 apresentados pela pesquisadora revelam que uma em cada cinco mulheres negras perto de 40 anos já fez pelo menos um aborto. “Os índices mais altos de aborto estão entre pessoas negras e indígenas, com nível de escolaridade mais baixo, residentes de áreas mais pobres. A precariedade nos serviços de assistência em saúde nesses locais, a falta de educação sexual nas escolas e de acesso a métodos contraceptivos, além da convivência com a violência dentro de casa nas relações, são alguns dos aspectos que explicam esta realidade, segundo especialistas”, explicou Ana Carolina.
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Violência obstétrica amplia riscos de morte
A advogada e mestranda pela Unirio, Luciana Teixeira, que desenvolve pesquisa sobre as mulheres negras brasileiras, tendo como foco violência obstétrica, em mulheres negras, apresentou dados alarmantes pela invisibilização dos atos praticados: risco de morte materna é duas vezes maior; recebem menos analgésico em caso de episotomia (corte realizado no períneo da mulher); maior risco de pré-natal inadequado e mais dificuldade de atendimento hospitalar na hora do parto.
A falta de informação sobre como realizar exames e dificuldade de acesso ao sistema de saúde (SUS), que, por sua vez, não oferece programa de humanização, consultas médicas muito rápidas e atendimento com rispidez, não acolhimento no pré-natal, entre outros fatores, são situações impostas às mulheres negras pobres e grávidas.
Segundo Luciana, o judiciário não sabe como identificar o que seja violência obstétrica. Vale o que a equipe médica fala. Além disso, falta um recorte racial na lei, e políticas públicas. A advogada recomenda que as vítimas denunciem pelos seguintes canais: Telefone 180 ou pelo Dique Saúde 136; acione o Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher Vítima de Violência de Gênero (Nudem) (21) 2332-6371; ou procure uma advogada especialista para defesa dos seus direitos. Ela encerra sua palestra com uma citação de Lélia Gonzalés:
“…Ser negra e mulher no Brasil repetimos, é ser objeto de tripla discriminação, uma vez que os estereótipos gerados pelo racismo e pelo sexismo a colocam no mais baixo nível de opressão”.
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Proteção na hora do parto
A educadora perinatal Juliana Santiago Santos, explicou o que faz a doula, profissão que também exerce – “sou uma mulher múltipla”, se autodefiniu. “A doula é uma mulher que serve, sempre existiu”, disse, lembrando a atuação das parteiras. Uma profissional que surgiu para auxiliar a mulher na gravidez e na hora do parto, evitando que ela fique nas mãos de machistas, que tratam o corpo feminino na hora do parto como se ele tivesse que ser moldado para facilitar o seu trabalho.
Técnica de respiração, massagem, banhos de água quente, informações sobre seus direitos e o que deve ser respeitado pelo sistema de saúde são algumas das tarefas desempenhadas pela doula. “A intenção é impedir que a mulher grávida seja humilhada, discriminada e negligenciada, passe por procedimentos médicos não permitidos, sofra violência física e verbal”, enumerou Juliana. “Proibir a mulher a ter um acompanhante na hora do parto ou induzi-la a se submeter a uma cesariana sem necessidade, é ilegal”, citou como exemplo.
Segundo a especialista, o corte vaginal para facilitar a passagem do bebê é um procedimento que se tornou raro, mas costuma ser praticado em mulheres negras, que ficam com uma cicatriz feia. “As mulheres negras são submetidas a camadas de opressão e pesquisas apontam que sofrem mais na hora do parto. Elas são usadas como estudo, porque “mulheres negras são muito fortes, não sentem dor”, e são vistas como reprodutoras desde a época da escravidão”, disse.
“Juliana concluiu sua participação na roda de conversa afirmando que “é muito importante as políticas públicas que valorizem os saberes e práticas ancestrais. Temos que saber o lugar que ocupamos na sociedade e parar com parto violento. Não condenamos a cesariana, mas temos direito de gritar e a ter alterações fisiológicas durante o parto. O corpo da mulher sabe o que é preciso fazer para a criança nascer”.
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Vivências e desafios da mulher negra
A assistente social e ativista dos direitos da mulher negra, Preta Gonçalves, empolgou a mulherada que lotou o Espaço Cultural do Sintufrj. “No terreiro é roda, na beira da caçada também é roda, a brincadeira é roda. A nossa vida é uma roda, comparou a palestrante. “Vivemos num país onde uma juíza absolve os assassinos de uma adolescente (Ela se referiu aos três policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) que atiraram em João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, e foram inocentados sumariamente pela juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo) e um casal dança imitando macaco numa roda de samba, um espaço sagrado nosso e nada acontece”, lamentou.
“Enfrentamos desafios desde que chegamos neste Continente e o maior deles é o direito a humanidade. A mulher negra sempre foi deixada de lado. A mãe branca não teme que seu filho seja comparado com um bandido e não retorne para casa. Se a gente não falar de racismo, como ele vai se resolver? Tenho a experiências de todas essas dores, mas também a experiência da vitória. Estamos falando da nossa luta e precisamos de aliados, mas os protagonistas somos nós”, pontuou a ativista.