Dúvidas e conjecturas sobre o poder da IA na educação e no mundo do trabalho

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“Inteligência Artificial na educação e no mundo do trabalho” foi o tema da Mesa Especial 2 do Festival do Conhecimento da UFRJ, na terça-feira, 27 de agosto. O ex-reitor e diretor do Instituto de Economia, Carlos Frederico Leão Rocha, mediador do debate, expôs sua preocupação em relação ao impacto que a tecnologia pode ter nos empregos e salários. Ele comparou o momento atual ao movimento dos operários que quebraram as máquinas que o substituíram, no século XVIII/XIX (o movimento ludista), ao surgimento da IA no século XXI.

Segundo Leão Rocha, o momento atual apresenta uma característica que se assemelha ao surgimento do movimento ludista. “Você tem elevados ganhos de produtividade e salários estagnados. Ou seja, você está aumentando a produtividade mundial, mas essa produtividade não está sendo repassada aos salários. O que aumente a desigualdade de renda. Isso pode criar muita revolta. Mas o que marca o movimento ludista e o que marca agora é a destruição de muitos postos de trabalho. E também temos um rebote na educação”.

O mediador provocou os debatedores Gil Santos, Lucas Maia e Pedro Burgos com perguntas diretas em relação ao tema.

Educação

“Será que a maneira como organizamos a universidade hoje é adequada para dar resposta às novas tecnologias?”. Pergunta voltada para a educadora Gil Santos.

Ela respondeu que em relação á formação “falta uma aproximação popular e uma descomplicação do que é educar, do que é falar sobre novas tecnologias”. Gil Santos afirmou que é preciso desglamourizar o IA, facilitar essa educação. “Até para dizer se não nos serve, a gente tem que saber o que está acontecendo. O primeiro passo ou maneia de chegar lá como academia, como escola, como centros de aprendizagem, como educação popular é trazer esse diálogo para a mesa. Mesas diferentes, de casa, do bar, e falarmos de forma direta e simples sobre os acontecimentos do mundo.”

Informação

“Qual o impacto que você vê sobre o mercado de trabalho do jornalista e a inteligência artificial?” A pergunta foi direcionada a Lucas Maia, diretor de Tecnologia da Agência Tatu de Jornalismo de Dados.

Na avaliação do jornalista o impacto que ele percebe no mercado de jornalismo não é o jornalista estar perdendo o emprego para a IA, mas a super exploração. “A IA tem forçado os jornalistas a trabalharem cada vez mais, afinal ele tem ali o ChatGPT que vai ajudá-lo a produzir muito mais rápido. Só que sem treinamento adequado, as pessoas acabam transformando o que pode ser uma ferramenta de auxílio em uma tecnologia que pode produzir uma história falsa, por desconhecimento do que esse tipo de tecnologia é capaz de apurar”.

Lucas disse que mais do que o impacto no mercado de trabalho jornalístico é como a sociedade tem acesso a informação de qualidade. “Se eu não tenho mais o profissional de jornalismo que é o que media a informação, apura, verifica sua veracidade, essa informação pode sofrer pelas próprias falhas concernentes a uma inteligência artificial”. O perigo para o jornalista é a IA fazer de uma mentira a mais pura verdade. “Uma mentira que parece muito verdade. A IA é boa em imitar o jeito que a gente escreve”, alertou.

Trabalho

“Será que o ritmo que nós vamos perder emprego vai ser maior ou menor do que o ritmo de criação de novos empregos pelas tecnologias emergentes?” O questionamento foi a Pedro Burgos, colunista de IA no Investnews.

O especialista, que levantou dúvidas sobre essa dualidade, fez uma comparação com o número de cavalos que tinha em Nova Iorque na virada do século XX e toda a indústria que girava em torno deles — carruagens, cuidadores, fábricas, ferragens, etc., que desapareceu com a chegada dos carros.

“Tinha 150 mil cavalos em Nova Iorque na virada do século XX e  tinha toda uma indústria: dos criadores, das pessoas que limpavam as ruas, cuidavam dos bichos, ferragens, etc., mas quando chegaram os carros essa indústria desapareceu. Essas  pessoas foram recolocadas na indústria dos carros, viraram taxistas, mecânicos. A nova tecnologia permitiu essa transição. Atualmente existem 80 cavalos m carruagens em Nova Iorque. A dúvida é se nessa analogia nós somos aqui os trabalhadores da indústria de cavalos que foi para a indústria de carros ou se nós somos os cavalos que deixaram de ter a utilidade”, propôs como reflexão.

“Vários dos empregos que foram criados pela internet já desapareceram. Eu tenho muitas dúvidas se essa revolução vai trazer muitos empregos para pessoas que são treinadas com o IA. Acho pouco provável que essas tecnologias tragam mais gente para trabalhar, porque vai ter um número pequeno de cientistas trabalhando em grandes empresas que vão fornecer tecnologia que todo mundo vai usar. Para mim, a IA dará na verdade valor a outros tipos de trabalho, como os ligados ao meio ambiente. São revoluções concomitantes”, acrescentou.

IA no mundo

O avanço da Inteligência Artificial prevê impactar 40% dos empregos em todo o mundo, conforme indicado por um relatório recente do Fundo Monetário Internacional (FMI). A pesquisa revela que, nas economias avançadas, aproximadamente 60% dos empregos podem sofrer influência da IA. Em mercados emergentes e países de baixa renda, as proporções são de 40% e 26%, respectivamente.

Segundo a pesquisa, dos quase 40% dos empregos globais suscetíveis à IA, metade deverá se beneficiar com o uso dessa tecnologia resultando em aumento de produtividade. Já para a outra metade, as ferramentas de inteligência artificial assumirão tarefas atualmente desempenhadas por seres humanos, potencialmente reduzindo a demanda por trabalho e levando a salários mais baixos, além de menos contratações. Em situações mais extremas, alguns desses empregos podem até mesmo desaparecer.

 

 

EX-REITOR FREDERICO LEÃO (a esquerda, de casaco) mediando debate acerca da inteligência artificial no Festival do Conhecimento. (Foto: Elisângela Leite).

 

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