“Estaríamos no ano eleitoral da Inteligência Artificial?”

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Essa indagação foi o centro do debate entre os participantes da mesa especial da tarde de terça-feira, 28 de agosto, no Festival do Conhecimento da UFRJ (presencial, no Salão Nobre do prédio da Avenida Rui Barbosa, transmitido pelo canal Extensão UFRJ no Youtube), com mediação da professora da Escola de Comunicação, Cristiane Costa.

O tema “Inteligência artificial e eleições”reuniu Cristiano Ferri, professor e pesquisador no Centro de Formação da Câmara dos Deputados e autor do livro “O parlamento aberto na era da internet”; Fabro Steibel, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, que estuda o impacto e o futuro da tecnologia no Brasil e no mundo; Cristina Tardáguila, fundadora e sócia da Agência Lupa (agência que atua contra a desinformação com verificações, notícias, análises e reportagens) e Guilherme Amado, diretor de conteúdo do Redes Cordiais (que tem a missão de construir redes mais saudáveis e confiáveis).

Neste super ano eleitoral em todo mundo, segundo os debatedores, no Brasil eleitores de mais de 5,5 mil cidades também vão às urnas nas eleições municipais de outubro. E no dia 16 de agosto foram liberadas as propagandas dos candidatos sob o temor que a inteligência artificial seja usada como arma eleitoral.

De acordo com a Agência Brasil, diante da falta de leis sobre a tecnologia no país, o Tribunal Superior Eleitoral (STF) aprovou regras para a utilização dessa tecnologia nas propagandas eleitorais. O uso de conteúdo gerado por inteligência artificial deve sempre vir acompanhado de um alerta.

Nas peças de rádio, por exemplo, o ouvinte deve ser alertado se houver sons criados por essa tecnologia. O mesmo para imagens e vídeos. Há ainda a proibição da chamada deep fake (uso de conteúdos produzidos artificialmente para prejudicar ou favorecer candidaturas, como vídeos que alteram ou substituem voz ou imagem de outras pessoas). Caso incorram neste crime, as candidaturas podem ser cassadas.

Cristiano Ferri (no alto), Guilherme Amado e Cristiane Costa
Cristina Tardáguila
Fabro Steibel

 

Este ainda não é o ano da IA

Para os debatedores, não será este (ainda) o ano eleitoral da IA. E não será a IA que fará a política ficar pior. Ela chega para reduzir o trabalho humano e o custo administrativo das eleições. Fabro, por exemplo, conjectura se talvez daqui a quatro anos, seja uma eleição “da IA”. “O mais eficaz”, disse, “é fomentar políticas de Estado para investigar as redes de desinformação profissionais e de discursos de ódio”.

Portanto, a IA viria como um aspecto positivo, embora haja riscos, mas a forma de lidar com a tecnologia em questão seria com a mão do Estado e a responsabilização elas consequências. E o uso da IA para criar desinformação não é ainda um problema real. Até porque custaria caro para se chegar ao infrator; como nos filmes, pode-se seguir o rastro do dinheiro.

E isso não diria respeito a toda técnica de IA, mas a da chamada IA generativa, que trabalha com textos, imagens e sons para produzir “coisas parecidas”, como explicou Fabro, ponderando que a IA não é “inteligente”, é uma tecnologia que encontra coincidências num grande volume de dados e por isso conseguiria “sugerir alguma coisa” a partir disso.

Como ao imaginar um fundo que complemente a paisagem do quadro da Monalisa, naturalmente se baseando em outras obras europeias. Só que, ele lembra, o quadro foi pintado na sala de Leonardo da Vinci. “Já era um deep fake esse fundo”, brincou.

 

Cristina, da agência Lula, também trouxe alguns indicadores e exemplos de que a IA não influi tanto nas eleições quanto se presume, inclusive em outros países. Como informa a matéria sob o título: “As eleições indianas foram inundadas de deepfakes – mas a IA foi um resultado positivo para a democracia”.

 

Novas tragédias políticas

Na opinião da pró-reitora de Extensão, Ivana Bentes, coordenadora do evento, “ao atravessarmos a primeira transição da tecnologia digital, com o aparecimento da internet e toda a ideia de inovação democratizante, vimos as redes produzirem discurso de ódio e polarização. Chegamos em 2018, no Brasil, com um cenário terrível. E nossa utopia em relação a internet entrou pelo cano (entre aspas, disse ela, ponderando que tem milhares de usos positivos)”.

Ivana lembrou que foi uma eleição digital com a impotência da justiça de confrontar fake news. “Para mim, foi um dos momentos mais terríveis, e eu acho que nós vamos passar por isso novamente. A minha questão é quando vocês todos falam que não precisa regular agora e que não estamos na eleição da IA, nós vamos esperar que as novas tragédias políticas  aconteçam para poder regular? Será que nós não aprendemos nada com a primeira transição digital para ficarmos esperando a autorregulação do mercado, das big techs, o comportamento do consumidor? Será que nós não estamos sendo ingênuos? não vamos pensar para frente?”, questionou a pró-reitora.

Guilherme Amado afirmou ser a favor da regulação, mas que o ideal pela ordem das coisas, era se conseguir regular as redes sociais antes de regular a IA. “Hoje isso é irreal, porque o PL 2630, chamado PL das fake News, voltou para a estaca zero na Câmara e o PL da IA, que está no Senado, pode ser votado nesse semestre. Certamente está com mais chances do que o PL das fake news. Mas acho que às vezes se está priorizando mais a discussão da regulação do que a discussão do incentivo a termos tecnologias, a partir da IA no país, do que incentivo à pesquisa, incentivo à criação, tanto na iniciativa privad quanto nas instituições públicas”, concluiu.

Segundo Cristiano Ferri, o projeto que está no Senado é muito insipiente e não está madura a discussão para avançar no Congresso Nacional. “Mas a impressão que eu tenho é que os deputados e senadores ainda estão estudando, conhecendo o assunto. Existem basicamente duas forças que estão aí gravitando em torno da questão: o pessoal que quer regular seguindo o modelo europeu, e o pessoal dizendo vamos regular pouco,  vamos deixar as startups desenvolverem a IA, não vamos sufocar o desenvolvimento dessas inovações. Há uma tensão entre essas duas forças e há um impasse, na verdade. Eu acho que quando acontece isso, isso significa que a matéria não está madura para avançar”.

Para Fabio é preciso cuidado na regulação para não retirar o acesso das pessoas a direitos. E pergunta: “A gente está pensando em rede social ou está pensando em eleição?”. E chega a conclusão que “a gente precisa de mais discussão. Não é porque é a autorregulação que funciona. A gente precisa de mais discussão porque os impactos são muito grandes. E tem uma coisa que ninguém fala, mas que é muito necessário, como é que você regula um candidato que ganha uma eleição e faz desinformação? Porque o problema não está fora da política, o problema está na política. Qual é a regra que você faz para responsabilizar quem ganha uma eleição, quem promove uma eleição com ódio e desinformação? Isso daí não é o PL de IA que vai fazer. Esse daí é o PL fake news que a gente precisa, urgentemente, voltar a discutir”.

Cristina não acha que se possa pensar ainda em regulação. “A gente não sabe nem a dimensão do problema direito. A gente quer escrever um texto e fazer uma lei e resolver um problema através de uma legislação sobre algo que a gente não entende de todo e que a gente sequer consegue definir por escrito. E isso dá um certo pânico. Esse Congresso ultra mega polarizado que vai decidir o que pode e o que não pode guiar (a IA)? A gente realmente acredita que aqueles que estão lá não querem usar as leis que eles mesmos estão fazendo para os próprios proveitos ou para as próprias defesas?”, perguntou.

 

 

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