Mães de vítimas da violência policial no Rio serão pesquisadoras da UFRJ

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Pesquisa com as 162 inscritas no programa mostrou que mais de 80% são moradoras de favelas e ganham menos de um salário-mínimo

Cem mães de pessoas que foram vítimas letais da violência de Estado foram selecionadas para participar do programa de bolsas de pesquisa da Rede de Atenção a Pessoas Afetadas pela Violência do Estado (Raave) fomentado pelo Ministério da Justiça junto ao Instituto de Psicologia da UFRJ. O objetivo é desenvolver uma proposta de política pública para essas famílias a ser apresentada ao governo federal.

As mães bolsistas de extensão que tomaram posse no dia 16 de agosto atuarão nas atividades de acolhimento psicossocial de familiares atingidos por violações de direitos promovidas por agentes públicos no Estado do Rio de Janeiro.

Elas contribuirão com seus relatos e vivências para produzir dados, metodologias e fluxos de saúde mental, além de garantir direitos, visando ao aperfeiçoamento e fortalecimento da rede de assistência do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Uma pesquisa com as 162 inscritas mostrou que mais de 80% são moradoras de favelas e ganham menos de 1 salário-mínimo. A maioria tem forte engajamento por direitos humanos, mas sofre com abandono do poder público. Do total, 94% têm outros filhos além do que foi assassinado, e mais de 60% possuem renda familiar inferior a 1 salário-mínimo. Apenas 9% têm algum vínculo empregatício. A maioria está desempregada, é dona de casa ou autônoma. A principal fonte de renda delas são programas sociais como o bolsa família.

Apesar das difíceis condições de vida, a maioria já participa de coletivos de familiares e movimentos de direitos humanos. Quase 60% têm experiência de atividades com instituições públicas para tratar de direitos. Esse trabalho para essas mulheres vai ajudar muito financeiramente. Elas ganharão uma bolsa de R$ 700 por mês, com duração de um ano e possibilidade de prorrogação por até dois anos.

Linha de frente

O defensor público e coordenador técnico da Raave, Guilherme Pimentel, explica que que as mulheres são a linha de frente do acolhimento das famílias que são afetadas pela violência de estado e que elas têm uma enorme contribuição para fazer avançar esse tipo de política pública.

“Quando acontece uma situação de violência de estado quem normalmente se apresenta e toma uma atitude e principalmente quem acolhe novas mães são as mães que já passaram por isso. Isso é observado como uma grande potência de um papel que é cumprido por essas mulheres e que muitas vezes é invisibilizado. Então quando a gente pensa na produção de uma política pública  de atenção psicossocial para famílias afetadas pela violência de estado nós precisamos reconhecer o papel que essas mulheres já cumprem. Por isso elas são as protagonistas desse programa e desse desenvolvimento como pesquisadoras e produtoras de uma proposta de política pública a ser apresentada ao governo federal”, diz.

Ele aposta no sucesso da proposta. “Temos certeza de que dessa experiência das mães que nós teremos a melhor proposta para apresentar para o Ministério da Justiça, o Ministério da Saúde, para o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social e todos os demais ministérios do governo federal que estão empenhados em fazer avançar essa retomada democrática brasileira.”

 

Raave

A Raave é fruto de uma articulação entre a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, através de sua Ouvidoria e de sua equipe psicossocial, com instituições de defesa dos direitos humanos, movimentos sociais de favelas, Movimento de Mães e familiares de vítima da violência de estado ligados aos mais diversos territórios da região metropolitana, e 12 grupos clínico-políticos que promovem atenção psicossocial através de atendimentos individuais e coletivos e outras atividades com pessoas afetada pela violência de Estado.

Um dos principais objetivos da Rede é fortalecer os movimentos de familiares vítimas da violência de estado, os movimentos de favela e os coletivos de território que tem lutado constantemente em defesa dos direitos humanos e contra a violência de estado que insiste em perdurar no nosso país.

Guilherme Pimentel conta que a Raave começou a surgir no dia 6 de maio de 2021, quando ocorreu a chacina do Jacarezinho que foi a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro que resultou em pelo menos 29 pessoas mortas a tiros ou com objetos de corte. Foi uma das maiores do estado, sendo comparável à chacina da Baixada de 2005. Naquele dia, diversas organizações de direitos humanos decidiram ir para o Jacarezinho atuar no território antes mesmo da operação acabar porque as denúncias eram muito grandes.

“Na época era ouvidor da Defensoria e acionei também outras organizações e junto com o movimento de mães, familiares e lideranças de favelas nós entramos no Jacarezinho com a operação em curso. Lá dentro flagramos uma série de provas do que tinha acontecido ali era uma chacina. Documentamos tudo e ao sairmos anunciamos numa coletiva de imprensa de que era uma chacina. O que tinha acontecido ali era gravíssimo. Não tínhamos a dimensão do número de mortos e não sabíamos que era a maior da história das operações policiais no Rio”, narra o defensor público.

Segundo Pimentel “isso gerou o maior atendimento de violência institucional da história da Defensoria Pública, feito de forma integrada, não só com os movimentos dos territórios mais com outras organizações, inclusive profissionais e clínicos de atuação em saúde psicossocial.”

Ele conclui informando que foi então um atendimento integrado jurídico e psicossocial. E muitos grupos que não participaram nos procuraram oferecendo ajuda, se disponibilizando a atender essas pessoas. “Foi aí que percebemos que nós tínhamos uma rede que não poderia se limitar apenas ao Jacarezinho, mais que deveria estar disponível a atender todas as pessoas em todas as situações de violência de Estado.”

ADVOGADO INFORMADA QUE Rede de Atenção a Pessoas Afetadas pela Violência do Estado (Raave) começou a surgir no dia 6 de maio de 2021, quando ocorreu a chacina do Jacarezinho (Foto: Internet)
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