O instituto de Ginecologia da UFRJ, com 78 anos de existência, suspende, pela primeira vez, a realização de cirurgias. A perda de quase 40% do seu orçamento de 2023 para cá, levou a dívidas que engessam o dia-a-dia no atendimento à população. A comunidade reage: com apoio do Sintufrj, trabalhadores e trabalhadoras, estudantes e pacientes do IG, muitos vestidos de rosa, foram para as ruas nesta quarta-feira, 28, protestar contra a falta de recursos que está impedindo o funcionamento da unidade de saúde.
Denúncia em alto e bom som
O ato começou em frente à unidade, na Rua Moncorvo Filho, no Centro. Trabalhadores, estudantes e pacientes se revezavam com os coordenadores do Sintufrj ao microfone para denunciar, com apoio do carro de som do Sindicato, a asfixia orçamentária da unidade e reivindicar solução.
Em seguida, no sinal de trânsito próximo, abordavam o público, panfletavam e explicavam as razões do protesto. Dalí, saíram em passeata até a Avenida Presidente Vargas onde, com apoio de agendes de tráfego, fecharam uma das pistas, exibindo cartazes, bandeiras e faixas, anunciando ao público o motivo da manifestação. Na esquina seguinte, a passeata seguiu pela Rua Marechal Caldwell para retornar ao instituto.
Patrimônio do Brasil
O diretor do IG, Gutemberg Almeida denunciou a crise que afeta ensino, pesquisa e o atendimento à população. Ele contou que, embora as consultas se mantenham, 28 cirurgias foram suspensas desde 19 de maio. “Em 2024, nós realizamos 381 cirurgias, 17.191 consultas”, disse ele, explicando que não houve repasse de R$ 669 mil correspondentes a recursos do Rehuf (programa do governo de apoio aos hospitais, transformado em 2023, no ProSUS, mas que até hoje não mandou recursos).
O orçamento do Instituto, segundo ele, tem três fontes, uma o Orçamento Participativo, da universidade, (ano passado foi de R$250 mil); o contrato com a Secretaria Municipal de Saúde e a verba que viria do Rehuf. Só que desde janeiro de 2024 até hoje, nenhuma das unidade de saúde que dependem deste recurso (IG, Psiquiatria, Hesfa e Neurologia) viu um tostão. Isso representa, no caso do IG, em torno de 40% do orçamento.
O diretor contou que o IG foi criado há 78 anos. “Nesse período até hoje, nós atendemos mais de 300 mil mulheres aqui nesse prédio, prestando uma assistência de qualidade. Formamos centenas de profissionais de qualidade. O ano passado, deixou de receber a verba do Rehuf. Com isso, fechamos, pela primeira vez em 78 anos, no vermelho. Não conseguimos honrar todos os nossos contratos. A empresa de lavanderia, com a empresa de esterilização, com outras empresas, e sobretudo com a empresa de alimentação, que rompeu o contrato conosco e deixou de fornecer a alimentação para os nossos pacientes, os seus acompanhantes e para os nossos residentes”, lamentou. “Nós não podemos deixar o Instituto de Ginecologia morrer. É um patrimônio no Brasil”, disse o diretor.
Por dignidade no atendimento
Esteban Crescente, coordenador-geral do SINTUFRJ alertou que essa situação implica nas condições de trabalho de trabalhadoras e trabalhadores. “Sem recursos, temos problemas infraestruturais e falta de insumos na unidade. Colegas das firmas terceirizadas, serviços de asseio, vigilância, alimentação, muitos estão com problemas para receber o salário e alguns já foram demitidos porque não há continuidade do contrato. Nosso sindicato tem consciência de que essa política de restrição orçamentária vem de muito tempo, de governos anteriores. E isso recai aqui no Instituto de Ginecologia. O que nós queremos é dignidade para a população, porque aqui se cuida de saúde da mulher. Por isso que nosso sindicato está aqui hoje, reivindicando que o governo se movimente e dê uma resposta para esse Instituto tão importante para a população do Rio”.
Francisco de Assis, coordenador da Fasubra e coordenador-geral do Sintufrj lembrou que o Congresso Nacional controla um grande percentual da verba do governo: “Ou seja, é o Parlamento querendo gerir os recursos do governo, o que é uma contradição no estado Democrático de Direito. Um Congresso extremamente difícil de mudar, que tem usado todos os instrumentos para impedir ações em favor dos trabalhadores e da sociedade. É importante a gente fazer essa leitura de conjuntura para que não erre o alvo”, disse ele, contando que esteve no Congresso recentemente, e viu a forma como determinados parlamentares atuam, impedindo projetos de interesse da sociedade em troca de anistia para quem participou do golpe em oito de janeiro. Ele aponta que é importante lutar para que na próxima legislatura haja parlamentares que atuem na defesa de serviço público e dos trabalhadores.
Marly Rodrigues, coordenadora do Sintufrj falou para a população lembrando que o IG pede socorro e que é preciso que o governo invista nos hospitais proque os doentes não podem esperar. “Vamos fazer com que o governo entenda que precisamos de Saúde e Educação de Qualidade, que o IG continue funcionando porque os doentes não podem esperar. Não vai ter corte, vai ter luta!”.
Estavam presentes ainda, além de apoiadores, coordenadores como José Carlos Xavier, Norma Santiago, Maria Lenilva, Selene Vaz e Selma Martins e o integrante de Departamento João Boró
Luigi Rizzo, representante do DCE Mário Prata , lembrou que em 12 anos o orçamento da UFRJ está reduzido a menos de 50% e que faltam insumos básicos. Isso, a seu ver é um projeto de privatização que favorece o setor privado.
Gibran Jordão, representante dos técnicos-administrativos no IG, apontou a importância da participação do Sintufrj e dos trabalhadores, pacientes e estudantes presentes e agradeceu a comissão que os TAE constituíram para organizar o ato. Mas lembrou que a luta não acaba ali e que é preciso organizar os próximos passos.
A crise no dia a dia
Eli Albana dos Santos, é paciente do IG desde 2022, tem cisto no ovário e precisa operar. Mas o equipamento necessário está quebrado há três anos. Foi remanejada para outra unidade de saúde e até fez um procedimento , mas o cisto continua lá e voltou a doer. E não é apenas o equipamento necessário a Eli que precisa de reparo.
A professora Lívia Migowiski explicou que, embora a crise hoje afete alimentação e lavanderia e, consequentemente, as cirurgias, a unidade vem passando por esses problemas há muito tempo. “A gente vem tendo dificuldade de repor o material que vai quebrando, de repor funcionário que se aposenta. Então existe uma crise de pessoal e uma crise de dinheiro mesmo para acompanhar a tecnologia, que foi se deteriorando e a gente não consegue repor”.
Vera Lúcia Amaral trabalhou 30 anos na unidade, técnica de enfermagem da Secretaria de Reprodução Humana. Extraquadro, foi avisada em dezembro que a universidade não tinha mais condições de pagar extraquadros e que ela não podia mais ficar. Todos os extraquadros foram dispensados. “Foi um baque. Trinta anos. Não estou trabalhando ainda. Não queria sair porque eu amo muito o que fazia. Os pacientes, médicos..”, disse ela que, de fato, era cumprimentada com abraços e muito carinho por onde passava.
Silmara Nascimento é diretora adjunta conta que a unidade estava sobrevivendo do Orçamento Participativo, que é pouco, e da contratualização com o SUS, que chega de acordo com a produção do hospital. “Quanto mais você produz mais você ganha. Só que se há poucos insumos, produz menos. E consequentemente recebe menos. Num ciclo vicioso. A gente costumava fazer de 10 a 15 cirurgias por semana, mas está com as cirurgias suspensas por causa da empresa de alimentação. Quando juntou quatro meses de notas, esta suspendeu o serviço, dentro do direito dela”, disse ela, explicando que a unidade está mantendo os ambulatórios funcionando, mesmo com todas as dificuldades.