Caravaneiros recordam a luta de Horácio Macedo

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Depoimentos emocionados sobre a histórica caravana de 1988 em defesa da autonomia, sob liderança do ex-reitor vai compor Projeto Memória

    

O Encontro dos Caravaneiros realizado nesta sexta-feira, dia 24 de outubro, no Espaço Cultural do Sintufrj, comemorou o centenário de Horácio Macedo com depoimentos ricos de participantes e organizadores da histórica caravana a Brasília que defendeu a autonomia universitária na Constituinte de 1988. O encontro lembrou as lutas empreendidas por técnicos-administrativos, docentes e estudantes, numa das maiores mobilizações da Educação, capitaneadas pelo ex-reitor.

Das lembranças, se destacou o perfil daquele que foi uma das maiores lideranças políticas e acadêmicas de uma universidade que ele pretendia aberta para a sociedade, criando bases de uma política extensionistas que contaminou as demais universidades brasileiras.

Tais depoimentos, anunciou o coordenador-geral do Sintufrj Francisco de Assis, vão compor o vídeo que estará em breve nas mídias da entidade e a segunda edição do Projeto Memória, publicação do SINTUFRJ que reconstitui a história da categoria.

“Horário Macedo é um divisor de águas na história da universidade. Por isso, devemos lembrar a importância das políticas públicas das quais hoje usufruímos, e seu legado histórica. Lutas em defesa da universidade, da autonomia e para que a universidade pudesse fazer pontes com a sociedade”, disse o coordenador.

A coordenadora Sharon Rivera destacou a importância da inciativa de promover um evento que, conforme os depoimentos, demonstra que a universidade não seria o que é sem a participação dos presentes e da história de luta que empreenderam.  O coordenador de Organização e Política Sindical José Carlos Xavier contou que fez parte desta história e que é importante relembrar o passado para que os novos servidores possam valorizar a história do movimento. Da mesma pasta, o coordenador Paulo Roberto Alves comentou que aquela mobilização consolidou os alicerces do que chamamos “Universidade cidadã” e ideias como a autonomia e democracia interna.

“Eu estive na Caravana de 1988!”

“Conte para a gente a importância da caravana de 1988”, provocou o coordenador-geral, chamando para a mesa cinco dos integrantes e organizadores da histórica mobilização.

“Eu estive na caravana”, anunciou Deia Ferreira, professora aposentado, colaboradora do Instituto de Biologia, coordenadora de Extensão para Educação a Distância do IB, demarcando que foi um momento muito especial, na política nacional e na vida da universidade, quando surgiu a ideia de uma grande mobilização, com a organização da caravana a Brasília, liderada pelo reitor Horácio Macedo, para a votação do capítulo da Educação na constituinte de 1988.

Ela lembra com orgulho que esteve no ônibus com 17 alunos do Instituto de Biologia e sua filha. Em Brasília, contou, estes jovens e os trabalhadores ouviram o discurso do reitor Horácio Macedo sobre a importância histórica daquele momento. E, depois. junto com centenas de outros de diversos estados do país, protagonizaram uma grande manifestação em defesa da educação pública, no dia da votação, quando subiram a rampa do Congresso. O resultado foi a conquista do artigo que garante a autonomia.

“O Ensino Público é gratuito”

“Horácio Macedo me ensinou a amar a UFRJ”, disse Isabel Azevedo, técnica administrativa aposentada, que foi diretora da Casa da Ciência, superintendente do Fórum de Ciência e Cultura, superintendente de Extensão na gestão Aloísio Teixeira.

Ela aponta inúmeras iniciativas da gestão do ex-reitor para que a universidade estivesse próxima da comunidade do entorno, trazendo-a para dentro da vida da instituição. Mais que uma política de extensão pioneira, o ex-reitor conseguiu aprovar, oficialmente, no Consuni, a Maré como campus vicinal da UFRJ (em área próxima ou em uma comunidade adjacente, com o objetivo de levar atividades de ensino, pesquisa e extensão para além dos muros da universidade).

“A UFRJ diz não ao ensino privado” e “O Ensino Público é gratuito”, diziam as camisetas das dezenas de pessoas que saíram em mais de 20 ônibus em direção a Brasília, segundo Isabel. Só do Fundão, contou, partiram 13 ônibus com quasse 600 trabalhadores e estudantes que, no ato, no Congresso, formaram as palavras SOS EDUCAÇÂO, capa de diversas publicações à época.

Uma das maiores manifestações

Moacyr Barreto, professor aposentado, ex-diretor do Colégio de Aplicação e da Adufrj, que integrou a caravana com dois ônibus cheios de alunos do CAP, mostrou que Horácio tornou-se referência para todo país, com sua política de extensão, que pretendeu tornar a universidade mais próxima da população. Com esta visão de sociedade, na constituição de 1988, com posição de defesa de que verbas públicas fossem para o ensino público, Horácio idealiza a caravana, uma das maiores manifestações políticas em defesa da Educação, num momento que foi uma verdadeira aula para todos. Segundo ele, o capítulo da Educação, na Constituição teve a participação de Horácio Macedo.

Universidade para os mais pobres

Hiran Roedel, técnico-administrativo aposentado e ex-aluno do curso de História da UFRJ, autor de diversos livros lembrou que o ex-reitor era uma liderança política firme, que fez uma verdadeira revolução na educação do país, e que ao mesmo tempo que era um revolucionário, “não perdeu a ternura”. Para Hiran, ele soube navegar em uma conjuntura extremamente importante, quando assume a Reitoria. E buscou discutir qual país se pretendia ter e qual o papel da educação na sociedade que se queria construir. “E aí, Horácio soube pegar a batuta e falar: olha, nós vamos construir uma universidade que participe do processo de construção da sociedade”, contou, lembrando que a universidade que defendia tinha vínculo direto com a classe popular e por isso sua luta incansável em defesa das políticas públicas que vinculava a universidade aos mais pobres.

A luta continua

Orlando da Conceição Simões, técnico-administrativo da UFRJ há 46 anos, biólogo do Instituto de Biologia apontou a importância daquele encontro de caravaneiros para abordar o centenário de Horácio para se mostrar “de que forma começa esta luta, com alguém que buscou a defesa da autonomia, cuja voz ecoou pela universidade e pelo país inteiro. Sua luta começou quando era decano do CCMN, ali já manifestava o pensamento do que pretendia para a universidade. Que se concretiza com sua eleição como reitor, já com a comunidade alinhada com sua luta que começou com técnicos-administrativos, docentes e estudantes nas bases. Uma luta de conscientização que possibilitou a marcha a Brasília”, disse ele, lembrando que esta é uma luta que não foi em vão e que vai continuar, em defesa da autonomia e da educação pública, gratuita e de qualidade.

Além de elogiar fortemente a iniciativa do Sintufrj, todos demais fizeram questão de reiterar que são filiados à entidade.

Histórias de caravaneiros

Quando o microfone foi aberto para os caravaneiros presentes no Espaço Cultural, vozes embargadas relataram um pouco de suas histórias vividas ao lado do magnífico Horácio Macedo. Como bem registrou o coordenador-geral do Sintufrj Esteban Crescente, o professor de química se tornou o reitor mais lembrado e reverenciado pelo conjunto dos trabalhadores na UFRJ, mas era um comunista. E foi a força das suas ideias que contribuíram para a construção dos indivíduos das massas que fizeram história na universidade.

“O legado histórico das teorias e das ideias comunistas é que o fruto do nosso trabalho, daquilo que a gente constrói, tem que ser coletivo, assim como o trabalho tem que ser coletivo. Mas vivemos numa sociedade onde quem decide são aqueles, inclusive, que não trabalham, mas exploram os trabalhadores. Essas ideias estavam na cabeça de Horácio Macedo, que foi um reitor que olhou para a luta, pela extensão, que deu valor e valorizou as trabalhadoras e trabalhadores que aqui estavam”, acrescentou.

Segundo Esteban, a força do comunismo guiou a mentalidade e a conduta de Horácio Macedo, apoiando as lutas da categoria pela conquista da carreira, RJU, concurso público, estabilidade e outras importantes conquistas com a Constituição de 1988:

“Nós que estamos aqui hoje, a geração que entrou no final da década de 90 por concurso, com certeza foi porque temos a Constituição e um conjunto de leis — leis da carreira que se alteraram ao longo do tempo, de formação da universidade. Poderíamos facilmente achar que isso tudo foi fruto da ideia brilhante de parlamentares, de juristas, de pessoas que pensam no Estado brasileiro. Mas, ao olharmos lá no fundo mesmo, o que foi fundamental para se ter um RJU, o fim da ditadura militar, uma Constituinte foram as mobilizações massivas nas ruas, as caravanas diversas a Brasília, os protestos no centro do Rio, com milhões pelas Diretas, já! E quem está aqui nesta sala e esteve naquelas caravanas são as responsáveis por essa história. Vocês fundaram a história, vocês ajudaram no processo de redemocratização, das conquistas dos marcos legais e da UFRJ que a gente tem hoje”.

“Não é à toa que as ideias do comunismo são tão combatidas pelas elites, não é à toa que as ideias de mudança socialista são tão combatidas por quem está no poder”, concluiu o coordenador.

Jesse Moura, técnico administrativo da manutenção do Centro de Tecnologia há 36 anos, lembrou do tempo em que viajavam a Brasília no micro ônibus do Sintufrj, (o “vovô), dirigido pelos motoristas da entidade Wanderlei e Bira, num “bate e volta” cansativo, porque não havia meios para garantir pernoites. E lamentou o período em que a comunidade universitária foi submetida a José Vilhena, o terceiro colocado na consulta, mas alçado ao cargo de reitor no lugar de Horácio Macedo, primeiro colocado na pesquisa, mas impedido de assumir o segundo mandato.

“Eu era prestadora de serviço e se sou servidora devo a coragem do professor Horácio Macedo. Eu o conheci na época das assembleias no Roxinho e ele aparecia para apoiar a nossa luta. Sempre estive nas caravanas e essa história vai continuar, porque a universidade precisa de todos nós. Um reitor que estava sempre junto com os trabalhadores e que respondeu ao governo Collor quando tentou promover demissões, que “dentro da minha universidade quem manda sou”, que realizou trabalhos belíssimos de extensão dentro do Complexo da Maré, que apoiava as nossas greves (“a gente entreva nas salas e desligava computadores, vedava portas”)”, compartilhou Marli Rodrigues, coordenadora de Aposentados(as) e Pensionistas do Sintufrj, na UFRJ desde 1986, atualmente lotada na Faculdade de Letras.

“Sou da época da Asufrj, viajávamos em ônibus sem banheiro”, contou Jorge Ferreira, que iniciou sua trajetória na UFRJ em 1989. “Sou aposentado, pastor evangélico, mas continuo na luta com a minha categoria”, afirmou.

“Desde 1977 participava de quase todas as caravanas. Vi muitos companheiros que falavam bonito aqui e lá, em Brasília, baixavam a cabeça. Por isso me afastei do movimento”, justificou Davi Vieira Adão.

Alcir da Silva falou com orgulho que é o 366 no registro do RJU, e deve isso às caravanas de 1988 lideradas por Horácio Macedo. “Tem que ter respeito pelos analfabetos que estavam lá atrás e sustentaram essa casa até hoje. Tenho 39 anos e oito meses como motorista na UFRJ, mas o cargo é o mesmo: servente de obras. Tinha o fundamental, mas já sou graduado. O que chamavam de Trem da Alegria se transformou no Trem da Esperança. Reitor igual a Horácio Macedo não haverá mais”, lamentou o técnico administrativo da SGCOM. O caravaneiro homenageou duas companheiras: Odete Francisca dos Santos, 83, presença assídua nas assembleias, mobilizações e caravanas – “Foi ela que me trouxe para a universidade” — e a saudosa ex-dirigente do Sintufrj Marlene Ortz – “Que até hoje vive”.

Um dos depoimentos mais emocionantes foi de Wellington de Jesus, que resumiu sua história com voz embargada. “Era traficante, gerente de boca. Nem sei se estaria vivo. A universidade me resgatou. Já fui mais de 80 vezes para Brasília representar as pessoas que não podiam ir. Na minha primeira caravana conheci o Paulão (companheiro já falecido) e ficamos amigos. Cadê Marlene Ortz? Fiz curso de alfabetização e o segundo grau. Agradeço ao Chiquinho.”

O coordenador de Organização e Política Sindical do Sintufrj, Paulo Roberto, concursado de 2013, conheceu Horácio Macedo através de um quadro com a foto do ex-reitor na parede da sede do PCB, no Rio de Janeiro: “Sou contemporâneo das suas ideias. Precisamos de uma massa de Horácios Macedos, de olhar sereno, porém firme. Todas as suas ações foram sob o auspício do comunismo.”

“Formei todas as minhas três filhas. Tudo que conquistei na vida devo a Horácio Macedo, que foi a Brasília e peitou nossa permanência na UFRJ. Agradeço também as pessoas que foram com a gente na caravana. Não era passeio e dormimos na grama. No governo FHC, quando vi meu salário desabar, quase endoidei. Só ele, o Lula, fez meu salário crescer”, disse Genivaldo dos Santos Almeida, servidor da Prefeitura Universitária.

Jorge Luiz (mais conhecido como Brasília), do IPPMG: “Entrei na UFRJ em 1985, sou porteiro. Fui convidado para uma assembleia e ir a Brasília. Hoje estou aqui e tenho orgulho do Sintufrj. Fiz muitos amigos, trouxe novos companheiros para a luta. Dormíamos em barracas no chão. Caravaneiros são todos aqueles que lutam no dia a dia. Agradeço a todos vocês, especialmente a Francisco de Assis.”

José Carlos Xavier, coordenador de Organização e Política Sindical: “Estou muito feliz de participar desse evento sobre a caravana de 1988. Entrei na universidade com o ensino fundamental, hoje sou graduado e agradeço a Horácio Macedo por essa trajetória. Foi muito rico reviver a história do passado.”

“Horácio Macedo previa o futuro: os ataques de FHC, Collor e Bolsonaro a UFRJ, e que a instituição poderia fechar. Então ele   aproveitou aquela época para reunir os trabalhadores em caravana até Brasília e garantir que ficássemos para defender a  universidade”, avaliou Juvelino, do CCS (o Delegado).

Francisco agradece

O evento foi encerrado pelo coordenador-geral do Sintufrj Francisco de Assis: “Com suas ações, Horácio Macedo mostrou que o papel do Estado é estar ao lado da sociedade. Nós somos parte do Trem da Esperança, 1.700 trabalhadores que teriam sido demitidos. Enquanto lutávamos junto com a UFRJ para sustentar a permanência na instituição, porque um termo de conduta ameaçava essa conquista de Horácio Macedo, ex-sindicalistas e seus discursos revolucionários, que participaram lá atrás da gestão, se calavam. Esta homenagem ao centenário do magnifico reitor é para mostrar nosso compromisso de gratidão a ele. Em nome da direção do Sintufrj agradeço a mesa e a todas as companheiras e companheiros pela participação.”

Homenagem póstuma

A pedido do coordenador sindical, cada um dos presentes no Espaço Cultural se levantou e disse o nome de um trabalhador ou trabalhadora que participava das caravanas, e que já faleceu. Foram muitos os citados com  emoção, entre os lembrados na hora estavam: Marlene Ortiz, Manuel Dantas, Gercino, Vicente, Paulão, Leôncio, Pereirinha, Jurema, Osmar, Passerone, Eunice,Justina, dona Vanda, Luis Afonso…

 

        

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