#Parem de nos matar!

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“Eles têm compulsão e gozo pelo jorro do nosso sangue. Eles não nos deixam respirar, quebram nosso pescoço e se regozijam com nossa dor. Eles atiram em nossos meninos rendidos dentro de casa, pelas costas.

Eles fazem publicidade do genocídio como mecanismo de controle, de domesticação dos corpos negros-alvo.

Eles nos matam por prazer e sadismo, investidos da condição de heróis, exterminadores do inimigo gestado nos porões de seu imaginário branco, podre e encurralado.

Nós emudecemos. O abate tem mesmo essa função, é diuturno, imparável, incansável, é disparado de todas as direções em nossa direção.

Nós portamos um alfanje para incisões precisas e profundas, uma cabaça com ervas para cuidar da úlcera, punhados de pólvora e sabedoria para fazer fogo, para explodir em fogo esse mundo que nos aniquila.

Nós somos búfalos, uma manada de búfalos. Nós temos a força que faz o leão chorar, e o esmaga, feito barata”.

Esses versos-desabafos são de Cidinha da Silva, autora de # Parem de nos matar! e abrem a série de reportagens e opiniões do site Geledés sobre João Pedro Mattos Pinto, 14, assassinado por agentes das polícias Federal e Civil, dentro de sua casa, na favela do Salgueiro, em São Gonçalo, no dia 18 de maio, e de outro negro por um policial branco, George Floyd, 46 anos, em 25 de maio, em Minneapolis, nos Estados Unidos.

Reação

Em pelo menos 30 estados americanos – com direito a repercussão em outras capitais estrangeiras, como Berlim – a comoção explodiu em sucessivas manifestações, com centenas de prisões e duas mortes até agora, no fim de semana. O presidente americano, Donald Trump, utilizou as mídias sociais com retóricas racistas.

A cena do segurança George Floyd, 46, sendo asfixiado pelo policial Derek Chauvin, chocou a todos. “Mais grave ainda perceber que a história se repete e a vítima continua sendo negra. Não só na megapotência norte-americana, como também no Brasil. A cada 23 minutos, morre um jovem negro no nosso país, segundo levantamento feito pela Anistia Internacional na campanha Jovem Negro Vivo”, registra a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck – feminista negra, médica, autora e doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ.

“A reação das autoridades também se repete, tanto lá, quanto aqui. Quando as forças de segurança ao invés de proteger os cidadãos, são responsáveis por suas mortes, os governantes se esquivam de suas responsabilidades. No Brasil, a morte de João Pedro, 14, numa operação policial conjunta entre as polícias Federal e Civil causou indignação. E teve mais uma vez o Estado como responsável por encurtar a vida de negros. Por causar dor e sofrimento à família e a toda a comunidade.”

“O que mais falta para que assumam e implementem políticas de segurança pública que respeitem os direitos humanos e que sejam fundamentalmente antirracistas? O uso excessivo da força por agentes do Estado, inclusive o uso desnecessário da força letal, agride os direitos humanos de todas as pessoas, inclusive dos próprios policiais, desrespeita leis e protocolos, e precisa ser controlado com seriedade por todas as autoridades responsáveis pela segurança pública”, indaga, Jurema em seu artigo publicado no site Geledés.

“Não há nada de natural nas incursões das polícias em favelas e periferias brasileiras, sem mandado judicial, sem justificativa plausível de segurança pública e sem resultados efetivos além de mortes evitáveis. O Estado é responsável por essas mortes”, observa. Jurema chama a atenção, também, para o fato de que “muitas vítimas são alvejadas nas costas, à curta distância e nos membros superiores, indicando que estavam fugindo ou rendidas no momento em que foram mortas. Não é raro que, durante essas operações, pessoas que não trabalham no tráfico de drogas também sejam mortas e provas sejam forjadas contra elas. O que vemos, nos dias de hoje, cinco anos depois, é que nada, ou muito pouco mudou”.

“As vidas de George, de João Pedro e de tantos outros negros e negras assassinados pelo Estado, importam e merecem justiça. Enquanto as práticas racistas não forem transformadas em políticas públicas de inclusão e não forem punidas com rigor, as autoridades continuarão a ter suas mãos manchadas de sangue”, conclui Jurema.

 

 

 

 

 

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