Um projeto criado na década de 1980 pela então Asufrj e que atravessou gestões foi contado em detalhes, nas suas diversas fases, por quatro técnicos-administrativos em educação na quarta-feira, 23, em uma das mesas do Festival do Conhecimento da UFRJ, que debateu “Universidade para os trabalhadores: o papel dos TAEs na universidade”. O debate foi mediado por Rogério Silva, funcionário da Pró-Reitoria de Pessoal.
Márcia Tosta Xavier fez um histórico da criação do projeto, reafirmando sempre que ele foi fruto da luta dos trabalhadores técnico-administrativos que tomaram para si um movimento reivindicatório de caráter sindicalista, visando melhorias salariais e perspectivas de carreira, mais voltado também para a construção e a defesa de uma universidade de caráter público, gratuito e de qualidade voltada para as necessidades da sociedade.
“Esse projeto constituía numa proposta de democratização interna da universidade e maior interação com a sociedade brasileira. A proposta incentivava a nossa participação em estruturas de poder dentro da universidade, que até então era ocupada única e exclusivamente por docentes e já naquela época propúnhamos a democratização do acesso.
Tivemos então a ideia de criar nesse projeto o Curso Pré-Vestibular (CPV), mas que preparava os alunos para além do vestibular. Mudamos o perfil da categoria associando sempre a luta pela universidade às lutas democráticas do país. Lembro da nossa participação ativa na conquista, em 1988, do artigo da autonomia universitária na Constituição, que até hoje utilizamos como arma de defesa da universidade,”contou Márcia Tosta.
Testemunho
Lenin Pires, que durante 25 anos foi técnico-administrativo da UFRJ e coordenador-geral do Sintufrj de 1996 a 2001, e hoje é professor da UFF, onde dirige o Instituto de Estudos Comparados de Administração de Conflitos, afirmou que deixou de ser técnico em química para tornar-se doutor em antropologia, inspirado e estimulado pelo projeto Universidade para os Trabalhadores.
“O CPV se estabeleceu num momento que não tinha política de cotas. Era muito concorrido e eu participei dele. O CPV foi muito importante para mim, particularmente na desmistificação de um saber que está acima de outro, e me estimulou depois de muitos anos a fazer vestibular. Foi a oportunidade que tive para concluir a minha graduação em Ciências Sociais, que havia substituído pela minha militância. O que fica para mim de saldo desse projeto é que você pode ir mais e além”, falou emocionado Lenin.
Momento atual
As transformações necessárias que o projeto sofreu desde 1986 e sua adequação às necessidades da nova realidade funcional e profissional dos técnico-administrativos em educação por mais qualificação a partir de 2011 e 2017 oferecendo preparação para ingresso no mestrado e doutorado, foi explicado por Carla Danielle, coordenadora atual do CPV do Sintufrj.
“O projeto Universidade para os Trabalhadores tem 34 anos e só resiste porque tem características muito particulares. Não é só um nome. É pensado para o trabalhador. A sua longevidade e o seu sucesso estão exatamente em você olhar para a categoria técnico-administrativa e compreender qual a sua demanda. O que o técnico precisa”, resumiu Danielle.
Balanço
A atual aluna de doutorado em Ciência da Informação, Ana Maria Ribeiro, participa da história da UFRJ desde quando era estudante na graduação. Ela atuou nos colegiados da universidade como representante da bancada técnico-administrativa e foi coordenadora-geral do Sintufrj em três mandatos sindicais.
Ana Maria fez um balanço do projeto associando-o ao Plano de Carreira dos Técnico-Administrativos em educação, conquistado em 2005, mas olhando para o futuro. Na opinião dela o projeto deve ser atualizado sob o novo perfil dos trabalhadores que ingressaram na universidade, retomando sua função de formação política aliado ao seu conteúdo formacional.
Segundo ela, isso ajudará na retomada da discussão da valorização do técnico-administrativo e do seu papel de intervenção na política institucional da universidade. E ainda: o projeto deve se voltar para o aprofundamento da discussão do papel da universidade pública no Brasil frente ao mundo polarizado. “Embora tenhamos avançado muito nos anos 1980, temos um desafio que é a superação da subalternização e a visão de alienação do nível de trabalho”, acrescentou.
“É repensar a universidade em bases autônomas e democráticas. A autonomia universitária tem que estar na boca do técnico-administrativo, ele tem que pensar e elaborar como a universidade pode ser autônoma e não fazer corte e cola das decisões do governo federal. E defender que essa construção do saber sirva à construção de uma sociedade mais justa e menos desigual. Esse é o que deve continuar sendo o objetivo do nosso projeto”, afirmou Ana Maria.