Reinfecção abre incertezas às pesquisas sobre vacina

Compartilhar:

Até o início de agosto, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 167 vacinas experimentais diferentes estavam sendo desenvolvidas pela comunidade científica mundial, e 28 delas se encontram na fase de testes em humanos.

Reino Unido, China, Estados Unidos e Alemanha constam da lista oficial da OMS como os mais adiantados nas pesquisas, sendo que a China já registrou patente, com os resultados dos testes publicados e considerados animadores.

Incertezas

Mas uma notícia divulgada no dia 24 de agosto pode afetar o rumo das pesquisas científicas e o futuro da pandemia: em Hong Kong, cientistas confirmaram o primeiro caso (bem documentado) de contaminação repetida em um paciente, após sequenciar genomas do vírus que mostram relação, em cada um dos períodos, com linhagens diferentes, o que indica a possibilidade de reinfecção e não presença viral prolongada.

A descoberta pode indicar que o novo coronavírus pode persistir mesmo em pacientes que tenham adquirido imunidade, como explicam os cientistas. O que leva a alguns questionamentos sobre o tempo que dura a proteção e a possibilidade, já aventada pela OMS, de que o coronavírus se torne endêmico (regular em determinada área ou população). Os cientistas afirmam que novos estudos sobre reinfecção serão vitais para a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas mais eficazes.

UFRJ estuda quatro casos

Amilcar Tanuri, chefe do Laboratório de Virologia Molecular do Instituto de Biologia da UFRJ, membro do GT-Coronavírus da UFRJ e uma referência brasileiras na área, informou que, em breve, a UFRJ divulgará o resultado de estudos sobre casos de reinfecção:

“Estamos estudando quatro casos de reinfecção [em pessoas do Rio de Janeiro e de fora da cidade]. Mas para validar esses casos é preciso o sequenciamento do vírus e provar que aquele que infectou o paciente lá atrás é diferente do que foi isolado agora”, explicou ele. Além desses, Amilcar adiantou que outro caso surgiu esta semana, e que ainda vai ser apurado. “Esperamos que daqui a uma semana ou duas [a equipe aguarda a chegada de reagente para o sequenciamento do genoma] possamos obter o resultado e depois tentar publicar os dados”, informou.

Vacinas

Segundo o especialista, os casos de reinfecção não são tão frequentes até o momento. “O que faz pensar que a reinfecção não seja uma regra”, explicou, apontando outra variável, que é não se saber em quanto tempo aqueles que se infectaram podem estar suscetíveis. “Nos casos em estudo, as pessoas tiveram sintomas em maio e voltaram a ter sintomas recentemente. Não sei se o tempo da pandemia for maior aparecerão mais casos desses”, observou.

Outra preocupação de Tanuri é em relação às vacinas. “A gente tem que prestar atenção quando for analisar dados da vacina. A produção do anticorpo que a vacina vai provocar vai ter que ser analisado por mais tempo para se poder ter uma ideia do que está acontecendo e se saber se a vacina para de fazer efeito. O que pode ocorrer é haver a necessidade de aplicação de mais doses da vacina para imunizar durante o ano”, supõe.

“No momento”, disse Tanuri, “várias tecnologias de vacinas estão sendo testadas, mas o problema é compará-las umas com as outras e buscar uma medida da eficácia. E como fazer tudo isso com mais de 150 vacinas anunciadas?”, questiona o pesquisador. A seu ver, a maneira certa seria uma coordenação internacional. “O registro das descobertas”, segundo ele, “deveria estar a cargo da OMS. Somente no Brasil pelo menos cinco vacinas estão sendo testadas”, afirmou.

União de expertises

Tanuri integra o Grupo de Trabalho (GT) Coronavírus da UFRJ junto com outros especialistas da instituição, como Terezinha Marta Castiñeiras, chefe do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina, que também está à frente da pesquisa sobre o vírus a partir dos testes realizados no Centro de Triagem e Diagnóstico (CTD) para a Covid-19.

A parceria entre a Faculdade de Medicina e o Laboratório de Virologia Molecular ocorre desde o início da pandemia no país, e possibilitou milhares de testes nas salas do bloco N do Centro de Ciências da Saúde, entre estudantes, trabalhadores da UFRJ e de unidades de saúde externas, que, por sua vez, fornecem elementos para pesquisa tanto na esfera virológica como imunológica.

O coronavírus ainda é objeto de muitos estudos, frisou Terezinha Marta: “Tem muitas perguntas que ainda não estão inteiramente respondidas. Não se sabe ainda qual o tempo de persistência dos anticorpos, qual papel real de cada elemento da resposta imune. São várias questões não respondidas. Isso em relação à própria doença e certamente também em relação à vacinação”.

Na opinião dela, por exemplo, a questão da persistência viral tem sido pouco valorizada. “Se considera que o vírus que permanece não é transmitido e os estudos que a gente vem desenvolvendo têm mostrado que não é exatamente isso”. Segundo ela, uma parte significativa do que se atribui à reinfecção trata-se de casos que persistiram positivo e não foram acompanhados de maneira detalhada.

Terezinha destacou que no Centro de Triagem e Diagnóstico a situação é diferente: “O estudo que é feito refere-se a pessoas que foram acompanhadas detalhadamente. E que, em alguns casos, inclusive, se documentou a negativação, mas que voltaram a apresentar um quadro diferente (de sintomas) e, por isso, acredita-se que possa ser reinfecção. Alguns estudos complementares estão em andamento para que se possa provar se de fato são vírus diferentes, principalmente através do sequenciamento do genoma. O esforço é para que os resultados saiam o mais breve possível”, explicou.

E, se for verificado que a reinfecção é um evento possível, a expectativa é que seja necessário revacinar, fazer reforços em períodos mais curtos.

Corrida

Segundo Terezinha, a corrida que se vê para o desenvolvimento de vacinas é um histórico totalmente não usual. “Em geral”, disse ela, “o período de descobertas é muito mais longo, e o cumprimento das exigências de todas as fases e critérios de segurança leva, em geral, numa perspectiva rotineira, de oito a 10 anos”.

“E agora está se trabalhando numa linha de um ano e meio, no máximo dois, para se ter uma vacina disponível em escala global. É isso que se espera. A gente tem uma competição entre grandes fabricantes, mas há ainda muitas questões em relação a este ponto. É uma experiência inédita”, concluiu a especialista.

 

 

COMENTÁRIOS