Alegando racismo, matemáticos pedem boicote a tecnologias policiais

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Milhares de matemáticos assinaram uma carta aberta pedindo que a categoria não colabore mais com a polícia no desenvolvimento de softwares de vigilância

Matéria retirada do site do Portal Geledés

 

Mais de dois mil matemáticos assinaram uma carta concordando em boicotar toda a colaboração com órgãos policiais e aconselhando seus colegas a fazerem o mesmo. O objetivo é eliminar as tecnologias policiais em sua origem. Os autores do documento citam “profundas preocupações sobre o uso de aprendizado de máquina, IA e tecnologias de reconhecimento facial para justificar e perpetuar a opressão”.,

O policiamento preditivo é uma área chave onde alguns matemáticos habilitaram algoritmos racistas, que agora dizem aos policiais para tratar locais específicos como “pontos críticos” para potenciais crimes. Ativistas criticam o preconceito inerente a essas práticas há muito tempo. Algoritmos treinados em dados produzidos por um policiamento racista tendem a reproduzir esse preconceito.

“Os dados não falam por si, não são neutros”, diz Brendan McQuade, autor de um livro sobre o assunto. Dados policiais são dados “sujos”, porque não representam um crime, e sim policiamento e prisões, segundo McQuade. “Então, quais são as suas previsões? Que a polícia deve distribuir seus recursos no mesmo lugar que a polícia tradicionalmente distribui seus recursos”.

Algoritmos perpetuam o excesso

Esse modelo de policiamento começou a ser usado em 2013, e hoje sua implementação é vasta e obscura. Acredita-se que a maioria dos estados e grandes cidades dos EUA, como Chicago, Los Angeles e Nova York, use algum modelo de policiamento preditivo.

Pessoas negras enfrentam maiores taxas de homicídios causados pela polícia, assim como taxas de detenção desproporcionalmente altas. Dados raciais não podem ser usados como um fator em modelos de policiamento preditivo, mas a localização e fatores socioeconômicos substituem facilmente esses dados.

Segundo Tarik Aougab, professor assistente de matemática do Haverford College, o uso de tecnologias racistas para o policiamento não é surpreendente. O professor afirma que a principal motivação da polícia não é servir e proteger, mas “preservar uma ordem social que é estabelecida pela vontade das elites de proteger a propriedade. A instituição nunca se afastou dessa função básica durante toda a sua existência nesse país”.

Para McQuade, “a vigilância não envolve apenas policiamento, mas formas mais sutis de controle social”. Assim como a redução da população carcerária levou a um aumento do monitoramento domiciliar, também há o risco de a redução do número de policiais em patrulha leve a um aumento no uso da tecnologia de policiamento preditivo.

Boicote

Para grande parte dos matemáticos que assinaram a carta, os recentes assassinatos de pessoas negras por policiais nos EUA, que levaram às manifestações do “Black Lives Matter”, foram o estopim para o movimento.

Na carta aberta, os matemáticos propuseram um boicote generalizado. Eles prometem recusar toda e qualquer colaboração com a polícia. Dentre os que assinaram, está uma fundação matemática que permitiu ao fundador da PredPol, empresa de policiamento preditivo, hospedar um workshop patrocinado encorajando matemáticos a colaborar com a polícia.

A PredPol não é uma ferramenta neutra para fornecer dados, e sim uma empresa de policiamento que compara seu software com a polêmica estratégia de policiamento de “janelas quebradas”, na qual um departamento age fortemente contra violações incômodas, acreditando que isso coíbe crimes mais graves.

Em vez disso, tornou-se uma ferramenta de encarceramento em massa, enviando milhões de homens (especialmente jovens negros) para a cadeia por crimes não violentos. Ainda assim, a PredPol incentiva os departamentos de polícia a expandir o uso da tecnologia preventiva.

Parte do objetivo do manifesto é criar materiais éticos para cursos e conferências, além de criticar o policiamento e as tecnologias usadas nele. Igualmente importante é desenvolver uma cultura em torno da comunidade matemática, onde aqueles que cooperam com a polícia são marginalizados.

“Queremos que as pessoas sejam politizadas”, explica Aougab. “Isso é raro em matemática, porque existe essa crença amplamente difundida e falsa de que os matemáticos têm algum tipo de superpoder para serem objetivos e não influenciados por considerações políticas como qualquer outro ser humano”. A carta aberta é o primeiro passo para isso.

“Verniz científico”

Um algoritmo só pode ser tão bom quanto seus dados e, neste caso, os dados são derivados de ações tendenciosas de departamentos policiais.

Um estudo conduzido pelo Instituto AI em 2019 examinou departamentos de polícia e seus sistemas de policiamento preditivo. “Em várias jurisdições, esses sistemas são construídos em dados produzidos durante períodos documentados de práticas e políticas imperfeitas, racialmente preconceituosas e, às vezes, ilegais”, diz o resultado da pesquisa. No mesmo ano, uma auditoria descobriu uma séria falta de supervisão ou procedimentos em torno das ferramentas, tornando-as praticamente inúteis.

Segundo Aougab, “agora há um verniz científico para o que a polícia faria de qualquer maneira”, já que era esperado que a corporação não mudasse seu comportamento. A tecnologia virou apenas uma justificativa legítima para o que eles já faziam antes. Por isso, os matemáticos exigem que qualquer algoritmo passe por uma auditoria pública antes de ser implementado.

A ameaça da IA

Conforme pedidos de retirada de fundos da polícia se espalham pelos EUA, ativistas ficam atentos a aumentos no policiamento e vigilância baseada em algoritmos. Usar inteligência artificial é mais barato do que pagar salário para patrulheiros, mas é tendencioso e com resultados imprevisíveis.

Tecnologias de reconhecimento facial são usadas em todo o país para identificar, rastrear e prender manifestantes do BLM por uma suposta atividade criminosa, como forma de dissuadir outros a fazerem o mesmo. O movimento dos matemáticos busca equilibrar forças com a polícia, pelo bem do povo.

 

 

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