Oitenta e seis por cento creem que o progresso no Brasil está condicionado à redução de desigualdade entre pobres e ricos; 77% concordam com o aumento dos impostos de pessoas muito ricas para financiar políticas sociais; 73% defendem universalidade para atendimento em postos de saúde e hospitais; dois em cada três brasileiros elegem “fé religiosa”, “estudar” e “ter acesso à saúde” como as três principais prioridades para uma vida melhor. Esses são dados da segunda pesquisa realizada pela Oxfam Brasil sobre desigualdades, em conjunto com o Instituto Datafolha, em 2019.
A Oxfam Brasil faz parte de uma rede global que atua em cerca de 90 países por meio de campanhas, programas e ajuda humanitária. “Esperamos que esta pesquisa sirva para ampliar as discussões sobre a importância do papel do Estado no enfrentamento das desigualdades e aprofundar a urgência em se construir um Brasil mais justo, solidário e humano”, diz a Oxfam na apresentação da pesquisa.
Em relatório de 2017, a Oxfam mostrou que o Brasil está entre os países mais desiguais: seis brasileiros têm riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres. Os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda dos demais 95%.
Serviços públicos no combate a desigualdades
Um dos membros da direção executiva da Oxfam, Jefferson Nascimento, é coordenador de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica. Segundo ele, a organização tem ressaltado muito a importância do fornecimento de serviços públicos para o combate a desigualdades.
“Há estudos que mostram esta relação. Principalmente a partir de 1988, com a consolidação, no texto constitucional, de diversos direitos sociais, como a garantia à educação e saúde e a previsão da assistência social. Diversos estudos apontam como esta garantia foi responsável por incluir pessoas que estavam à margem do acesso a serviços públicos”, diz ele, o que contribuiu de forma significativa para redução da desigualdade.
EC 95 prejudica o serviço público
O especialista aponta que há uma longa série histórica de 2000 a 2015 sobre a redução de desigualdade. A partir de 2015, com o cenário de crise econômica, a narrativa de austeridade econômica ganha força com diversos mecanismos. O principal foi a emenda constitucional que limita o teto de gastos (a EC 95, em 2016), que reduz a possibilidade de realização dos serviços públicos, com limite de gastos que não correspondem ao crescimento demográfico.
“E isso claramente prejudica os serviços sociais”, alerta ele, lembrando outro mecanismo: “Com a reforma administrativa, a gente tem a narrativa dos supersalários, como se todo serviço público fosso composto com salários muito acima da média, o que não é verdade para a maior parte dos servidores”, informa, explicando que as duas categorias que reúnem mais servidores são justamente as de professores e profissionais de saúde. “Então a narrativa que coloca servidores como privilegiados afeta aqueles que são essenciais para fornecer educação e saúde públicas, o que tem impacto direto na redução da desigualdade”, frisa.
Jefferson mostra o despropósito destas medidas: “A gente está no meio de uma pandemia falando que tem necessidade de reduzir (pessoal). E uma das categorias que vai ser afetada pela narrativa da redução é (justamente) os profissionais de saúde, ou seja, o Estado vai fornecer menos serviço público de saúde neste momento tão grave. Também vai afetar de forma significativa a Educação, que tem esse papel na redução das desigualdades”.
Canudo garante melhor salário
Vários estudos, segundo Jefferson, evidenciam isso. Um deles, recente, da OCDE (grupo de nações entre as mais ricas do mundo), mostra que o Brasil é um país no qual ter ensino superior leva à maior diferença salarial em relação a quem tem menor formação (144% acima dos que terminaram o ensino médio). “Nenhum outro país mostrou diferença tão grande”, diz sobre o estudo lançado em setembro.
Ou seja, quando se restringe a possibilidade de alguém ter educação superior, se impossibilita também real incremento da renda.
Em resumo: sem acesso à saúde, a pessoa se afasta do trabalho. Sem educação, os salários são menores. A falta de serviços públicos de qualidade afeta a renda da família e tem influência direta na desigualdade.
Gini do rendimento domiciliar
Mais dados da pesquisa da Oxfam
— Público quer Estado presente e políticas universais.
. 84% concordam que é obrigação dos governos diminuir a diferença entre muito ricos e muito pobres (em 2017 eram 79%).
. 75% apoiam a universalidade do ensino público fundamental e médio.
. 73% defendem a universalidade para atendimento em postos de saúde e hospitais.
— Público quer investimento público em saúde e educação.
– Entre as medidas mais importantes apontadas na pesquisa estão investimento público em saúde e em educação, ambos com nota média de 9,6 entre 10 pontos.
– Segundo a pesquisa, estas políticas são amplamente apoiadas por todos os estratos sociais, e têm impacto distributivo positivo nos orçamentos da população pobre e da classe média baixa.
O que fazer
– O tamanho das desigualdades no Brasil e o elevado número de pessoas em situação de pobreza demandam progressividade de investimentos sociais.
– Para tanto, aponta a Oxfam, é necessária a garantia de recursos que atendam aos direitos constitucionais universais de saúde e educação e revogação da emenda do Teto de Gastos.
– O ajuste fiscal deve priorizar outras políticas, vinculadas à tributação, por exemplo.
Fonte: Pesquisa Nós e as Desigualdades em www.oxfam.org.br.