Vida difícil para quem atua nos RHs da UFRJ

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A reforma administrativa de Bolsonaro é sinônimo de aprofundamento do desmonte dos serviços públicos, que já ocorre lentamente. A saúde e a educação são os setores mais atingidos, embora imprescindíveis à população, principalmente para as mais pobres, que também são as mais penalizadas pela retirada de direitos, como ocorreu com a reforma trabalhista e a nova lei da terceirização: o trabalho precarizado passou a valer também para as atividades-fim.  

Na UFRJ, os trabalhadores das áreas de recursos humanos (RHs) são os que mais padecem no dia a dia hde trabalho com as quase diárias mudanças de rotina nos seus fazeres, em consequência da imposição, pelo governo federal, de novas resoluções, legislações, portarias, instruções normativas. Esses profissionais, cada vez em menor número nos setores, portanto, cumprindo jornadas extensas e sem gratificações, dão o jeito deles para atender às demandas dos servidores, e sem errar. Tudo isso em meio à pandemia do novo coronavírus.

Ler e reler os documentos recém-enviados por Brasília e ter que dizer não para um colega, por conta de mudanças nas leis do benefício que ele ou ela considerava garantido, é um estresse diário, como o que ocorre em relação às instruções normativas (INs) 28 e 65, que afetam direitos. Outros problemas que os RHs enfrentam atualmente estão relacionados à migração dos processos do meio físico para o Sistema Eletrônico de Informação (SEI) e a contagem de tempo especial para quem recebe adicional ocupacional, resultado da recente conquista histórica da categoria, em processo movido pelo Sintufrj. 

Mas driblar dificuldades com experiência e dedicação é com os profissionais de recursos humanos da universidade.Veja alguns depoimentos:   

Déficit de pessoal 

Advogada e especialista em direito público e controladoria, com 38 anos de UFRJ, Maria Efigênia Henriques Moutinho é a diretora adjunta de Recursos Humanos do Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis (ex-Hesfa), uma unidade com 170 trabalhadores. Ela lamenta que na universidade já tenha se tornado normal conviver com déficit de mão de obra no setor e a não qualificação para o exercício das tarefas, por falta de capacitação. Segundo ela, tudo isso provoca a sensação de que o problema está no DRH.

Um dos problemas apontados pela técnica-administrativa é o despreparo para uso das novas tecnologias, que se tornou mais explícito com a Covid-19, pela adoção necessária do trabalho remoto, no qual ela se inclui por fazer parte do grupo de risco. “Não estávamos preparados para enfrentar este momento”, disse, queixando-se de que há quem pense que ela não está com “vontade” de trabalhar. “Estou trabalhando muito mais do que se estivesse no hospital”, afirmou.  

Maria Efigênia acrescenta que tem consciência de que isso não ocorre somente no ex-Hesfa: “É uma situação generalizada por falta de treinamento e que foi acentuada com a pandemia”. Outra situação que ela acha injusta é a retirada de direitos, e citou como exemplo o corte do vale-transporte para quem está trabalhando de casa, “sem que seja considerado o aumento dos gastos com energia, telefonia e internet”. 

Maria Efigênia

 “A impressão que a gente tem é que o momento que estamos vivendo, de tanta incerteza, tanto perigo, está sendo oportunizado pelo governo para espremer a gente”. Maria Efigênia concluiu compartilhando um sonho: “Que a administração pública se preocupe com os servidores. É o mínimo, mas hoje em dia é um desejo meio utópico”.

Trabalho até madrugada  

Ednéa Martins chefia a Seção de Pessoal do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) e há mais de três décadas é servidora da UFRJ. No início de outubro, ela ficou afastada do trabalho por contrair a Covid-19, e ainda hoje sofre com as sequelas deixadas em seu corpo pelo vírus, o que não a impede de enfrentar o dia a dia do setor, do qual não conseguiu se desligar nem durante a convalescença. Essa postura compromissada em garantir que a universidade continue funcionando a todo o vapor durante a pandemia, segundo a técnica-administrativa, não é um fato raro na UFRJ: “Hoje, até em função das novas demandas do setor de pessoal, os profissionais não estão conseguindo não se envolver com as tarefas, mesmo estando de licença médica, em função das responsabilidades”.

Ednea Martins

Ela reconhece que no Fórum de Ciência e Cultura a situação é diferente de muitos outros setores de RH da instituição, que se ressentem com a falta de pessoal suficiente para dar conta do trabalho e de estrutura. Lá, informou, há equipamentos, uma equipe com quatro pessoas, inclusive servidores recém-chegados e antenados com as novas tecnologias. Mas nem por isso a sobrecarga não é sentida. 

“Primeiro porque há o tempo todo demanda presencial, e as informações que chegam têm que ser colocadas no sistema, e os servidores possuem diferentes capacidades de lidar com a tecnologia no novo SEI”, explicou. O RH do FCC responde por mais de 400, inclusive pelo pessoal do Sistema de Bibliotecas e Informação da UFRJ (Sibi). Ednéa também chamou a atenção para o fato de que, trabalhando em casa, a carga horária muitas vezes se estende pela madrugada adentro, em detrimento das novas demandas, como a contagem de tempo especial para quem tem adicionais ocupacionais e a contagem do tempo celetista (antes do RJU, em 1990) para regularizar a situação de quem pretende pedir abono ou aposentadoria.  

Valorização necessária 

A responsável pela Seção de Pessoal do Núcleo de Rádio e Tevê do Fórum de Ciência e Cultura, Cristina Sari, lamentou que poucos deem valor ao trabalho dos profissionais de recursos humanos, e muitos inclusive criticam quando não conseguem ser atendidos em suas demandas, em seus direitos, sem entender que a origem do problema vai além da instituição. 

O Núcleo tem 22 servidores, mas Cristina sabe que há RHs na universidade que funcionam com apenas um profissional e respondem por mais de 200 pessoas. “Há deficiência de pessoal em grande parte da universidade”, disse, chamando atenção para o corte de funções e para situações em que os profissionais são pressionados “como se não fizessem nada”.

Cristina Sari

Quando, segundo ela, a realidade é bem outra, porque o profissional de RH tem que estar 24 horas alerta e sem ganhar nada a mais por isso. Ela considerou como um duplo ataque ao servidor ele ter que, por conta da pandemia, se adaptar à nova realidade e continuar sendo atacado pelo governo, cujos efeitos recaem sobre esses trabalhadores em efeito cascata. Como exemplo, a técnica-administrativa apontou a reforma administrativa, a IN 109, que quer a volta ao trabalho normal, mesmo com riscos, e a IN 65. “Tudo isso recai sobre as nossas costas, e ainda as contas de luz e internet. Estamos trabalhando pra caramba, ganhando menos e somos taxados de marajás. Os marajás não estão no pacote da reforma”, afirmou.

Concursada da UFRJ desde 2012, Cristina considerou importante jogar luz sobre o trabalho dos profissionais do setor, principalmente agora que redobrou o trabalho em função das novas exigências e atitudes do governo contra os servidores. “A pandemia está sendo um prato cheio para virem em cima da gente”.

 

“Estou até hoje porque amo o que faço”

Com mais de duas décadas de bons serviços prestados à UFRJ, Sara Teixeira responde pela Seção de Pessoal do Instituto de Matemática (IM). Durante o dia o trabalho é presencial, e à noite, remotamente. As tarefas são divididas com mais dois profissionais, e o número de atendidos chega a mais de 200 pessoas. “Chego do Fundão e continuo trabalhando. Só desligo o laptop antes das 20 horas, porque tenho compromisso pela manhã, senão ia até as 22 horas. Essa é a minha rotina, e sem receber hora extra”, contou a técnica-administrativa. 

Sara Teixeira

As atividades mais demandadas pelo setor atualmente, segundo Sara, são contagem especial de tempo, ressarcimento do plano de saúde, acompanhamento das contratações de professores substitutos, processos de insalubridade em fase de levantamento, revisão das averbações com contagem de tempo de serviço em período celetista para concessão de aposentadoria e abono pecuniário. Fora o atendimento ao público.

De acordo com Sara, o SEI está garantindo as condições para os RHs desenvolverem seu trabalho na pandemia, mas ela observa que há ainda muitos processos físicos. Outra dificuldade que apontou foi a falta de pessoal. “Uma das servidoras do setor, por exemplo, ingressou há pouco tempo na UFRJ e, embora esteja indo bem, está em fase de aprendizado. Há muita pressão. Faço o máximo que posso, mas nem todo mundo fica satisfeito”, desabafou.  

Sara admitiu que sente o desgaste e lamenta a decisão que tomou de se aposentar para preservar a saúde, porque sem o pagamento de gratificação é difícil conseguir quem a substitua. “O governo só sabe exigir cada vez mais dos servidores, eu estou até hoje no setor porque amo o que faço, mas tem um limite”, concluiu.

 

 

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