Governo quer acabar com o regime próprio de previdência dos servidores

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“O Decreto n° 10.620/2021 determina a passagem para o INSS de todas as questões previdenciárias do servidor federal das autarquias e fundações (concessão e manutenção de aposentadorias etc.). Somente os da administração direta permanecerão no regime próprio dos servidores”, esclarece o assessor jurídico da Fasubra e especialista em Direito Previdenciário, Luiz Fernando Silva, na live promovida pela Federação “Mais uma ameaça às aposentadorias?”, no dia 18 de fevereiro. 

Por quê? 

De acordo com o especialista, a decisão se baseia na necessidade de o governo amealhar recursos para as atividades governamentais nos próximos dois anos, ou seja, enfrentar o alegado déficit público decorrente da pandemia da Covid-19. “A recuperação econômica, a meu ver, vai ser usada para justificar todo o quadro político que levará à regulamentação das regras previdenciárias que estão pendentes desde a Emenda Constitucional (EC) 103, de novembro de 2019. 

Privatização ou capitalização

“Portanto”, complementa, “voltará à tona a privatização da Previdência ou o Regime de Capitalização, como já era intenção do Bolsonaro quando apresentou a EC 103, que foi derrotada no Congresso Nacional, e a redução das despesas do funcionalismo de maneira geral. É preciso ler o decreto dentro deste contexto, que inclui a reforma administrativa etc.” 

Segundo Silva, estão pendentes de regulamentação na EC 103 o seguinte: critérios de abono de permanência, que serão fixados por lei; em caso de déficit, a permissão para o governo criar contribuição previdenciária sobre benefícios acima do teto (“déficits previdenciários que sempre alegaram existir”); Lei Federal para disciplinar benefícios aplicados aos servidores da União (“são outros benefícios previdenciários diferentes do atual”).

As duas alternativas 

“Enfim, temos uma infinidade de normas legais a serem evitadas. Uma delas, o artigo 34 da EC 103, que diz que ‘lei complementar’ poderá prever, inclusive, a extinção dos regimes próprios e sua absorção pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

Nós hoje temos o regime próprio estruturado com as regras definidas de concessão de aposentadoria dos servidores, inclusive com direito a paridade e integralidade, mas a EC 103 prevê a possibilidade de manutenção desse regime próprio ou da sua própria extinção com a absorção desse regime previdenciário pelo RGPS. Então, é preciso olhar para essas duas alternativas e verificar qual delas o Decreto n° 10.620/21 está trilhando, mas tendo em mente que a qualquer momento o governo pode decidir pela extinção do regime próprio dos servidores por meio de lei complementar”, orienta o assessor jurídico.

Objetivos contidos na reforma administrativa

Segundo Silva, “se olharmos a reforma da Previdência, veremos que há muitos objetivos não expressos explicitamente, mas que estão contidos na reforma administrativa, por exemplo, reduzir o máximo possível o regime próprio dos servidores da União Federal. Então, a reforma administrativa está casada com todo esse processo. O objetivo é aglutinar o mais possível os regimes próprios para dentro do RGPS”.

Engordar a capitalização para o mercado

“A capitalização”, alerta o advogado, “vem nesse contexto”, e ele explica a intenção do governo: 

“Se falássemos hoje de capitalização só do Regime Geral de Previdência Social com benefícios até o teto, estaríamos ofertando ao mercado um regime previdenciário que não é tão atrativo assim do ponto de vista da capacidade de gerar poupança. Quando falamos de servidores públicos, ampliamos bastante esse leque, trazendo para dentro da capitalização parte importante do funcionalismo que tem remunerações superiores ao teto do RGPS.

Este movimento, então, torna mais atrativo a privatização do RGPS, porque estará contido nele o regime próprio dos servidores, seja na forma de administração provisória agora, como futuramente com a aglutinação do regime próprio no regime geral, se o governo optar pela extinção do regime próprio de previdência.

 Então, veja que o decreto não é um mero repasse ao INSS para fazer uma gestão (manutenção) e concessão de aposentadorias. É preciso ver a PEC 32 da reforma da administrativa está concatenada com o Decreto n° 10.620/21”.

Descentralização dos servidores

Silva chama a atenção para outro fato importante: 

“Na parte da PEC 32, temos a estabilidade restrita a carreiras típicas, então, uma boa parte dos futuros servidores será vinculada ao RGPS, e uma expressiva parcela dos atuais servidores também, dependendo do modelo jurídico da relação que se estabelecerá daqui para a frente, porque não teremos mais o regime próprio de hoje.

A União Federal estabelecerá qual será o órgão ou a entidade responsável pela gestão do regime próprio de previdência dos servidores dos Três Poderes. O decreto só diz que a concessão e a manutenção das aposentadorias vão para o INSS do pessoal das autarquias e das fundações. O restante das concessões e manutenções fica no Sipec.

Mas a gente está sabendo que o movimento que o governo está fazendo internamente é para que o INSS se torne a entidade gestora única do regime próprio de previdência dos servidores. Por isso, a Secretaria de Previdência disse ao jornal Correio Braziliense que “nós ainda não definimos qual é, estamos dizendo que caminhamos para isso”.

O parágrafo 22 do artigo 40, também alterado pela EC 103, repete a necessidade de estruturação de órgão ou entidade gestora única. Isso já tem previsão constitucional: seja o INSS eleito para fazer isso, seja um outro órgão da administração pública ou uma autarquia que venha a ser criada para gerir o regime próprio dos servidores. O governo federal vai caminhar para essa gestão, caso ele opte a médio ou longo prazo pela manutenção dos regimes próprios tal qual eles estão estruturados hoje. Mas ele pode optar pela extinção. Por essa hipótese, uma lei complementar definirá as formas de aglutinação das aposentadorias típicas do regime próprio ao RGPS.” 

O que fazer?

Segundo Silva, o que é possível fazer nesse momento em relação ao decreto é, em primeiro lugar, “questionar se a adoção do mecanismo de passar para o INSS centenas e milhares de aposentadorias em manutenção e a concessão de outras milhares de aposentadorias de autarquias e fundações é razoável, já que o INSS enfrenta um processo de absoluta destruição de sua máquina administrativa nos últimos três a quatro anos seguidos? Carente de pessoal e com toda dificuldade administrativa de resolver as aposentadorias do RGPS…”

 

 

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