“O Decreto n° 10.620/2021 determina a passagem para o INSS de todas as questões previdenciárias do servidor federal das autarquias e fundações (concessão e manutenção de aposentadorias etc.). Somente os da administração direta permanecerão no regime próprio dos servidores”, esclarece o assessor jurídico da Fasubra e especialista em Direito Previdenciário, Luiz Fernando Silva, na live promovida pela Federação “Mais uma ameaça às aposentadorias?”, no dia 18 de fevereiro. 

Por quê? 

De acordo com o especialista, a decisão se baseia na necessidade de o governo amealhar recursos para as atividades governamentais nos próximos dois anos, ou seja, enfrentar o alegado déficit público decorrente da pandemia da Covid-19. “A recuperação econômica, a meu ver, vai ser usada para justificar todo o quadro político que levará à regulamentação das regras previdenciárias que estão pendentes desde a Emenda Constitucional (EC) 103, de novembro de 2019. 

Privatização ou capitalização

“Portanto”, complementa, “voltará à tona a privatização da Previdência ou o Regime de Capitalização, como já era intenção do Bolsonaro quando apresentou a EC 103, que foi derrotada no Congresso Nacional, e a redução das despesas do funcionalismo de maneira geral. É preciso ler o decreto dentro deste contexto, que inclui a reforma administrativa etc.” 

Segundo Silva, estão pendentes de regulamentação na EC 103 o seguinte: critérios de abono de permanência, que serão fixados por lei; em caso de déficit, a permissão para o governo criar contribuição previdenciária sobre benefícios acima do teto (“déficits previdenciários que sempre alegaram existir”); Lei Federal para disciplinar benefícios aplicados aos servidores da União (“são outros benefícios previdenciários diferentes do atual”).

As duas alternativas 

“Enfim, temos uma infinidade de normas legais a serem evitadas. Uma delas, o artigo 34 da EC 103, que diz que ‘lei complementar’ poderá prever, inclusive, a extinção dos regimes próprios e sua absorção pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

Nós hoje temos o regime próprio estruturado com as regras definidas de concessão de aposentadoria dos servidores, inclusive com direito a paridade e integralidade, mas a EC 103 prevê a possibilidade de manutenção desse regime próprio ou da sua própria extinção com a absorção desse regime previdenciário pelo RGPS. Então, é preciso olhar para essas duas alternativas e verificar qual delas o Decreto n° 10.620/21 está trilhando, mas tendo em mente que a qualquer momento o governo pode decidir pela extinção do regime próprio dos servidores por meio de lei complementar”, orienta o assessor jurídico.

Objetivos contidos na reforma administrativa

Segundo Silva, “se olharmos a reforma da Previdência, veremos que há muitos objetivos não expressos explicitamente, mas que estão contidos na reforma administrativa, por exemplo, reduzir o máximo possível o regime próprio dos servidores da União Federal. Então, a reforma administrativa está casada com todo esse processo. O objetivo é aglutinar o mais possível os regimes próprios para dentro do RGPS”.

Engordar a capitalização para o mercado

“A capitalização”, alerta o advogado, “vem nesse contexto”, e ele explica a intenção do governo: 

“Se falássemos hoje de capitalização só do Regime Geral de Previdência Social com benefícios até o teto, estaríamos ofertando ao mercado um regime previdenciário que não é tão atrativo assim do ponto de vista da capacidade de gerar poupança. Quando falamos de servidores públicos, ampliamos bastante esse leque, trazendo para dentro da capitalização parte importante do funcionalismo que tem remunerações superiores ao teto do RGPS.

Este movimento, então, torna mais atrativo a privatização do RGPS, porque estará contido nele o regime próprio dos servidores, seja na forma de administração provisória agora, como futuramente com a aglutinação do regime próprio no regime geral, se o governo optar pela extinção do regime próprio de previdência.

 Então, veja que o decreto não é um mero repasse ao INSS para fazer uma gestão (manutenção) e concessão de aposentadorias. É preciso ver a PEC 32 da reforma da administrativa está concatenada com o Decreto n° 10.620/21”.

Descentralização dos servidores

Silva chama a atenção para outro fato importante: 

“Na parte da PEC 32, temos a estabilidade restrita a carreiras típicas, então, uma boa parte dos futuros servidores será vinculada ao RGPS, e uma expressiva parcela dos atuais servidores também, dependendo do modelo jurídico da relação que se estabelecerá daqui para a frente, porque não teremos mais o regime próprio de hoje.

A União Federal estabelecerá qual será o órgão ou a entidade responsável pela gestão do regime próprio de previdência dos servidores dos Três Poderes. O decreto só diz que a concessão e a manutenção das aposentadorias vão para o INSS do pessoal das autarquias e das fundações. O restante das concessões e manutenções fica no Sipec.

Mas a gente está sabendo que o movimento que o governo está fazendo internamente é para que o INSS se torne a entidade gestora única do regime próprio de previdência dos servidores. Por isso, a Secretaria de Previdência disse ao jornal Correio Braziliense que “nós ainda não definimos qual é, estamos dizendo que caminhamos para isso”.

O parágrafo 22 do artigo 40, também alterado pela EC 103, repete a necessidade de estruturação de órgão ou entidade gestora única. Isso já tem previsão constitucional: seja o INSS eleito para fazer isso, seja um outro órgão da administração pública ou uma autarquia que venha a ser criada para gerir o regime próprio dos servidores. O governo federal vai caminhar para essa gestão, caso ele opte a médio ou longo prazo pela manutenção dos regimes próprios tal qual eles estão estruturados hoje. Mas ele pode optar pela extinção. Por essa hipótese, uma lei complementar definirá as formas de aglutinação das aposentadorias típicas do regime próprio ao RGPS.” 

O que fazer?

Segundo Silva, o que é possível fazer nesse momento em relação ao decreto é, em primeiro lugar, “questionar se a adoção do mecanismo de passar para o INSS centenas e milhares de aposentadorias em manutenção e a concessão de outras milhares de aposentadorias de autarquias e fundações é razoável, já que o INSS enfrenta um processo de absoluta destruição de sua máquina administrativa nos últimos três a quatro anos seguidos? Carente de pessoal e com toda dificuldade administrativa de resolver as aposentadorias do RGPS…”

 

 

A pandemia de Covid-19 modificou a forma de trabalho de milhares de trabalhadores. Desde março de 2020, o teletrabalho foi uma estratégia adotada por diversas empresas para garantir o isolamento social como medida recomendada pelos órgãos de saúde no país para conter a proliferação do vírus. Atualmente, mais de 8 milhões de pessoas estão em teletrabalho.

Nas universidades, por exemplo, o home office é uma realidade vivenciada pelos trabalhadores da educação, como técnico-administrativos e professores há quase um ano. Pouco se conhece ainda das condições de trabalho em casa, as dificuldades enfrentadas pelos profissionais ou até mesmo se há benefícios nessa modalidade.  

Como está se dando isso?

A CUT- Rio, com o objetivo de entender esta nova realidade no mundo do trabalho, está realizando uma pesquisa com os trabalhadores dos sindicatos filiados. O objetivo é coletar dados sobre a experiência do teletrabalho durante a pandemia. Com o resultado será possível orientar as entidades de classe em relação aos Acordos Coletivos futuros, adequando-os a essa nova realidade.

“Nosso objetivo é saber como tem sido essa experiência. Como tem sido essa divisão entre a vida e o trabalho? Quais são os desafios e os problemas? O que você trabalhador tem a nos dizer? Essa pesquisa é muito importante, por que pode ajudar aos sindicatos a pensar e propor pautas, cláusulas, acordos que definam um mínimo de direitos para os trabalhadores que se encontram nessa modalidade”, explica Patrícia Vieira, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (Abet)

A pesquisa é feita em parceria com a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (Abet) e o Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (Amorj),e  foi iniciada em 1º de fevereiro e vai até o fim do mês. Pretende-se abarcar um universo de 500 trabalhadores e a central solicita aos seus sindicatos filiados que divulguem em suas mídias a iniciativa.  

Em relação ao material coletado, é garantido o sigilo das informações dadas pelos trabalhadores e servirá para avaliação dos pesquisadores da Abet.  Para acessar o questionário clique no link: https://fs4.formsite.com/uvnr1L/4d8wju9r35/index.html. Participe! Dura apenas alguns minutos.

 

 

Categoria: Agência DIAP.  Publicado: 22 Fevereiro 2021

Nos bastidores circula parecer preliminar, portanto, ainda não considerado oficial, que será apresentado pelo relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), à PEC 186/19, de autoria do governo, mas apresentada pelo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e outros senadores, que trata do “Plano Mais Brasil” focado na reforma fiscal.

 

A versão do parecer estabelece a prorrogação do congelamento de salários de servidores por 2 anos e também acaba com a exigência de gastos mínimos para saúde e educação em União, estados e municípios.

Essas mudanças que foram incorporadas ao texto advêm do “Plano Mais Brasil” defendido pelo ministro Paulo Guedes que visa desindexar, desvincular e desobrigar gastos obrigatórios que comprometem o Estado de bem-estar social estabelecido pela Constituição.

Auxílio emergencial

A aprovação da PEC 186, neste formato, é pré-condição para possibilitar a prorrogação do auxílio emergencial em 2021 que ainda será definida pelo governo, por meio de medida provisória.

Valor do benefício não está definido na PEC, mas governo trabalha com proposta de 4 parcelas de R$ 250 cada; texto congela despesas de União, estados e municípios quando gastos atingirem 95% da arrecadação.

Esse valor defendido pelo governo, de entre R$ 250 e R$ 300 é muito baixo. Os movimentos socais e sindical querem valor de no mínimo R$ 600. Há vários projetos de lei em tramitação em ambas as casas do Congresso, cujo valor é de R$ 600.

 

 

Governo Bolsonaro não se posicionou em defesa da medida, que poderia democratizar acesso à imunização durante a pandemia

Matéria retirada do site Brasil de Fato. 

 

Personalidades de mais de 30 países, como o ex-presidente Lula (PT), o ativista francês Jean-Luc Mélenchon (França Insubmissa), o ex-presidente equatoriano Rafael Correa e o vice-presidente do comitê consultivo do Conselho de Direitos Humanos das Nações

Unidas, Jean Ziegler, assinaram no último dia 20 um manifesto pela quebra de patente das vacinas contra a covid-19.

A ideia é que, com as patentes suspensas temporariamente, os imunizantes sejam produzidos em sua versão genérica em larga escala. Isso possibilitaria o acesso à vacina para milhões de pessoas de maneira mais rápida e com custo menor para os governos durante a pandemia.

“As vacinas, tão vitais para a humanidade, são tratadas como commodities”, diz o texto. “Empresas privadas decidem a quem entregam e a que preço. Essa privatização da vacina (…) está retardando sua distribuição. Uma minoria de países ricos apropriou-se da maioria das doses disponíveis. No resto do mundo, alguns estados têm que pagar 2,5 vezes mais pelas mesmas vacinas”.

“Em muitos países, existem acordos de licenciamento de código aberto, licenciamento de escritório ou licenciamento compulsório”, prossegue o manifesto. “Eles permitem a fabricação e distribuição gratuita de vacinas. Pedimos aos líderes desses países que os usem o mais rápido possível. Essa ação vai reduzir o preço das vacinas e acelerar a produção. Pode salvar milhões de vidas humanas.”

Posição do governo brasileiro

Países emergentes, como Índia e África do Sul, defenderam a quebra de patentes em reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) no último dia 4. O Itamaraty, que participou da mesma reunião representando o governo brasileiro, não se posicionou sobre o tema.

Essa postura coloca o Brasil ao lado de países detentores de patentes como Japão, Estados Unidos e membros da União Europeia.

A legislação brasileira possui o chamado licenciamento compulsório, previsto na Lei da Propriedade Industrial 9.279/96. O recurso foi criado para sanar eventuais abusos cometidos por detentores de patente. A OMC permite a adoção desse mecanismo em casos de emergência sanitária ou de interesse público, como é o caso da covid-19.

O Brasil vacinou menos de 3% de sua população contra a covid-19 até o momento, enquanto vizinhos da América do Sul, como o Chile, já vacinaram cerca de 14%. 

O manifesto pela quebra de patente tem dois brasileiros como signatários. Além do ex-presidente Lula, a deputada federal e presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, também assina o texto.

 

 

Professor emérito da UFRJ e escritor, Muniz Sodré diz que o racismo brasileiro é de duplo vínculo e que vivemos uma forma social escravista, que se constitui na rejeição e na desconfiança do negro. A solução, defende, passa por uma educação sensibilizadora

Matéria retirada do portal Geledés. 

A morte brutal de João Alberto Freitas, espancado e sufocado até a morte por dois seguranças brancos em um Carrefour de Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra (20/11), não só gerou revolta como provocou uma série de questionamentos sobre o racismo que ainda molda as relações sociais no Brasil. Para o escritor e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Muniz Sodré, a morte do homem negro é uma morte anunciada no cotidiano brasileiro, como se fosse pré-programada.

A dificuldade que se tem para discutir e combater o racismo no país, segundo Sodré, passa pelo que ele chama de duplo vínculo, que consiste em dizer uma coisa e agir de outra forma e, diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, o racismo brasileiro é ambíguo porque “ao mesmo tempo que se tem uma exclusão racista, do ponto de vista do afeto, da proximidade, você tem um discurso que diz que não é racista”.

“Você começa a largar esse preconceito quando se sensibilizar para essa dura realidade de que o outro existe, e não é você. A saída é a educação sensibilizadora. Está fora do juízo antropológico, da argumentação, do discurso racional. É afeto, sentimento. E só o sentimento pode agir no racismo”, afirma.

Confira a entrevista:

O que o caso de João Alberto Freitas, morto brutalmente por seguranças do Carrefour em Porto Alegre, diz sobre a sociedade brasileira?

Essa morte não é uma morte incomum, ela é estatisticamente frequente no Brasil porque são inúmeros os negros mortos diariamente por policiais militares no Brasil. A morte do homem negro é uma morte anunciada no cotidiano brasileiro. De modo que isso não é uma novidade. As novidades são ter sido filmado e as circunstâncias dessa morte. Ele apanha e morre sufocado como [o também cidadão negro George] Floyd, nos Estados Unidos, enquanto pede socorro. E a fiscal do Carrefour não só não impediu, não socorreu, como quis impedir que se filmasse. Então, podemos falar que foi uma execução. Ele foi executado a pancadas por seguranças brancos em um supermercado, que já tem um histórico de violência, que é o Carrefour. É como se esse fato fosse pré-programado. Como se as circunstâncias fossem preparadas a priori para esse instante, esse ápice de violência. Pouco importa se o João Alberto tinha histórico policial, se tinha provocado a caixa do Carrefour, isso não tem a menor importância diante da magnitude que foi a cena do crime. Ele foi simplesmente executado, morto, espancado e sufocado até a morte por dois seguranças brancas dentro do supermercado. É essa a crueza do fato.

O senhor concorda com quem defende que o racismo brasileiro tem uma característica de desprezo pelas vidas negras e é isso que o difere do racismo nos EUA, mais motivado pelo ódio?

É difícil avaliar sentimentos, comparar emoções. Esse ódio é muito evidente principalmente no sul dos Estados Unidos, onde há uma memória das relações sociais no escravismo, e isso alimenta uma segregação que não é por leis, é racial. E alimenta o ódio, o rancor, o ressentimento, sentimentos que não caracterizam o racismo no Brasil, mas não sei se a palavra aqui seria desprezo. Na verdade, é o sentimento de que o negro é humanamente, antropologicamente inferior. Aqui, diferentemente dos Estados Unidos, o racismo é ambíguo porque, ao mesmo tempo que se tem uma exclusão racista, do ponto de vista do afeto, da proximidade, você tem um discurso que diz que não é racista.

Há um tempo atrás, eu escrevi um artigo acadêmico mostrando que o racismo brasileiro é do duplo vínculo. O duplo vínculo, na psiquiatria educacional, é uma categoria de [antropólogo americano Gregory] Bateson, quando você diz alguma coisa e, ao mesmo tempo, seu corpo diz outra. E esse duplo vínculo é típico do racismo brasileiro. A pessoa diz que não tem preconceito, que gosta de negro. Gosta, mas não deixa se aproximar, não tem amizade, não gostaria que se casasse com sua filha, seu filho. Isso é um duplo vínculo, um vínculo contraditório, paradoxal, de dizer uma coisa e agir de outra forma. E por que tem esse duplo vínculo, diferentemente dos Estados Unidos? Porque o racismo aqui é disfarçado. Em vez de ser uma força segregacionista declarada, é um resto do escravagismo.

Qual o lugar das pessoas negras na sociedade brasileira, que as consideram um perigo eminente?

No século 19, houve rebeliões que foram famosas como a rebelião dos Malês [levante de escravos, de maioria mulçumana, em Salvador, em 1835], então, quando vem a abolição, essa memória do negro como rebelde, violento, permanece. O negro é visto, a partir daí, como um perigo em potencial para a vida social, um foco de criminalidade, aletramento, analfabetismo em si mesmo. É essa desconfiança que constitui historicamente uma forma social que chamo de forma social escravista, que não é a mesma coisa que sociedade escravista. Você tem a sociedade escravista do passado, vem a abolição, aí surge a forma social escravista, e é dentro dela que se constitui essa rejeição e desconfiança do negro.

Se isso nas elites intelectuais fica nos escritos, na cabeça, no guarda da esquina, no segurança do supermercado, a maneira de manifestar essa desconfiança é a violência. A violência fica só esperando a ocasião para se manifestar, para aparecer. É isso que o filósofo camaronês [Achille] Mbembe chama de necropolítica, política de morte do outro, do negro, como se fosse uma etnia a ser exterminada. No Brasil, depois da abolição, não se enforca mais os negros em árvores, como nos Estados Unidos, mas há outras formas sutis de extermínio, por não considerá-los como pessoa humana. É desconfiança radical e invisibilização. O negro é um cidadão invisível. Quando ele aparece, a violência aparece também.

A luta pelo fim da invisibilização da população negra também passa pelo entendimento de que não vivemos em uma democracia racial, como alguns ainda defendem?

Nos anos 1970, se dizia em redações de jornais e ambientes de esquerda, eu sou de esquerda, sempre fui… mas se dizia que racismo era invenção de sociólogo americano, que racismo brasileiro não existia, existia na África do Sul e nos Estados Unidos. Na verdade, esse era um discurso tanto de direita quanto de esquerda. E há comunistas famosos, que não vou dizer o nome, que falavam isso. Não davam importância ao racismo, não acreditavam porque não queriam acreditar. Mas essa invisibilização hoje está caindo, porque o racismo como questão secundária, de pequena importância, está explodindo no mundo inteiro. A questão racial emergiu aqui e em todo lugar. Não dá mais para varrer para debaixo do tapete. Essa é uma questão que a sociedade brasileira tem que enfrentar.

A imprensa brasileira sempre foi racista. Você foi ver negros trabalhando em redação há pouco tempo. Quando surgiram as cotas, os jornais brasileiros foram contra. Eu fiz um levantamento no meu livro “Claros e escuros” e esse era o posicionamento do Globo, da Folha de São Paulo, do Estado de São Paulo. As pessoas não admitiam que eram racistas, mas eram contra esse benefício histórico que estava sendo dado aos negros. Mas a imprensa está mudando. Ainda é lento, é pouco, mas está mudando.

O preconceito pode dar um conforto muito grande porque dá a ilusão de que você sabe automaticamente as coisas. Então, diante de uma pessoa negra, alguém supõe automaticamente que sabe tudo sobre ela. E esse conforto do preconceito alimenta a desconfiança

Como o senhor vê a forma como a polícia lida com a população negra e suas abordagens invariavelmente racistas?

Se não percebem [o racismo], é porque estão condicionados a não perceber. E isso mexe também com o antirracista porque todos nós carregamos preconceitos. O tempo inteiro nós caminhamos no preconceito e aprendemos coisas a partir dele. Quando na escola o professor diz que 2 + 2 são 4, mesmo antes de fazer essa conta você acredita. Quando ele diz que a terra é redonda, você acredita. Esse acreditar sem provar é preconceito. Quando você prova, tem o conceito. A estrutura do preconceito está na estrutura do conhecimento.

O que acontece com o racismo é que, desde pequeno, ele pode integrar seu repertório de preconceitos. E o preconceito pode dar um conforto muito grande porque dá a ilusão de que você sabe automaticamente as coisas. Então, diante de uma pessoa negra, alguém supõe automaticamente que sabe tudo sobre ela, que deve ser analfabeta, perigosa, que não pode fazer amizade, casar com ela. E esse conforto do preconceito é que alimenta a desconfiança.

Então, qual a saída disso? É a sensibilização social, que se dá pela educação, pela aproximação, pelas artes. É um caminho longo. Mas a saída desse preconceito é se sensibilizar para a existência do outro. E cada outro é um problema. Você começa a largar esse preconceito quando se sensibilizar para essa dura realidade de que o outro existe, e não é você. Como disse [o filósofo francês Jean-Paul] Sartre, o outro é o inferno, porque você não o controla inteiramente, não sabe tudo dele. Se esse outro é seu irmão, seu pai, seu marido, sua companheira, já é difícil. Mas se esse outro é preto e está acomodado historicamente como alguém a ser desvalorizado, o negócio piora. Aí está a questão.

O que acha que explica o fato de autoridades como os presidente e vice da República negarem a existência de racismo no país?

Ignorância, que é uma força que move juízos desse tipo. No livro 1984, de George Orwell, há o ministério da verdade, que tem um lema tríplice de contradições, “paz é guerra, guerra é paz”, “escravidão é liberdade” e “ignorância é força”. É isso. Ignorância é força. Se você está na trincheira da ignorância, isso tem um tipo de força. Então, as frases dos dois são frases de ignorância. Claro que é uma ignorância que, repetida, pode significar alguma força eleitoral. E tem muita gente que gosta.

Ignorância dá força, não é só o conhecimento. E é sedutora também. A ignorância atrai como uma espécie de abismo. Então, é preciso olhar com mais cuidado para a ignorância; não é desprezar, deixar de lado. É preciso olhar com cuidado para ver porque a ignorância está prosperando em um determinado terreno. Prospera porque tem alguma coisa de sedutora ali que a gente não percebe. Se a gente não sabe, o outro sabe.

E qual o caminho para, enfim, superar o racismo e, quem sabe, alcançar a ainda utópica democracia racial?

Acho que o fato de o João Alberto estar comprando num supermercado francês, o Carrefour, despertou a curiosidade dos vigilantes brancos. Ainda mais se ele não fosse tão educado, tão amigável. Se fosse um branco deseducado, não teria nenhum problema. Mas um negro deseducado, num supermercado francês, suscita violência. Não há compaixão. Não há sentimento nem há aproximação. É um estranho no ninho ali, um negro comprando no supermercado francês. Devia estar em outro lugar.

A saída para isso é a educação sensibilizadora. Está fora do juízo antropológico, da argumentação, do discurso racional. É afeto, sentimento, compaixão. E só o sentimento pode agir no racismo. Sentimento e aproximação, não a razão. O que resolve é a sensibilidade, e nós vivemos em meio a uma insensibilidade social. O guarda que matou o João Alberto… por que aquela violência toda? Ele não estava armado. Isso se chama etnocídio. Não é só um homicídio. É o extermínio de outra etnia, outra cor.

Para o professor Muniz Sodré, a insensibilidade social alimenta a indiferença pelos negros (Foto: Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa Fapesp)
A indignação diante do cenário devastador criado pelo governo na pandemia chegou às ruas da cidade neste domingo, 21 de fevereiro, na forma de carreata – mais uma vez. O ponto de partida foi a concentração diante do Monumento de Zumbi, no Centro. Sintufrj teve participação ativa no ato (inclusive como o nosso carro de som para dar voz às entidades). Adufrj, representantes do movimento estudantil da UFRJ marcaram presença na manifestação organizada pelo Comitê em Defesa da Vida-RJ. A luta contra Bolsonaro é ampla: exige VACINA PRA TODO MUNDO, AUXÍLIO EMERGENCIAL E CONTRA A REFORMA ADMINISTRATIVA que ameaça os servidores e os serviços públicos à população.
Carreatas contra Bolsonaro foram registradas no sábado e no domingo pelo país. No domingo, pelo menos 12 estados e o Distrito Federal receberam protestos reivindicando a vacinação rápida e a retomada do auxílio emergencial. As manifestações foram convocadas por movimentos de esquerda
Veja aqui algumas imagens capturadas pelas lentes do fotógrafo Renan Silva. #ForaBolsonaro