A economista Juliane Furno desmistifica fakes news que expõem negativamente os serviços públicos no Brasil com o objetivo de cooptar a adesão da população para a reforma administrativa proposta pelo governo Bolsonaro. O vídeo feito por ela encontra-se à disposição dos interessados em seu canal no Youtube:
“Queremos desmitificar essa ideia de que o Estado é excessivamente grande no Brasil e que o conjunto do servidor público é um problema que precisa ser solucionado com mais corte de salário e de servidores. Em última instância é o corte do serviço público, porque no Brasil esse serviço depende muito do profissional servidor público que o exerce”, explica Furno.
“Hoje serviços públicos são gratuitos (ensino, saúde, segurança entre outras pr4stações de serviços à população outros), mas amanhã, se a reforma administrativa for aprovada, terão de ser pagos, pois o Estado irá deixar de prestá-los. É o que propõe no fundo a Proposta de Emenda Constitucional nº 32, a chamada PEC da Reforma Administrativa que está em tramitação no Congresso Nacional”, avisa a economista.
Juliane Furno é mestra em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, onde também cursa doutorado em Desenvolvimento Econômico no Centro de Estudos em Economia do Trabalho e Sindicalismo (Cesit). Sua linha de pesquisa é em Economia Social e do Trabalho.
Essencialidade em risco
Segundo Furno, a PEC 32 está voltada apenas para o Poder Executivo, cujo alvo são os trabalhadores dos serviços públicos essenciais, como saúde e educação.
“A PEC 32 é mais uma tentativa de desmontar e reduzir o tamanho do Estado para os serviços sociais, ou seja, tentam pintar uma imagem de que o servidor público é excessivamente privilegiado no Brasil enquanto foca justamente no Executivo, onde principalmente os trabalhadores são da saúde e da educação, trabalhadores dos estados e municípios. Aqueles servidores que prestam serviço essencial e que têm uma remuneração muito mais baixa em relação àqueles que costumamos pensar quando se fala em servidor público de carreira, supostamente mais privilegiado”, detalha.
Seis fake news contra os servidores
No vídeo “Reforma Administrativa e as fake news sobre os servidores públicos!”, que reproduzimos em parte aqui, Juliane Furno desmistifica as mentiras disseminadas contra os servidores públicos para justificar a proposta do governo Jair Bolsonaro de reforma administrativa. Confira:
1-Salários altos e muitas vantagens
“Essa reforma só vale para o Poder Executivo. O real problema do serviço público, no que tange aos altos salários e vários benefícios, está nos Poderes Judiciário e Legislativo, e também nas Forças Armadas. É onde, pasmem, a reforma administrativa não se aplica”.
2-Gastos com saúde e educação são inferiores ao gasto com servidores
“Matéria veiculada no Jornal Nacional informou que o gasto no PIB era de 13,7% com salários de servidores; 3,9% em saúde e 6% em educação. Aqui já tem um problema que é uma dupla contagem. Gasto com servidores públicos e gasto com saúde e educação não se separam, porque parte fundamental do gasto em saúde e educação são os salários dos servidores.
O montante pago em salário nada mais é do que o próprio gasto em saúde e educação, porque a educação e a saúde precisam de estrutura física sim, mas o mais importante é a existência do professor e do médico do setor público. Então não é possível separar gasto com saúde e educação do gasto com pessoal no Brasil”.
3-Brasil é o país que mais gasta com servidores no mundo
“O total do gasto com servidores no Brasil é de 13% do PIB, segundo dado da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mas não calculam apenas os ativos, juntam no cálculo servidores aposentados.
Utilizam também uma operação contábil intraorçamentária – a receita vinculada da Previdência Social do PIS/Cofins – para dizer que é um gasto a mais do governo.
O próprio Banco Mundial, em um estudo chamado “Ajuste Justo”, mostra que o total dos servidores públicos no Brasil e o tamanho do Estado não são excessivamente grandes.
Um outro estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico composta por 35 países do qual o Brasil faz parte), que se chama “Panorama das Administrações Públicas”, mostra que o Brasil tem um total de 12% dos trabalhadores no serviço público. Isso é bem inferior à média dos serviços públicos com relação aos trabalhadores no total da própria OCDE que está em torno de 20%”.
4-Servidores ganham muito
“Isso não é verdade. A maioria dos servidores públicos no Brasil está ou nos estados ou principalmente nos municípios, ou seja, são trabalhadores que em sua maioria estão alocados em áreas como saúde, educação e segurança e recebem uma média salarial muito baixa, em torno de 3 mil reais.
Muita gente fala que o prêmio salarial é muito maior no serviço público do que no setor privado. Eles alegam que essas ocupações pagam muito menos quando exercidas no setor privado.
Em primeiro lugar, esse prêmio salarial é quase inexistente justamente onde mais se concentra os trabalhadores públicos, que é na saúde e na educação e é em nível municipal. Então, esses trabalhadores, no nível básico, costumam receber nos municípios menos do que é pago na iniciativa privada, por esses mesmos serviços.
Além disso, a diferença de remuneração tem relação com o fato de que a escolaridade no serviço público é muito maior do que na iniciativa privada. Na União, 75% dos servidores na ativa têm graduação ou pós-graduação, enquanto no setor privado isso chega a 10%.
Por fim, o mais problemático da diferença de remuneração entre o setor público e o privado se justifica pela precariedade que é o mercado de trabalho privado no Brasil. O salário dos brasileiros é muito baixo e não dá para nivelar por baixo esse padrão do salário da remuneração do servidor público.
Para encerrar, é claro que o serviço público paga um pouco mais do que o setor privado. Porque a gente quer justamente que o povo seja atendido pelos melhores profissionais. Por isso é importante não perder os bons professores para o setor privado. E por isso o setor público no mundo paga relativamente mais do que no setor privado”.
5-Gastos com pessoal cresceu exorbitantemente, necessário então reduzir o número de trabalhadores e salários dos servidores públicos
“Isso também não é verdade. De fato, houve um aumento no montante do gasto com salários que cresceu bastante nesse último período, isso porque teve aumento na contratação de trabalhadores. Está ligado com a responsabilização de estados e municípios que passaram a ter sobre os serviços públicos essenciais com a Constituição de 1988.
As despesas com serviço público no nível federal, por exemplo, estão estabilizadas em relação ao PIB há pelo menos 20 anos. E isso está bem abaixo do limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
6-Servidores são preguiçosos e se aproveitam da estabilidade
Não é verdade que os servidores públicos não possam ser demitidos no Brasil.
Existem mecanismos de controle e avaliação, que inclusive podem levar a exoneração. A diferença é que isso precisa passar por um processo judicial e não pode ficar à mercê da escolha do chefe.
É muito importante que exista a estabilidade, porque ela garante que os serviços tenham continuidade, independentemente do governo de ocasião. Ela blinda os servidores públicos de algumas chantagens políticas. É isso que permite o livre pensar nas universidades, que os servidores sigam autuando empresas que desrespeitam o meio ambiente ou que usam o trabalho análogo ao escravo.
Um exemplo é a barragem do Fundão, em Minas Gerais, operada pela empresa Vale do Rio Doce. Pesquisadores da UFMG, justamente pela estabilidade e liberdade de pensamento e exercício crítico da ciência, já tinham alertado para os riscos de rompimento”.