O uso da imagem de corpos femininos, às vezes nus, para vender bebidas, carros, imóveis, jóias e até cenas grotescas de agressão para valorizar o produto em detrimento à pessoa, além de mensagens subliminares sugerindo que as mulheres são inferiores intelectualmente ao homem, portanto, o lugar delas é na cozinha.
A mulher objeto era a cereja do bolo da publicidade, mas isso ficou para trás, não é mesmo? Não. Por mais absurdo que possa perecer, a cultura machista na propaganda persiste e não é à toa. Esse tema tão atual foi debatido na terça-feira, 13, no Festival do Conhecimento da UFRJ.
O debate “Publicidade sexista: uma cultura a ser rompida” teve como mediadora a coordenadora de Comunicação do Sintufrj e dirigente da CUT-RJ, Marisa Araújo, e reuniu a professora do curso de espanhol do Sintufrj, Elizabeth Dreon, autora de amplo estudo sobre a representação da mulher na publicidade desde o século XIX até os dias de hoje, e a Secretária de Cultura da CUT-RJ, Clarice Ávila, que também é dirigente do Sindicato Estadual dos Professores (Sepe-RJ).
Discriminação e degradação
“Este festival está marcado na história do Estado do Rio e do país, e a cultura sexista, que coloca o corpo da mulher em evidência de uma perspectiva machista, é um debate necessário para a reflexão em torno da naturalização e banalização de práticas que precisam ser combatidas”, apontou Clarice Ávila.
Elizabeth Dreon exibiu várias peças de propaganda, no formato de cartazes e vídeos, veiculadas desde os anos 2000 para cá, para ilustrar as falas das debatedoras. Sexismo, ela explica, é a prática de discriminação e degradação de uma pessoa com base no gênero, e pode se dar através de diferentes maneiras, seja pelas características físicas, seja por questionar sua capacidade intelectual ou habilidades profissionais, entre outras.
“Na América Latina, o Brasil é o terceiro país mais sexista e o quinto país do mundo onde há mais violência de gênero. A publicidade sexista é uma das formas sutis de violência de gênero, uma vez que reforça estereótipos: a mulher foi feita para os trabalhos de casa, a mulher tem um baixo intelecto, a mulher deve ser submissa ao homem, a mulher está a serviço do homem e aos seus prazeres”, explica a estudiosa.
“Estereótipos esses que ajudam a criar na sociedade a ideia de que a mulher é apenas um objeto e existe apenas para auxiliar o seu senhor homem. Nas relações de trabalho também transparece a superioridade masculina em relação ao gênero. Todo tipo de produto usa a mulher como propaganda. Corpos nus ou seminus vendem bebidas, por exemplo”, acrescenta Elizabeth.
Pouco mudou
Embora tenha ocorrido uma evolução relativa na propaganda a partir do início do século XIX, peças publicitárias ainda mostravam homens descontentes com as esposas, batendo em mulheres. Absurdos como um “combo executivo” para homenagear o Dia da Secretária, incluindo garrafa de vinho e camisinha, foi veiculado na mídia em 2019. Entre outros conceitos machistas, uma rede de fast food exibe uma propaganda que diz, em inglês, que lugar de mulher é na cozinha. “Porque não em locais de comando”, questiona a professora do Sintufrj.
“Temos muito que construir. Por isso é importante refletirmos sobre o sexismo, machismo, que se agravaram na pandemia com o aumento de casos de violência doméstica”, propôs Elizabeth, que citou recente episódio de um DJ que agrediu a mulher na frente da filha e que, pasmem, com a divulgação no vídeo nas redes sociais, aumentou o número de seguidores do espancador. Que mundo é esse em que as pessoas acham isso normal? Essa cultura precisa ser rompida”, defendeu a debatedora.
Segundo Elizabeth, desde 2018 o Rio de Janeiro tem uma legislação que proíbe exposição, divulgação ou estimulo ao estupro e à violência contra mulheres. Paraíba também criou sua lei no mesmo ano, e Santa Catarina em 2019.
Desdobrarte
Para Clarice Ávila, que é militante antirracista, pôr esse tema na ordem do dia se faz ainda mais urgente diante de um governo como o de Bolsonaro, para quem a vida vale menos que o lucro, com a publicidade reproduzindo algo que se deve combater, que é o machismo assim como o racismo. “É importante que muitos estados estejam criando leis para isso. Mas queremos mais mulheres e negros na publicidade, em papel de igualdade para homens, mulheres, negros e brancos.
Clarice apresentou o projeto “Desdobrarte”, que é desenvolvido em conjunto com o coletivo de cultura do Rio, cujo objetivo é dialogar com a classe trabalhadora, principalmente com os fazedores de cultura, tão atacada no momento. “Mudanças são possíveis, mas elas não vêm de forma gratuita. É preciso lutar. Só assim a gente muda esta sociedade”, disse.
‘Acho que é um futuro possível combater essa publicidade sexista, essa cultura machista. A gente tem que ser resiliente e perseverante”, disse Marisa Araújo no encerramento do evento.
O debate na íntegra pode ser visto na página da Extensão da UFRJ no Youtube ou pelo link https://www.youtube.com/watch?v=RJGyggFuBlY.