Entrevista/Zilda Martins

“Passamos para o racismo de extermínio”

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A técnica-administrativa Zilda Martins deu fôlego ao debate sobre as cotas raciais com o lançamento de seu livro Cotas Raciais e o Discurso da Mídia: Um estado sobre a Construção do Dissenso.

A obra é fruto de sua dissertação de mestrado e trata das restrições da mídia tradicional às ações afirmativas reproduzindo o discurso dominante da elite branca com o fim de formar a opinião pública contra as políticas de reparação.

Zilda é doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, pesquisadora do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC/ECO) e coordenadora do grupo de estudos sobre relações raciais no Brasil.

Especialista em relações raciais, ela declara que  passamos do racismo de dominação para o de exclusão, e no momento atual,  para o racismo de extermínio.

Jornal do Sintufrj – De que trata o seu livro?

Zilda Martins – O livro é um levantamento da narrativa midiática acerca das ações afirmativas no Brasil, mais precisamente sobre as cotas raciais. É um estudo que revela como o desacordo foi construído com um objetivo evidente, o da rejeição às possibilidades de estudantes negros e negras, até então fora das esferas do ensino superior, terem acesso à universidade.

JS – Qual o papel da mídia na questão?

ZM – A invisibilização, o silenciamento e a construção do dissenso são exemplos de rejeição da mídia às ações afirmativas, a partir do não incisivo às cotas raciais. Tal postura é também uma forma de individualizar a desigualdade racial, isentando o Estado da responsabilidade política com os afrodescendentes e, consequentemente, da adoção de políticas públicas de reparação.

 

JS – As ações afirmativas e as cotas raciais, embora tenham se provado acertadas continuam recebendo críticas? Por quê?

ZM – O sucesso das ações afirmativas e cotas raciais não interessa à mídia tradicional, cuja narrativa está voltada para outros segmentos sociais, como a elite branca. Afirmo, com Viveiros de Castros, que a sociedade brasileira ainda está ancorada em uma mentalidade profundamente escravocrata. É uma sociedade racista que não reconhece o sucesso das políticas públicas, porque não deseja admitir as relações igualitárias entre estudantes negros e estudantes brancos, não deseja a ascensão de profissionais negros no mercado de trabalho. Contudo, creio que essa realidade, quer queiram, quer não queiram, tende a mudar.

 

JS – Podemos afirmar que a resistência a essas políticas é fruto do racismo que ainda é muito arraigado na sociedade?

ZM – Sim, o racismo está na raiz da sociedade brasileira, faz parte do cotidiano e, como tal, perpassa todo o tecido social, seja na esfera individual, seja na esfera pública. Já tivemos avanços no combate ao racismo a partir da lei que criminaliza sua prática. Contudo, não basta a lei. É necessário mudar a mentalidade. Vimos relatos constantes de abuso de poder, como o mais recente ato racista a mando de uma juíza em Duque de Caxias, Rio de Janeiro, de paralisar com voz de prisão e algema uma profissional do Direito em pleno exercício de suas atividades laborais. Não faz muito tempo um dentista negro foi assassinado em São Paulo pela polícia ao ser confundido com ladrão.

 

JS – Na sua opinião, esse racismo que antes era velado agora se mostra sem constrangimentos e vem avançando? Por quê?

ZM – O racismo, como diz Sodré, é meio camaleônico, ora mostra a cara, ora não, confundindo a quem o queira identificar. Mas ele está presente na sociedade desde sempre, e aquele ou aquela que sofre racismo conhece bem essa realidade. Todos os campos sociais têm responsabilidade na construção do racismo. A Igreja, a Ciência, a Filosofia, a Academia, a sociedade civil, o Estado. Creio que o avanço do racismo na contemporaneidade caminha junto com a sociedade, numa disputa de narrativas, tendendo ao conservadorismo, que nega a diversidade, que vislumbra o neonazismo e pratica o ódio contra a diferença. Sodré ressalta que passamos do racismo de dominação para o racismo de exclusão. Eu digo com o autor que passamos do racismo de dominação para o de exclusão, e no momento passamos para o racismo de extermínio.

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